Educando para o mundo: Saindo das bolhas - 23/06/2017
João Luís de Almeida Machado
Nossas crianças e adolescentes, por conta das preocupações com segurança, vivem em bolhas. O mundo não lhes pertence de fato. Estão fechadas em nossas casas, condomínios, prédios. Frequentam escolas com grades, muros e portões altos. Andam de carro pelas ruas e as observam, quando o fazem, sempre mediados pelo vidro, num ambiente muitas vezes “climatizado” para que aquilo que não está ali dentro não lhes apeteça.
Isso me faz lembrar da história do príncipe Sidarta que, posteriormente seria mais conhecido como Buda. Fechado nos cômodos do palácio imperial do país governado por seu pai, o futuro herdeiro do poder naquele reino, desconhecia seu povo, sua realidade, as misérias e as alegrias do cotidiano. Isso muito o intrigava. Todos ao seu redor eram belos, saudáveis, se vestiam bem, alimentavam-se fartamente num ambiente hermético como aquele que hoje é produzido para as crianças e adolescentes das classes média e alta.
Faltava a ele conhecer o mundo, naquilo que tivesse de melhor e de pior. Quando o fez, libertou-se das amarras e ilusões dos ambientes confortáveis onde circulava e procurou o seu caminho.
Não há real integração para os brasileiros das diferentes classes sociais a não ser a partir de frestas através das quais se percebem e se encontram brevemente. Isso ocorre, no mundo real, quando a empregada doméstica, o balconista de origem humilde que trabalha numa loja, o motorista ou o cobrador do ônibus e outras pessoas, de origem mais simples, cruzam seus caminhos com alguém da classe média ou, ainda mais difícil, proveniente de famílias muito ricas.
Há, é evidente, um problema sério a ser sanado no Brasil no que se refere a distribuição de renda, com a evidente concentração de recursos na mão de poucos em detrimento da maioria. Uma sociedade mais justa e equilibrada, em que a dignidade das pessoas fosse respeitada ajudaria, e muito, no processo real de integração entre as pessoas.
Convivemos, também, com outras questões delicadas e sérias, relacionadas a diferentes tipos de preconceito, a se iniciar pela discriminação racial, mas que redundam igualmente em questões como religião, renda, sexo, preferências políticas, escolaridade e outros referenciais. Nada deveria existir entre nós que nos separasse ou diferenciasse. Racismo, sexismo, perseguições religiosas ou de qualquer natureza, são abomináveis e constituem, verdadeiramente, crime hediondo, que deveria ser fortemente combatido.
A questão, no entanto, que move este artigo se refere ao fato de que as diferenças socioeconômicas estão impondo barreiras que não permitem a plena visualização e compreensão do mundo e de sua diversidade. Lembrando sempre aquilo que repito tantas vezes, ou seja, nossa maior riqueza consiste na grande diversidade existente entre os homens. Ao mesmo tempo em que somos iguais, pertencentes a uma mesma espécie, a presença no mundo, de cada indivíduo, é única. Sendo assim é preciso que a todos sejam oferecidas oportunidades, respeito, dignidade, direitos e deveres sem favorecimentos ou benefícios por qualquer motivação.
Viver num mundo sem ter a oportunidade de efetivamente participar do mesmo é algo semelhante a assistir tudo pela televisão e jamais vivenciar na prática as ricas oportunidades presenciais que devemos ter em nossas existências.
Mediados por telas, grades, vidros de automóveis ou qualquer outro dispositivo que nos garanta a segurança e que, ao mesmo tempo, nos coloque em bolhas, não é o melhor jeito de se viver. Atualmente até mesmo entre os adultos estas distâncias estão sendo imputadas no cotidiano e, em assim sendo, vemos somente aquilo que nos é permitido, estando sempre distantes do que, segundo as convenções sociais, não nos pertence. Tudo isso, a título de segurança e integridade física...
Pode-se dizer que isso sempre existiu e que para a eternidade estará entre nós. Se ontem eram feudos, castas sociais ou mesmo a escravidão, todos sistemas arcaicos, discriminatórios e desumanos, hoje, em plena democracia, as barreiras continuam a existir, mesmo que façamos de conta que elas não estejam ao nosso redor.
Neste sentido, é preciso trabalhar em casa, na escola e onde mais for possível, a real integração entre os diferentes mundos que coexistem ao nosso redor.
As crianças e adolescentes precisam circular de forma mais regular por espaços públicos como praças, parques, jardins, ruas e adjacências. O uso de transporte coletivo, provido pelos municípios, deve ser estimulado. O intercâmbio entre escolas privadas e públicas, através de projetos de auxílio mútuo, deve ocorrer com o máximo de frequência. A visitação a museus, bibliotecas, teatros, cinemas e áreas de cultura deve acontecer de forma contígua, ou seja, sempre se coordenando tal tipo de ação para que a interação entre alunos e professores de diferentes redes de ensino, públicas e privadas, se encontrem e convivam intensamente. Festas e folguedos populares realizados pelo poder público com apoio da iniciativa privada poderiam disponibilizar preços de ingressos populares para que pessoas de diferentes origens viessem a conviver de modo mais corriqueiro.
O advento do ENEM e o ingresso de estudantes nas escolas públicas federais e estaduais, por exemplo, oportuniza para quem ingressa em tais instituições a possibilidade de convívio com pessoas provenientes de diferentes estados, culturas e com condição socioeconômica distinta. É uma contrapartida ou efeito colateral não percebido e analisado pelos especialistas com o devido cuidado. Há um evidente ganho para os estudantes neste convívio.
Por vezes, em universidades privadas criam-se as mesmas bolhas nas quais os jovens de classe média cresceram e, com isso, a ilusão de que o mundo é assim, ou seja, dentro de um modelo de privilégios, benefícios, comodidades e segurança no qual os outros, mais humildes, não tem acesso. O contato fica então restrito novamente ao mínimo, atrás de vidros, grades ou balcões que os separam e geram segregação.
Para todos há prejuízos evidentes. Conviver com as diferenças é uma das premissas básicas do mundo contemporâneo. Trabalhar pelo bem comum para que todos tenham acesso a uma vida digna também. As bolhas acabam por segregar e gerar entre as pessoas que ficaram apartadas pelas cercas e arames farpados a impressão de que quem está do outro lado não é confiável, pode ofender, machucar ou atentar contra seus direitos e liberdades. Criam-se verdadeiros guetos ou redomas e, com eles, semeia-se a discórdia.
É claro que há as questões de segurança pública. É evidente que as famílias se preocupam ao agir de tal forma, com a integridade de seus membros. É, da mesma forma, patente, que a separação somente aumenta a animosidade, acirra os ânimos, gera distanciamentos e discórdia e leva a segregação a se tornar violência social.
O processo de saída das bolhas artificialmente erguidas não é fácil. Exige que a sociedade seja preparada para isso tanto no que se refere a infraestrutura, com mais segurança, melhores serviços de transporte público, educação de qualidade e outros fatores, como também culturalmente para o grande desafio da real integração.
Andar pelas ruas. Usar ônibus e metrô. Passear por parques públicos com a família sem medo do outro e, sim, percebendo a riqueza da diversidade. Promover o encontro entre as escolas públicas e privadas. Estas ações constituem o que podemos chamar de educação para o mundo. Por vezes as famílias de classe média ou alta no Brasil mandam seus filhos para intercâmbio no exterior. Querem que aprendam a língua e a cultura de outros povos. Iniciativa de grande valor e alto custo. Precisamos também mobilizar as famílias e as escolas, além de outras instituições, como os governos, a promover ações reais de intercâmbio dentro de nosso próprio país, integrando e aproximando os brasileiros de todas as regiões, etnias, culturas, sexos, religiões e camadas socioeconômicas. Somente assim estaremos saindo das bolhas e nos tornando cidadãos do Brasil para então nos tornarmos mais aptos e preparados para sermos cidadãos do mundo.
# Medo e capacidade de aprendizagem
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