Os Sofistas: falsos mestres? - 09/01/2018
João Luís de Almeida Machado
O termo sofista significa "sábio" e, para muitos estudiosos não representa uma escola filosófica, mas, sim, uma prática de caráter filosófico ou didático. Tais pensadores ou educadores viveram na Antiguidade, entre os séculos V e IV a.C., na Grécia Clássica, em Atenas e outras cidades-estado daquela região da Europa. Os principais sofistas foram: Protágoras, Górgias, Hípias, Isócrates, Licofron, Pródicos e Trasímaco.
Os sofistas eram mestres da retórica e da oratória. Ensinavam tais artes para quem estivesse interessado em conhecer e aprender tais saberes e que, além disso, se dispusessem a pagar por suas aulas. O fato de cobrarem por seus ensinamentos fez com que fossem considerados falsos mestres por grandes sábios da época, em especial por Sócrates, Platão e Aristóteles. É preciso, no entanto, analisar sua trajetória e pensamento a partir de tudo o que fizeram e não apenas em se considerando partes de sua trajetória.
Tais pensadores acreditavam, por exemplo, que a verdade era múltipla, relativa e mutável. Será que este pensamento pode ser descartado de imediato e considerado incorreto? A leitura de mundo realizada pela humanidade não é algo que ocorre sob o prisma de suas relações e do tempo e espaço em que vivem? Ao assim pensar, naquele tempo longínquo, os sofistas estavam nos ensinando que cada indivíduo é único, capaz de pensar e compreender o mundo de modo singular, influenciado pelo meio em que vive, atado as amarras do tempo no qual realiza sua trajetória. É, certamente, algo a ser considerado e que lhes confere credibilidade quanto a sua forma original de pensar e se posicionar.
Como sabemos, ainda que a existência destes pensadores tenha sido marcada por suas andanças por diferentes cidades gregas nas quais, mediante pagamento, ensinavam a retórica e a oratória aos interessados, é igualmente importante perceber que os ensinamentos por eles trabalhados permitiam aos educandos a apropriação de instrumentos extremamente úteis para que se inserissem e participassem das discussões e da política vigente nas pólis gregas em que viviam, em especial em Atenas. As capacidades de argumentação e de exposição oral das ideias são perseguidas modernamente por praticamente todos os tipos de pessoas, nas mais diversas áreas de atuação profissional, sendo essenciais para quem pretende alçar voos altos em política, educação, negócios, comércio, relações exteriores, direito, artes... Quem é incapaz de defender suas ideias e de comunicar as mesmas para o mundo dificilmente progride de fato, ficando estanque e tendo pouca ou nenhuma chance de mobilidade social e profissional. Neste sentido, os ensinamentos dos mestres sofistas eram, certamente, muito importantes, não é mesmo?
Sócrates, Platão e Aristóteles reprovavam as práticas sofistas. Segundo Aristóteles a sofística era "a sabedoria aparente, mas não real" pois eles não buscavam a construção de argumentos verdadeiros, contentando-se em ensinar as pessoas a argumentar ainda que suas ideias fossem frágeis, desprovidas de fundamento, apenas com o intuito de obter triunfo em debates. Neste sentido é possível considerar falha a formação oferecida pelos sofistas. Porém, é preciso destacar que não era objetivo da formação por eles oferecida aos seus pupilos o ensino da filosofia, a busca pela verdade ou levar tais aprendentes a pensar com profundidade. Não era o que eles se comprometiam a entregar quando propunham suas aulas.
Isso significa que poderiam ir além daquilo que entregavam? Certamente que sim. A proposta não era essa talvez porque acreditassem que a verdade e a leitura de mundo são individuais e que não se devem impor ou imputar valores e pensamentos a outrem. Não eram eles que diziam, conforme já mencionamos neste texto, que a verdade era “múltipla, relativa e mutável”? É possível então que estivessem sendo apenas coerentes naquilo que se propunham a fazer enquanto educadores.
O fato de cobrarem por suas aulas, igualmente contestado pelos maiores filósofos gregos, antecipava a ação profissional dos educadores em muitos séculos. Não era hábito naquele período histórico o pagamento por aulas e ensinamentos oferecidos por professores, tutores ou pensadores, como os sofistas, Sócrates, Platão ou Aristóteles, mas podemos considerar, de certa forma, que eles estavam transgredindo os padrões vigentes e estabelecendo parâmetros para o futuro da educação, dentro de um viés de profissionalização desta realização humana.
Muito além daquilo que é foco de tensão entre os sofistas e os maiores filósofos gregos da história devem ser destacados, também, alguns dos principais temas debatidos pelos sofistas ao longo de sua existência, entre os quais:
1) A oposição entre a cultura e a natureza;
2) A existência dos deuses era colocada em dúvida por eles. Eles não seriam ateus, mas, sim, agnósticos. Para evitar problemas eles não se pronunciavam sobre o assunto. Afirmavam que os deuses, caso existissem, não teriam forma e pensamento humano.
3) A natureza da alma - Acreditavam que a alma era passiva e podia ser modelada por pensamentos exteriores, o que tentavam fazer por meio de seus dotes como oradores e mestres na retórica; segundo os sofistas é preciso saber se pronunciar bem, apresentar de forma contundente ideias, ainda que pouco se reflita ou se questionem tais pensamentos;
4) Não perdiam tempo com questões metafísicas, abstratas, concentrando-se em problemas ou situações imediatas;
5) Trabalhavam de forma contundente e incansável na busca pela habilidade de argumentar, ainda que sem fundamentação ou apresentando contradições, o importante era ser capaz de se expressar e defender ideias e propósitos próprios ou coletivos;
6) Antilógica - Trabalhavam com os estudantes a capacidade de argumentar contra e a favor em determinados temas. Modernamente isso é considerado válido pois permite o exame de diferentes pontos de vista. Esta ação foi rejeitada por Platão e Aristóteles pois, segundo eles, conduziria os aprendizes a mentira.
Em se considerando também tais pensamentos e contribuições é correto pensar que os sofistas alimentaram o debate filosófico, trouxeram proposições didáticas diferenciadas, se inseriram na questão da atuação profissional dos educadores e que, a despeito de não atuarem firmemente em prol da busca pela verdade ou do pensamento com argumentação sólida e profundidade, contribuíram de forma efetiva tanto para a filosofia quanto para a educação.
# Comênius, a didática magna e a educação de hoje
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