Filosofando
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Não há excelência se não há ética - 07/11/2017
João Luís de Almeida Machado

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excelência, ambiente de trabalho, ética

“Hoje em dia (...) também descobrimos que os jovens aceitam a necessidade de ética, mas não no início da carreira, pois acham que sem dar cotoveladas não irão triunfar. Enxergam a ética como o luxo de quem já alcançou o sucesso”. (Howard Gardner)

A afirmação do reconhecido e celebrado pesquisador, acadêmico, escritor e criador da teoria das Inteligências Múltiplas, Howard Gardner, divulgada em entrevista na qual aborda a ideia de que “uma pessoa ruim nunca será um bom profissional” é, acima de tudo, um alerta para a constatação científica, de que os jovens, mesmo reconhecendo a necessidade do ser e do agir eticamente, descartam a possibilidade de assim fazê-lo em seus anos iniciais no mercado de trabalho.

A constatação, no entanto, merece reflexões a posteriori se imaginarmos que, os primeiros passos na atuação profissional são definidores de atitudes, posturas, ideias e da própria imagem em construção do referido jovem a ingressar no mercado. Sendo assim, o quanto se torna possível, no futuro, deixar de “dar cotoveladas” para triunfar?

Se o jogador de futebol é instruído nas categorias de base que a vitória é o que interessa, custe o que custar, sendo treinado para “comer grama”, “entrar com tudo nas divididas” e agir de forma nada ética de acordo com as regras do jogo, quem garante que ele em algum momento seguinte de sua carreira irá melhorar tal comportamento?

Imagine um executivo recém-formado, atuando numa grande corporação ou no segmento público, instruído a agir em conformidade com práticas escusas, como o pagamento de propinas ou a criação de cartéis no segmento que atua, compactuando desde o início de sua atuação com tais ações... será ele capaz de se libertar e atuar de modo lícito a médio ou longo prazos?

Todos somos capazes, segundo grandes pensadores, de grandes atos assim como de ações desleais e ilegais, violentas e desonestas. “O homem é o lobo do próprio homem”, afirmou Thomas Hobbes. “Os fins justificam os meios”, destacou Nicolau Maquiavel em sua clássica obra “O Príncipe”, caracterizada por intenso realismo político.

A excelência é o alto padrão, representando aquilo que almejamos ser, ainda que para alguns isso seja inconsciente e para outros seja tão claro e cristalino quanto à luz do dia. Ao afirmar que pessoas ruins não são excelentes em sua atuação profissional, o neurocientista Howard Gardner está corretíssimo pois, por mais que tecnicamente estes indivíduos sejam inteligentes e hábeis como poucos, as relações que estabelecem com o mundo e com as pessoas com as quais trabalham, seus posicionamentos e valores, sua atuação adicional ao que realizam profissionalmente são igualmente fatores determinantes para que possam ser percebidos como sujeitos “além da curva”, realmente excepcionais como seres humanos e não apenas nos quesitos técnicos específicos de suas profissões e trabalho.

É notório que há pessoas ruins que, apesar disso, atingiram fortuna, chegaram ao almejado reconhecimento, têm algum poder sobre as pessoas, vivem de forma confortável contando com tudo o que lhes é possível de bom no tocante a vida material e que, aparentemente, não se importam com ética e elementos afins... Sempre teremos maus exemplos no mundo, sejam políticos, empresários, artistas, personalidades do esporte, advogados, médicos, professores ou em que área de atuação estiverem locados, a demonstrar que os maus caminhos levam ao sucesso... Estas pessoas, no entanto, não são excelentes, afirma Gardner, e novamente, ele tem razão, pois o que as torna reconhecidas e invejadas não são suas atitudes e postura perante a vida, de modo a atuar eticamente, mas a fortuna que amealharam e o luxo e poder do qual desfrutam. A variável para a excelência não é o dinheiro ou os cargos ocupados pelas pessoas, mas seu caráter, sua índole, o respeito e a idoneidade com que atuam, a coerência entre pensamento e ação numa vertente em que prevaleçam a cidadania, a ética, a solidariedade, a capacidade de empreender e gerar riqueza sem que, com isso, prejudiquem os outros, de foco somente em benefícios para si próprios.

A preocupação com os jovens, destacada na fala de Gardner é mais do que simplesmente uma constatação, trata-se de um alerta, para que os profissionais que estão entrando no mercado não se iludam com estes falsos exemplos de excelência associados a ideia de que para ter sucesso é preciso “ter sangue nos olhos” e passar por cima de tudo e todos, como um trator, agindo de forma antiética e ilícita, desumana e excessivamente agressiva, sem respeito e consideração por seus pares e colaboradores.

Infelizmente, por vezes, as pessoas se atém as piores qualidades de alguns vencedores notórios, que poderiam ter sido excelentes caso tivessem sido mais humanos, evitando, por exemplo, a utilização de seu status e posição para praticar atos de assédio moral, ofendendo e atacando seus subalternos de modo vil, humilhante e extremamente ofensivo.

Não há excelência em ações deste tipo. Quem humilha seus colegas e colaboradores é alguém ruim, como nos ensina Gardner, ainda que tecnicamente sejam muito habilidosos ou que demonstrem grande competência nos processos e que isso os tenha levado a resultados ótimos nos negócios em que estão envolvidos, se em algum momento estas pessoas ferem os direitos alheios, se valendo de suas posições na hierarquia empresarial, condições econômicas ou políticas, definitivamente estas pessoas não são o que elas imaginam ou o que é “vendido” para outros, ao seu redor.

O comportamento ético é uma prerrogativa básica para a conduta humana e é algo que deve ser ensinado desde o ensino infantil e fundamental, como norteador de ações futuras, a partir de atos mínimos do cotidiano, como manter limpos os ambientes em que vivem, respeitar a todos, agir de forma sustentável, ser solidário...

Os processos seletivos das empresas, na consideração dos candidatos as vagas deveriam, desde o início das ações de contratação, estipular que além do conhecimento técnico, o respeito no ambiente de trabalho e a ação ética são igualmente valores importantes para quem está contratando. Ilicitudes não serão aceitas assim como atos de assédio moral ou sexual. Isso deve ficar claro desde o primeiro momento em que as pessoas entram nas empresas, desde o processo seletivo até o último dia de trabalho naquele local e, infelizmente, nem sempre isso acontece...

Se assim procedermos, estaremos abrindo as portas para que melhores cidadãos e profissionais se estabeleçam e que, com isso, as empresas e a sociedade se tornem igualmente excelentes...



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