Filosofando
Dalva Aparecida Garcia Docente do Ensino Médio na Rede Pública Estadual. Coordenadora Pedagógica do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças; Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista - Marília, UNESP; Mestra em Filosofia e Educação pela Faculdade de Educação da USP/SP, FEUSP; e-mail: dalva@cbfc.org.br

Educação para o pensar e o desenvolvimento de habilidades e competências cognitivas - 24/07/2007
Coluna Educação para o pensar

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É possível educar para o pensar?

Antes da resposta, é prudente perguntarmos o que entendemos por pensar.

Com certa freqüência usamos expressões como “meus alunos não sabem pensar”; “pense um pouco que você resolverá o problema”, “se tivesse pensado não teria feito isso”; “penso em um mundo melhor”.

O que queremos dizer com cada uma dessas expressões?

Quando digo “penso em mundo melhor”, talvez queira me referir à capacidade do pensamento de imaginar novas possibilidades, de criar e ultrapassar as fronteiras do conhecido ou mesmo do estabelecido. Neste sentido, pensar está intimamente ligado à capacidade humana de fazer novas relações.

Quando digo “se tivesse pensado não faria isso” refiro-me ao pensamento capaz de modificar as ações, refiro-me a uma outra face do pensar: aquela capaz de avaliar, ou melhor, de produzir juízos acerca dos fatos, relações e ações. A capacidade de avaliar, julgar e produzir juízos permite a retomada dos procedimentos do pensar e, conseqüentemente, a modificação de nossas atitudes, conhecimentos ou mesmo conceitos.

Quando digo “pense um pouco que você resolverá o problema” refiro-me a um pensamento capaz de ordenar, organizar os dados disponíveis e aplicá-los a novas experiências. Trata-se da capacidade de raciocínio partindo de dados ou informações disponíveis poder extrair novas informações derivadas do que já conhecemos. O raciocínio nos permite ampliar nosso conhecimento.

Mas o quero dizer quando afirmo que “os alunos não sabem pensar”?

O que, então, estaria em jogo nesse tipo de afirmação?

Seria possível afirmar que alguém não pensa?

Imaginemos duas cenas bastante corriqueiras:

Primeira cena - Tenho no berço um bebê que não sabe ainda falar, mas chora e muito. Toda vez que ele chora o alimento, troco as fraudas ou simplesmente o acalanto em meus braços. Rapidamente ele “descobre” que o choro gera atenção e cuidado e, conseqüentemente, “descobrimos” que o bebê não mais apenas chora quando tem dor, fome, ou está molhado.

Segunda cena - Uma criança ainda pequena recebe um doce após as refeições. Observa atentamente aonde o doce é guardado: em uma lata em cima de um armário. Resmunga, aponta a lata, chora e vê seu pedido não atendido. Percebe que em cima da cadeira consegue alcançar objetos que de outra forma não conseguiria e, de repente, nos surpreendemos com a cadeira colocada perto do armário e a criança em cima dela com a ponta dos pés, puxando a lata.

Essas duas cenas revelam que a capacidade de fazer relações, inferir, fazer analogias, simbolizar se desenvolve mesmo antes que os pequenos seres humanos tenham dominado a linguagem. Sabemos que nossa capacidade de pensar se desenvolve diante de nossa necessidade de agir e interagir com o outro. Mas, o que estaria por trás da afirmação “os alunos não sabem pensar”? Estaríamos nos referindo à capacidade de criar, de avaliar, de ordenar dados e aplicá-los em novas situações?

Acredito que o que esteja por trás dessa afirmação ultrapasse o jogo enigmático que envolve a palavra “pensar” e se instale em um campo muito mais complexo e sedutor da ação humana, ou seja, a capacidade do homem de dar ou atribuir sentidos e significados para aquilo que cria, avalia ou ordena. Trata-se de um pensar que se debruça sobre si mesmo para indagar acerca de suas possibilidades, seus limites, fundamentos. Trata-se de um pensar que não apenas avalia, mas é capaz de autocorreção; que não apenas cria, mas transforma; que não apenas ordena, mas projeta. Trata-se de um pensar reflexivo, capaz de pensar o pensar em suas formas e procedimentos.

Neste sentido seria possível afirmar que os alunos não sabem pensar. Todavia, se as habilidades cognitivas se desenvolvem em situações, ainda na tenra infância, diante da necessidade de agir e interagir com o mundo, porque essa necessidade desaparece na escola, diante de uma educação formal?

Diria que uma das principais causas estaria no divórcio entre o conhecimento e seu sentido ou no terreno da ação e da vida humana. Mas é preciso cuidado diante dessa afirmação. Isso poderia gerar um dos erros mais comuns que vemos na educação: como as experiências de vida são múltiplas e diversas, por si mesmas, seriam capazes de despertar a curiosidade e o espanto necessários para o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Ao professor caberia canalizar as potencialidades já latentes necessárias ao conhecimento já instituído e formalizado. Ora, se isso não for possível é porque é impossível “tirar leite de pedra”, ou melhor, “não dá para ensinar mediante a falta de pré-requisitos básicos e elementares”.

Ora, essas afirmações tão simples e comuns em reuniões pedagógicas trazem em si um pressuposto que dificilmente é analisado: a crença de que as potencialidades cognitivas são inatas e que diante dos tropeços do pensar não há nada a fazer. Poderíamos supor que essa crença tem sua origem na própria concepção de educação centrada na relação ensino – aprendizagem que supõe um sujeito que apreende e um objeto a ser apreendido por intermédio de um outro sujeito que ensina o que deve ser aprendido. Nesta relação há pouco lugar para o sujeito que pensa, analisa, relaciona, ordena, conclui. O foco no pensar é colocado em segundo plano.

A contrapartida dessa postura pode ser observada na ênfase de estudiosos e especialistas em educação sobre a importância de favorecer o desenvolvimento de habilidades e competências cognitivas na escola, impulsionada no Brasil, mediante a publicação pelo Ministério da Educação e Cultura dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio.  Mas aqui também é preciso cuidado: classificar um conjunto de habilidades necessárias à apreensão de conjunto de conhecimentos específicos de determinada área do conhecimento não significa necessariamente favorecer situações que estimulem a capacidade de pensar.

Tomemos um exemplo:
Digamos que enquanto professora de história eu tenha como objetivo trabalhar com meus alunos o movimento de Independência no Brasil. Tal movimento se relaciona com acontecimentos de ordem internacional como a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Americanos. A fim de favorecer essas relações busco, de diferentes formas, fazer com que os alunos conheçam os fatos, idéias, conceitos que impulsionaram esses movimentos. De forma exaustiva, proponho questionamentos acerca dessas intrínsecas relações e, na avaliação, solicito que relacionem a independência do Brasil com a Revolução Francesa. Surpreendentemente meus alunos demonstram algum conhecimento sobre a Revolução Francesa e sobre a Independência do Brasil, no entanto, continuam incapazes de fazer relações. O que fazer?

Na perspectiva da Educação para o Pensar, proposta pelo filósofo e educador Matthew Lipman  seria necessária a formação de uma comunidade  investigativa em sala disposta a alimentar a investigação tanto do procedimento do pensar quanto do conteúdo a ser pensado.  Sendo assim, os exercícios que favorecem o desenvolvimento das habilidades não podem e não devem estar separados do próprio movimento do pensar sobre o pensar. Desta forma, para que podemos auxiliar os alunos a fazer relações seria necessário examinar e investigar quais seriam as relações possíveis entre a Revolução Francesa e a Independência. Seriam relações de causa e conseqüência? Meios e fins? Parte e Todo? Semelhanças e diferenças?

É fácil perceber que esta abordagem das habilidades cognitivas está intimamente vinculada ao conceito de educação enquanto processo de investigação. Por isso, para Lipman investigar não se limita a simples prática de exploração do desconhecido, mas a uma prática que acompanhada da autocorreção permite compreender o que está sendo investigado e como está investigado:

“Não chamo um comportamento de investigação se este for habitual, convencional ou tradicional, isto é, meramente uma prática. Mas, se à prática subseqüente da autocorreção for acrescentada àquela prática, o resultado é a investigação. É basicamente através das habilidades de investigação que as crianças aprendem (...) a explicar e prever, a identificar causas e efeitos, meios e fins, meios e conseqüências, como também a distinguir estas coisas entre si. Elas aprendem a formular problemas, estimar, medir e desenvolver inúmeras capacidades que formam a prática que se associa ao processo de investigação.” (LIPMAN, 1995)

Se o processo de autocorreção está intimamente vinculado ao conceito de investigação, o resultado da investigação conduz à produção de juízos. Juízos são afirmações ou negações acerca do que foi investigado.

Ao processo de encadear os juízos através de determinadas regras e procedimentos que busquem preservar a validade e buscar a verdade, chamamos raciocínio.

“Considerando aquilo que conhecemos, o raciocínio nos permite descobrir coisas adicionais afins. Nosso conhecimento se baseia na experiência do mundo e é por meio do raciocínio que ampliamos este conhecimento, preservando-o.” (LIPMAN, 1995)

Se tanto o processo de investigação, quanto o processo de raciocínio nos permite conhecer, é necessária a organização das informações e do conhecimento em grupos significativos. Esses grupos nos permitem conceituar, ou seja, estabelecer redes de significado. Essas redes conceituais permitem a própria organização do pensar, “são veículos do pensamento, entidades pelo qual o pensamento se realiza”.

Mas o pensamento se expressa através de diferentes códigos de linguagem. O cuidado na preservação do significado se faz através do desenvolvimento das habilidades de tradução.

A classificação de Lipman das habilidades cognitivas em quatro grandes grupos, de alguma forma, espelha uma seqüência semelhante à produção de uma investigação científica:

  1. Investigar para chegar aos juízos;
  2. Encadear os juízos de forma a ampliar o conhecimento (raciocínio);
  3. Organizar o conhecimento em redes de significado (conceituar) e
  4. Cuidar da mudança de códigos lingüísticos preservando o significado (traduzir).

Todavia, essa aparente seqüência lógica não implica a rigidez de uma ordem ou a fragmentação de passos. Ora, se conceituar é organizar redes de significado, para conceituar precisamos comparar, inferir, deduzir, enfim, usar os elementos presentes tanto no processo de investigação como no de raciocínio. Antes essa seqüência só poderia nos auxiliar na compreensão que o esforço educativo no sentido de desenvolver as habilidades cognitivas não se limita ao treino de capacidades do pensar, mas ao esforço de pensar o processo de investigação e produção do conhecimento. O treino da habilidade de observar , necessária ao processo de investigação, não faz de ninguém um investigador, assim como o treino de chutes no gol, não é capaz de garantir a competência para jogar futebol.

Habilidades Cognitivas

Investigação: é uma prática autocorretiva com o objetivo de descobrir ou inventar maneiras de lidar com aquilo que é problemático. Os produtos da investigação são os julgamentos.

Raciocínio: é o processo de ordenar e coordenar aquilo que foi descoberto pela investigação. Implica descobrir maneiras válidas de ampliar e organizar o que foi descoberto ou inventado enquanto é mantido como verdade.

Formação de Conceitos - implica na organização de informações relacionais, sua análise e esclarecimento para facilitar a utilização na compreensão e compreensão e no julgamento

Tradução – implica na transmissão de significados de uma língua ou esquema simbólico, ou modalidade de sentido para outra, mantendo-os intactos. O raciocínio preserva a verdade e a tradução o significado

 
Referência Bibliográfica
 
LIPMAN, Matthew. O pensar na educação. Editora Vozes, 1995, RJ.   

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22 COMENTÁRIOS

1 maria raimunda pereira - tarauacá acre
amei esse artigo através do mesmo pude ampliar novos aprendizados vc é 100000.................
02/02/2013 14:41:04


2 nilson - brasilia
Ainda bem que é possível encontrar bons artigos sobre Filosofia para Crianças. E por falar em bebes e fraudas, quando vamos ter uma dalvinha?
20/06/2011 14:06:29


3 nilson - brasilia
Olá Dalva, que bom que ainda é possível encontrar bons artigos sobre Filosofia para Crianças. E por falar em bebes e fraudas, quando vai aparecer uma dalvinha?
20/06/2011 14:03:48


4 Mari Fraga - Sorocaba
Parabéns Dalva, seu artigo é muito esclarecedor....acabei de usálo num trabalho do MBA......adorei....
07/07/2010 09:54:44


5 MARGARETI CLARO - palmares do sul rs
ADOREIIIIIIIIIIII,POIS PRECISO FAZER UM TRABALHO EDUCAR PARA O PENSAR E ESTE ARTIGO FOI ÓTUMO TEM TUDO QUE PRECISO..PARABÉNS..
28/05/2010 23:35:16


6 diva - santa catarina
amei o seu artigo é ótimo parabéns
17/04/2010 21:45:56


7 clovis ferreira lima - paulista pe
Acredito que a prática do pensar é imprescindível para que possamos ter alunos que saibam ser críticos e participativos, analíticos e que intervenham em sua realidade,porém uma dúvida me persegue: como contruir uma metodologia de trabalho investigativo, se os nossos próprios colegas de profissão, entendem que ensinar é apenas transmitir conhecimentos e avaliação é só verificar se o aluno respondeu certo ou errado a alguma propopsição. Realmente vivemos ainda ensinando nossos alunos como se estivéssemos no século XIX!!!!!! Gostaria que artigos como este fossem mais divulgados e que os professores pensassem, também, mais a sua prática, e não se fechassem no seu mundo, quando estão em sala de aula ou em sua correria do diaadia.
24/12/2009 10:24:41


8 Cristina Zaragoza - Caçapava
Muito obrigada pelo artigo professora Dalva, excelente para nós professores, pensarmos mais a educação e a escola, e principalmente as crianças. A complexidade do ato de pensar vai muito além do que nossas indagações sobre os alunos, como foi bem colocado no início do artigo, pensar no nível de investigar, relacionar, penso que exige vivências, por isso é um grande desafio para o educador e a escola. Abraço.
28/11/2009 09:00:50


9 Francisco Eurico Ribeiro - ItaquiraiMS
Professora Dalva, o seu feliz artigo, é um convite de caráter especial, que nos alertaEducadores para uma prática real do nosso falar. Nos convida a refletir sobre uma vivência de sala relacionada com o contexto do educando. Nos chama a viver e fazer uma Educação, com uma concepção crítica .
27/11/2009 09:25:55


10 rosenei witthoft - indaial
adorei este seu artigo pois meu trabalho é sobre EDUCAR PARA O PENSAR e me ajudou muito .bjoca
02/11/2009 21:09:17


11 Aguinaldo - Sao Paulo
Magnífico, gostei muito , a troca de informaçoes e conhecimento é de extrema importancia para aqueles que relamente querem fazer a dieferença na educacao.
23/09/2009 20:59:34


12 angelina - LENÇÓIS PAULISTA SP
Fantastico esse artigo, vou até imprimilo. E preciso estar com ele em mãos. grata
30/05/2009 18:57:19


13 VALQUIRIA DA CONCEIÇÃO RODRIGUES - LENÇÓIS PAULISTA
ACREDITO QUE SEJA POSSÍVEL MOSTRAR OS CAMINHOS POSSÍVEIS PARA QUE OS ALUNOS PENSEM MELHOR , EM DETERMINADAS SITUAÇÕES OU PENSAR MELHOR PARA TOMAR UMA DECISÃO ACERTADA. PENSAR NO SENTIDO DE PREVER A CONSEQUÊNCIA DE DETERMINADAS ATITUDES, ISTO É , PÔR EM PRÁTICA O QUE SE PENSOU.
21/05/2009 14:20:28


14 Irma Alves Gomes - Praia Grande
eu adorei este artigo,pois é bem completo e muito gostoso de ler parabéns
28/03/2009 18:50:17


15 Maria Lucia - Itapevi
Gostei muito de seu artigo. Parabéns. Um grande abraço.
25/10/2008 19:13:42


16 Claucia - Nova Iguaçu RJ
Muito bom o artigo da Profª Dalva Aparecida. Me faz rever a idéia que temos sobre o pensar de nossos alunos, principalmente àqueles que supomos não atingirem sozinhos as metas do nosso trabalho docente, quando na verdade suas habilidades nem foram de fato investigadas por nós.
12/09/2008 11:39:54


17 JOÃO CESÁRIO JUNIOR - CURRAIS NOVOS - RN
Parabéns pelo artigo,gostaria de receber artigos como esse, para melhor pensar a nossa prática. Grato.
02/05/2008 19:00:06


18 Lucia - BH
Muito bom o artigo. gostaria de poder receber artigos deste nível, esclarecedor e com exemplos para ilustrar e assim ser compreendido. Grata.
26/11/2007 13:09:47


19 everi apple - pederneiras
ótimo artigo!!!
14/08/2007 11:19:34


20 Everson Belous - Santa Maria - RS
Parabéns pelo artigo! De forma simples vc esclarece as habilidades a serem alcançadas durante o trabalho de investigação.
03/08/2007 19:43:51


21 Rosangela Ramires - Bragança Paulista -SP
Gostei de mais de seu artigo, pena que nem todos os profissionais da educação parem para "pensar" sobre a importância que ele exerce para com outro. Parabéns .
26/07/2007 23:19:28


22 osmarina - Barra do Corda
gostei d+ do artigo "o pensar" parabéns vc é 10, 100,1000.................................!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
24/07/2007 23:55:27


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