Cinema na Educação
Mar Adentro
Lições sobre a vida e a morte
Quero morrer. Não sei mais o que estou fazendo por aqui. Não vejo sentido em continuar uma existência em que sou apenas um mero observador dos acontecimentos e vidas que me cercam. Dou um grito de angustia expressando esse desejo de fechar os olhos e não recebo a atenção das pessoas. Sou execrado por expressar o que penso e o que gostaria que acontecesse comigo. O que posso fazer para que as pessoas me compreendam?
Ramón Sanpedro (Jávier Bardem, em inesquecível atuação) é um homem que tem como perspectiva de vida a imobilidade e a falta de sensibilidade física daqueles que são tetraplégicos. Homem saudável, que dentro de sua juventude escolhera trilhar os caminhos do mundo, ansioso por novas experiências e sequioso de aventuras, foi derrotado em suas pretensões por um autêntico salto em direção a escuridão.
Ferido em seu corpo, mais dolorido ainda em sua alma, esse espanhol acabou por travar uma intensa batalha judicial para que pudesse se dar o direito de morrer. Oriundo de um país de fortes tradições católicas, poucas eram as pessoas que pareciam entender e respeitar a sua opção. Nem mesmo aquele que escreve essas linhas, também proveniente de uma educação ocidental e cristã entenderia em circunstâncias normais uma jornada como a de Ramón...
Só se entende um pedido como esse se pudermos compreender as privações as quais passou a ser submetido um homem com a cabeça e a sensibilidade espiritual e emocional de Ramón. Não que outras pessoas que, como ele, tenham sido privadas do movimento, não possam contrariar as prerrogativas de Ramón e comprovar que viver é a melhor das alternativas disponíveis em qualquer situação.
Também não quero dizer com essas palavras que somente Ramón possuísse essa sensibilidade. Pelo contrário, há outras pessoas que, como o protagonista desse belo filme do diretor Alejandro Amenábar (baseado numa história verídica), talvez tenham a mesma intenção de erguer a voz, optar por caminhos tortuosos e incompreendidos como os de Ramón.
A impossibilidade física não representa o fim. Pelo contrário, pode ser o início de uma vida de grandiosas realizações e conquistas. Há exemplos notáveis como os de Christopher Reeve e Stephen Hawking a dar mais que motivação aos portadores de necessidades especiais.
Por outro lado não podemos deixar de dar a oportunidade de expressão das diferentes opiniões e mesmo, das diferentes opções, sejam elas para a vida ou para a morte, em casos como o de Ramón Sanpedro, mesmo que para isso tenhamos que confrontar nossos próprios valores, leis e filosofias de vida...
O Filme
Quanto tempo demora um mergulho? Alguns segundos, quem sabe até um ou dois minutos para aqueles que têm fôlego de sobra. Ao entrar de cabeça naquela réstia de praia e não considerar o movimento da maré a esvaziar seu local de mergulho o jovem Ramón Sanpedro (Javier Bardem) deu um salto que o levou a ficar submerso por mais de duas décadas...
Todo o vigor de seus vinte e poucos anos ficaram para trás. As viagens que o levaram para as mais diversas e interessantes partes do mundo também se tornaram apenas lembranças em fotografias esmaecidas com o tempo. Os amores da juventude tiveram que ser abandonados e afastados de si. E o que restou depois de tudo isso?
Muita coisa ainda permaneceu:- Sua lucidez que lhe permitiu escrever belas e longas cartas relatando essa sua estadia num triste inferno na Terra; A família a lhe apoiar e dedicar carinho; os amigos que não o abandonaram e persistiram nas visitas e conversas ao redor da cama como antes o faziam na praia ou praça da cidade.
Ainda assim parecia a Ramon que a vida tinha perdido o sabor. Ao pesar em sua racionalidade os ganhos e perdas, ele construiu um pensamento que lhe indicava a morte como o único caminho a ser percorrido na busca do fim de sua agonia. Esbarrava na própria incapacidade de ministrar-se a dose fatal que cessaria seus batimentos e pararia definitivamente o seu cérebro.
Para tanto precisava de alguém que lhe mostrasse tal apreço que poderia até mesmo dar-lhe a droga que o mataria. Quem poderia fazer isso? Alguém aceitaria isso num país como a Espanha, de fortes tradições cristãs?
Pior do que isso foi perceber que a justiça não estava disposta a lhe dar o direito de morrer. Para realizar seu intento Ramón teria que ir aos tribunais ou confrontar a lei, burlando-a em benefício de seu desejo fatal...
Mar Adentro é mais uma grande contribuição espanhola para a construção de um cinema qualificado, sério, de grandes temas e de intensa sensibilidade. É autêntica pérola que descobrimos no mais profundo dos oceanos e que, literalmente, nos faz mergulhar nas dores e dissabores de Ramón Sanpedro sem que, com isso, deixemos de perceber toda a humanidade, força e bom humor desse notável personagem. Imperdível!
Aos Professores
1- Reclamamos constantemente de muitas e muitas coisas. Poucas são as vezes que nos dedicamos a elogiar ou valorizar nossas próprias iniciativas ou as de outras pessoas. Não saboreamos intensamente tudo aquilo que temos por estarmos vivos e presentes nessa Terra. Erramos ao não prezar nossos amigos, amores e oportunidades de trabalho, lazer e espiritualidade. Sentimos mais as dores do que os prazeres, falamos mais dos sofrimentos do que da felicidade. Precisamos reverter esse quadro e estimar muito mais tudo aquilo que temos e que somos. Viva a vida!
2- Como são as leis brasileiras quanto à questão central do filme Mar Adentro? De que forma a religião em nosso país se posicionaria em relação a uma pessoa que se posicionasse como Ramón Sanpedro? Quais são as interpretações sobre a morte em outras religiões? O que é a vida? O que é a Morte? Que tal iniciar discussões filosóficas com seus alunos sobre essa temática e aprofundar a pesquisa com consultas aos pais, a outros professores ou levantamentos de informações na Internet e na biblioteca mais próxima?
3- Que tal fazer pesquisas acerca das deficiências físicas e propor a escola e aos alunos a realização de trabalhos voluntários em instituições que dêem atendimento a pessoas com necessidades especiais?
4- Proponha aos estudantes a realização de uma mostra de filmes na escola que tenham como temática central a questão das necessidades especiais. Para isso sugira títulos como Mar Adentro, Rain Man, Meu Pé Esquerdo, Uma Lição de Amor ou Filhos do Silêncio. Além disso peçam a especialistas que trabalham na área que participem da mostra e que falem sobre seu trabalho com deficientes para motivar debates e mobilizar a sociedade em relação aos portadores de necessidades especiais. Seria um trabalho fantástico e importantíssimo!
Ficha Técnica
Mar Adentro
Título Original: Mar Adentro
País/Ano de produção: Espanha, 2004
Duração/Gênero: 125 min., Drama
Direção de Alejandro Amenábar
Roteiro de Alejandro Amenábar e Mateo Gil
Elenco: Javier Bardem, Belén Rueda, Lola Dueñas, Mabel Rivera,
Celso Bugallos, Clara Segura, Joan Dalmau, Alberto Jimenez,
Tamar Novas, Francesco Garrido.
Links
http://www.adorocinema.com.br/filmes/mar-adentro/mar-adentro.asp
http://www.cinemaemcena.com.br/Ficha_filme.aspx?id_critica=6478&id_filme=3976&aba=critica