Cinema na Educação
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Mar Adentro - 18/11/2005
Lições sobre a vida e a morte

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Quero morrer. Não sei mais o que estou fazendo por aqui. Não vejo sentido em continuar uma existência em que sou apenas um mero observador dos acontecimentos e vidas que me cercam. Dou um grito de angustia expressando esse desejo de fechar os olhos e não recebo a atenção das pessoas. Sou execrado por expressar o que penso e o que gostaria que acontecesse comigo. O que posso fazer para que as pessoas me compreendam?

Ramón Sanpedro (Jávier Bardem, em inesquecível atuação) é um homem que tem como perspectiva de vida a imobilidade e a falta de sensibilidade física daqueles que são tetraplégicos. Homem saudável, que dentro de sua juventude escolhera trilhar os caminhos do mundo, ansioso por novas experiências e sequioso de aventuras, foi derrotado em suas pretensões por um autêntico salto em direção a escuridão.

Ferido em seu corpo, mais dolorido ainda em sua alma, esse espanhol acabou por travar uma intensa batalha judicial para que pudesse se dar o direito de morrer. Oriundo de um país de fortes tradições católicas, poucas eram as pessoas que pareciam entender e respeitar a sua opção. Nem mesmo aquele que escreve essas linhas, também proveniente de uma educação ocidental e cristã entenderia em circunstâncias normais uma jornada como a de Ramón...

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Só se entende um pedido como esse se pudermos compreender as privações as quais passou a ser submetido um homem com a cabeça e a sensibilidade espiritual e emocional de Ramón. Não que outras pessoas que, como ele, tenham sido privadas do movimento, não possam contrariar as prerrogativas de Ramón e comprovar que viver é a melhor das alternativas disponíveis em qualquer situação.

Também não quero dizer com essas palavras que somente Ramón possuísse essa sensibilidade. Pelo contrário, há outras pessoas que, como o protagonista desse belo filme do diretor Alejandro Amenábar (baseado numa história verídica), talvez tenham a mesma intenção de erguer a voz, optar por caminhos tortuosos e incompreendidos como os de Ramón.

A impossibilidade física não representa o fim. Pelo contrário, pode ser o início de uma vida de grandiosas realizações e conquistas. Há exemplos notáveis como os de Christopher Reeve e Stephen Hawking a dar mais que motivação aos portadores de necessidades especiais.

Por outro lado não podemos deixar de dar a oportunidade de expressão das diferentes opiniões e mesmo, das diferentes opções, sejam elas para a vida ou para a morte, em casos como o de Ramón Sanpedro, mesmo que para isso tenhamos que confrontar nossos próprios valores, leis e filosofias de vida...

O Filme

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Quanto tempo demora um mergulho? Alguns segundos, quem sabe até um ou dois minutos para aqueles que têm fôlego de sobra. Ao entrar de cabeça naquela réstia de praia e não considerar o movimento da maré a esvaziar seu local de mergulho o jovem Ramón Sanpedro (Javier Bardem) deu um salto que o levou a ficar submerso por mais de duas décadas...

Todo o vigor de seus vinte e poucos anos ficaram para trás. As viagens que o levaram para as mais diversas e interessantes partes do mundo também se tornaram apenas lembranças em fotografias esmaecidas com o tempo. Os amores da juventude tiveram que ser abandonados e afastados de si. E o que restou depois de tudo isso?

Muita coisa ainda permaneceu:- Sua lucidez que lhe permitiu escrever belas e longas cartas relatando essa sua estadia num triste inferno na Terra; A família a lhe apoiar e dedicar carinho; os amigos que não o abandonaram e persistiram nas visitas e conversas ao redor da cama como antes o faziam na praia ou praça da cidade.

Ainda assim parecia a Ramon que a vida tinha perdido o sabor. Ao pesar em sua racionalidade os ganhos e perdas, ele construiu um pensamento que lhe indicava a morte como o único caminho a ser percorrido na busca do fim de sua agonia. Esbarrava na própria incapacidade de ministrar-se a dose fatal que cessaria seus batimentos e pararia definitivamente o seu cérebro.

Para tanto precisava de alguém que lhe mostrasse tal apreço que poderia até mesmo dar-lhe a droga que o mataria. Quem poderia fazer isso? Alguém aceitaria isso num país como a Espanha, de fortes tradições cristãs?

Pior do que isso foi perceber que a justiça não estava disposta a lhe dar o direito de morrer. Para realizar seu intento Ramón teria que ir aos tribunais ou confrontar a lei, burlando-a em benefício de seu desejo fatal...

Mar Adentro é mais uma grande contribuição espanhola para a construção de um cinema qualificado, sério, de grandes temas e de intensa sensibilidade. É autêntica pérola que descobrimos no mais profundo dos oceanos e que, literalmente, nos faz mergulhar nas dores e dissabores de Ramón Sanpedro sem que, com isso, deixemos de perceber toda a humanidade, força e bom humor desse notável personagem. Imperdível!

Aos Professores

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1- Reclamamos constantemente de muitas e muitas coisas. Poucas são as vezes que nos dedicamos a elogiar ou valorizar nossas próprias iniciativas ou as de outras pessoas. Não saboreamos intensamente tudo aquilo que temos por estarmos vivos e presentes nessa Terra. Erramos ao não prezar nossos amigos, amores e oportunidades de trabalho, lazer e espiritualidade. Sentimos mais as dores do que os prazeres, falamos mais dos sofrimentos do que da felicidade. Precisamos reverter esse quadro e estimar muito mais tudo aquilo que temos e que somos. Viva a vida!

2- Como são as leis brasileiras quanto à questão central do filme Mar Adentro? De que forma a religião em nosso país se posicionaria em relação a uma pessoa que se posicionasse como Ramón Sanpedro? Quais são as interpretações sobre a morte em outras religiões? O que é a vida? O que é a Morte? Que tal iniciar discussões filosóficas com seus alunos sobre essa temática e aprofundar a pesquisa com consultas aos pais, a outros professores ou levantamentos de informações na Internet e na biblioteca mais próxima?

3- Que tal fazer pesquisas acerca das deficiências físicas e propor a escola e aos alunos a realização de trabalhos voluntários em instituições que dêem atendimento a pessoas com necessidades especiais?

4- Proponha aos estudantes a realização de uma mostra de filmes na escola que tenham como temática central a questão das necessidades especiais. Para isso sugira títulos como Mar Adentro, Rain Man, Meu Pé Esquerdo, Uma Lição de Amor ou Filhos do Silêncio. Além disso peçam a especialistas que trabalham na área que participem da mostra e que falem sobre seu trabalho com deficientes para motivar debates e mobilizar a sociedade em relação aos portadores de necessidades especiais. Seria um trabalho fantástico e importantíssimo!

Ficha Técnica

Mar Adentro

Título Original: Mar Adentro
País/Ano de produção: Espanha, 2004
Duração/Gênero: 125 min., Drama
Direção de Alejandro Amenábar
Roteiro de Alejandro Amenábar e Mateo Gil
Elenco: Javier Bardem, Belén Rueda, Lola Dueñas, Mabel Rivera,
Celso Bugallos, Clara Segura, Joan Dalmau, Alberto Jimenez,
Tamar Novas, Francesco Garrido.

Links

http://www.adorocinema.com.br/filmes/mar-adentro/mar-adentro.asp

http://www.cinemaemcena.com.br/Ficha_filme.aspx?id_critica=6478&id_filme=3976&aba=critica

http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=9956

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1 COMENTÁRIOS

1 SHIRLEY ADRIANA DE SOUSA SILVA - São Paulo
A tecnologia a serviço da educação Orientados pela professora de Biologia, as turmas do 2º. EM romperam os limites da sala de aula e envolveram-se no tema da eutanásia, abordado no Filme Mar adentro. Sob a perspectiva da Língua Espanhola, as mesmas turmas fizeram um estudo dirigido da película e abordaram o uso de, bem como, a predominância dos pretéritos presentes no filme. As diferentes abordagens tiveram como objetivo comum o desenvolvimento da autonomia atrelada à tecnologia, por meio de uma relação crítico-produtiva-participativa do aluno, na qual ele tornou-se produtor de seu conhecimento. Essa disposição interativa permitiu ao aluno ser ator e autor e fez da sala de aula não o espaço da emissão, mas da participação. A experiência descrita acima demonstra como a tecnologia pode estar a serviço da educação e reporta-nos à escola do futuro tão sonhada por Antonio Carlos Gomes da Costa, pedagogo, oficial de projetos ligados à Unicef e participante do grupo de redação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente): "Qual seria, então, a escola do futuro?", passei a indagar-me. Em minha visão, seria uma escola inteiramente renovada em conteúdo, método e gestão. Uma escola e três revoluções. A revolução de conteúdo responderia por profundas mudanças no que se ensina e no que se aprende. A revolução de método reinventaria inteiramente o como aprender e ensinar. E, finalmente, a revolução de gestão subverteria o uso do espaço, do tempo, das relações entre as pessoas e do uso dos recursos físicos, técnicos e materiais disponíveis. Em termos de conteúdo, essa escola, muito mais do que interdisciplinar, seria interdimensional. As diversas dimensões co-constitutivas do ser humano: o logos (razão), o pathos (sentimento), o eros (corporeidade) e o mythos (espiritualidade) nela seriam trabalhados de forma equilibrada e harmônica. O esporte, as artes e o ensino religioso teriam peso idêntico ao das ciências, das línguas e da matemática. No que diz respeito ao método, essa escola praticaria, no dia-a-dia, uma nova visão de homem, de mundo e de conhecimento. Uma visão de homem capaz de fazer do educando não um mero receptáculo, mas uma fonte de iniciativa, compromisso e liberdade. Uma visão de mundo que o impulsionasse a relacionar-se com a família, com a comunidade, com a cidade e, virtualmente, com o país e com o mundo. Em termos de conhecimento, teríamos uma escola em que todos estariam voltados a aprender o aprender (autodidatismo), ensinar o ensinar (didatismo) e conhecer o conhecer (construção de conhecimentos). Porém, a maior das revoluções dessa escola do futuro se daria em termos de gestão. Sua marca registrada: uma ruptura total com a sala de aula (como espaço) e a turma (como escala). O novo espaço, um grande salão sem paredes internas com mesas redondas de doze lugares. Onze para os alunos (um time) e um para o docente (um técnico). O time, e não a turma, seria a unidade básica da organização escolar. Os alunos, em vez de livros didáticos predeterminados, teriam em mãos guias de aprendizagem e recorreriam a terminais de computador, bibliotecas, videotecas e hemerotecas para percorrer com êxito o itinerário formativo traçado no guia de aprendizagem. Os professores/consultores orientariam e apoiariam, acompanhando o trabalho do grupo e introduzindo os ajustes necessários ao alcance pleno dos objetivos. Nessa escola, os jovens seriam protagonistas, mas o protagonismo não se limitaria a eles. Eles estariam cercados de professores, pais, gestores escolares e lideranças comunitárias, cada um assumindo seu próprio papel de ator protagônico nessa escola, que participa da vida da comunidade, e dessa comunidade, que participa da vida da escola.
10/07/2007 11:52:26


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