Matemática
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva Sou um professor de Economia, cego, aventureiro acompanhado por dois fiéis escudeiros, ambos com quatro locomotores, um com patas, outro com cascos. Já me considero do tempo dos computadores, mas, enquanto estudante, usava muito o Braille e, principalmente, a boa-vontade dos amigos. Hoje, sem ver, ensino a quem vê e a quem não enxerga também.

Cubaritmo - 20/04/2007
Coluna Matemática

'

Um dos problemas mais básicos para ensinar-se aritmética às crianças cegas de nascença é como fazer contas. É que não se podem desenhar maçãs para elas. Em outras palavras, a abstração das crianças que enxergam vem visualmente dos artifícios de contar laranjas, maçãs e tudo o que se vê de gravuras nos livros de aritmética. Para uma criança cega de nascença, é preciso que se ponham maçãs, laranjas ou bolas-de-gude em suas mãos e que se façam operações a partir daí.

Um brinquedo excelente para isso costumava ser o dominó, pois tinha rebaixos correspondentes aos números que representavam. De uns tempos para cá, os dominós passaram a ter sete rebaixos, pintando-se somente os que representam o valor de cada peça, resolvendo o visual com um molde só mas alijando a criança cega de brincar, na maior negação do que se pode considerar com desenho universal ou mesmo de inclusão social.

Depois de se ensinarem os números, especialmente os algarismos em Braille, costuma-se passar ao cubaritmo. Antes de explicar como ele funciona, é preciso que se entenda o Braille, que passo a explicar da forma mais simples e menos visual possível. Trata-se de um código baseado em seis pontos dispostos em duas colunas de três.

A coluna da esquerda, de cima para baixo, é numerada de 1 a 3, enquanto a da direita é composta dos pontos de 4 a 6. As letras de A a J ocupam os quatro pontos superiores, ou sejam 1, 2, 4, 5. De K a T são as mesmas combinações, acrescentando-se o ponto 3. De U em diante, exceto o W, são as mesmas combinações usadas para de A a J, acrescentando-se os pontos 3 e 6.

Como não se trata de um texto dobre Braille, importa saber que os algarismos são as mesmas combinações de A a J, sendo J o 0. A tabela a seguir apresenta-os:

Algarismo

Código

1

1

2

1,2

3

1,3

4

1,4,5

5

1,5

6

1,2,6

7

1,2,4,5

8

1,2,5

9

2,5

0

2,4,5

Se fizermos um cubo em que, numa face tenhamos somente um ponto num canto, virando-o, podemos representar 1 ou ",". Na segunda face, poremos dois pontos alinhados, que podem formar o 2 e o 3. Na terceira, poremos três pontos próximos de três dos quatro vértices, que permitirão formar o 4, o 6, o 8 e o 0, dependendo da posição. Na quarta face, poremos dois pontos na diagonal, permitindo representar o 5 ou o 9. Na quinta face, poremos quatro pontos correspondentes aos quatro vértices, equivalendo ao 7 e, finalmente, na sexta face, deixa-se um traço contínuo para formar sei lá o que. Resumindo, o cubo é capaz de formar qualquer algarismo, o que pode parecer genial. Teoricamente é.

O cubaritmo é uma caixa com uma grade quadriculada em cima, uma chapa corrediça no meio, rente à grade, e uma gaveta no fundo. Esta gaveta está cheia de cubos como os que descrevi. Para fazer uma conta, fecha-se a chapa e abre-se a gaveta, retirando-se os cubos que se colocam nos orifícios da grade, formando os números exatamente como se faz em uma conta visual.

Calcula-se mentalmente o resultado, da direita para a esquerda, escrevendo-se o resultado na linha seguinte, sem tirar nem pôr, como quem enxerga faria à tinta no papel. Para desmanchar a conta, basta fechar a gaveta e correr a chapa, tal que os cubos caiam novamente ali dentro.

O que, à primeira vista, parece uma solução espetacular, é um tormento para a criança cega porque o raciocínio de quem não vê não tem nada a ver com o de quem enxerga. É uma tentativa de obrigar um tipo de abstração que não tem correspondente no imaginário de um cego. Além disso, é de extrema lentidão, o que faz com que as provas tenham de ser feitas em sala separada e em tempo muito maior que o dos demais alunos, ajudando a excluir a criança do convívio dos companheiros. Em sala separada porque é preciso concentração perfeita e muito lenta porque a criança precisa transcrever para o papel tudo o que fez, dobrando o trabalho.

Avaliação deste Artigo: 3 estrelas
COMPARTILHE

DeliciusDelicius     DiggDigg     FacebookFacebook     GoogleGoogle     LinkedInLinkedIn     MySpaceMySpace     TwitterTwitter     Windows LiveWindows Live

AVALIE O ARTIGO





INDIQUE ESTE ARTIGO PARA UM AMIGO










12 COMENTÁRIOS

1 André Luis Baldo - Pato Branco Paraná
Um erro no artigo foi quanto ao número 6, que é: 1, 2 e 4, não 1, 2 e 6, que fazem o ê. De resto, é interessante se ter a descrição do material para cegos/pessoas com baixa visão!
02/06/2014 13:26:48


2 josé carlos - campos de cunha,cunha sp
tenho um filha cega que esta no primeiro ano ,tem 7 anos e necessita com muita urgencia de um cubaritimo, onde posso encontrar, sabem o preço, alguem pode doar. moramos num lugar muito distante e desprovido de recursos para dv. grato. aguardo resposta. josé carlos
14/08/2010 00:02:43


3 Maria edinalva dos santos - sertaneja
Adorei seu trabalho.Gostaria de saber onde encontrar o cubaritmo,pois trabalho com uma aluna que necessita do material
15/06/2010 10:12:35


4 Erika -
odorei a matéria, gostaria de saber qto custa em média o cubaritímo. obrigado
26/08/2009 22:30:17


5 Ildema - Aracaju
Prof. Luis, eu não entendi. Você aprova o cubarítimo ou não?
04/06/2009 00:21:37


6 kelle - maceio
fiquei encantada com seu trabalho. estou concluindo a especialização em educação especial e me interesso bastante por artigos que falam sobre inclusão. um grande abraço .
08/04/2009 20:07:49


7 maria aparecida - BELO HORIZONTE
gostaria de saber onde posso adquirir o cubaritimo para o meu filho. otima reportagem
09/02/2009 15:01:39


8 Hellen Cristina Machado - Campinas
Minha filha é deficiente visual e necessita urgentemente do Cubaritimo para poder aprender fazer contas .Ela esta na 2 série do primeiro grau.Se vocês tiverem para vender ou souber de alguém que venda , por favor entre em contato.Grata.
20/08/2008 20:30:47


9 Maria Angela Gonçalves Ferreira - Divinópolis-MG
Super interessante!Sou supervisora pedagógica e vou divulgar onde trabalho o site para que todos que tiverem interese conheçam melhor seu maravilhoso trabalho,pois costuma-se dizer que para se trabalhar inclusão social na escola precisamos ter primeiro infra-estrutura, mas na verdade o que realmente conta é a VONTADE.Adorei!
18/11/2007 21:41:36


10 Rita - Maceió
Que maravilhos artigo, Luiz. Muito esclarecedor. Você... sempre surpreendendo. Um abraço.
30/10/2007 18:13:30


11 Marcio Pimenta - Patos de minas
Luiz, vc é um exemplo de vida, que me inspirou minha vida profissional
19/10/2007 00:14:23


12 Eni D´Carvalho - Belo Horizonte
Parabéns professor!!! maravilhoso seu trabalho.Desenvolvo trabalho de Inclusão Social. Pinto para os cegos. Estarei divulgando seu trabalho e espero conhecê-lo.Veja na Web Eni D Carvalho e veja no you tube Eni DCarvalho abraços fraternura Eni D´CArvalho
03/08/2007 07:18:43


ENVIE SEU COMENTÁRIO

Preencha todos os dados abaixo e clique em Enviar comentário.



(seu e-mail não será divulgado)


Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.