Filosofando
Tom Coelho é educador, palestrante em gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de oito livros.

Stop and go - 13/10/2016
Tom Coelho

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ilustração de bonecos de papel unidos pelas mãos

“O prazer é único, não se repete. A alegria repete-se sempre. Basta lembrar.” (Rubem Alves)

Eu morava em uma casa que tinha uma ampla área envidraçada na sala de estar. Não havia momento mais agradável na semana do que os sábados pela manhã, fosse verão ou inverno, quando o sol invadia o ambiente trazendo luz e calor.

Em uma das empresas nas quais militei, uma daquelas onde se dedica grande parte da vida, vicissitudes levaram ao encerramento das atividades depois de quase uma década de trabalho.

Após dez anos de relacionamento, entre os altos e baixos que permeiam a união de um casal, meu casamento sucumbiu.

Eu não desejava ficar distante daquela casa, mas tive que desocupá-la. Eu não me imaginava “apagando a luz” daquela empresa, mas tive que fazê-lo. Eu não apreciava a ideia da separação, mas os sentimentos mudaram.

Cultivamos um hábito pernicioso, ainda que inconscientemente. Costumamos nos apegar a objetos, pessoas e eventos. Ao agirmos assim, supervalorizamos estes aspectos. Damos a eles uma dimensão irreal, passando a viver em função – e por causa deles. Isso nos anuvia a mente, bloqueia-nos a criatividade, ceifa-nos a flexibilidade. Perdemos a capacidade de nos adaptar, de mudar e de crescer. Nesta toada, morremos lentamente...

A palavra é: desprendimento. Uma habilidade ímpar de racionalmente avaliar a relevância de coisas, pessoas e situações, ponderando objetivamente sobre seus prós e contras, renunciando se recomendável for. Não se trata de uma mera desistência, fruto da ausência de persistência. Trata-se de encerrar um ciclo, muito prazeroso outrora, porém agora somente fonte de ressentimentos e inquietudes. E abrir a porta para permitir ao futuro entrar.

Shakespeare dizia que guardar ressentimento de alguém é o mesmo que tomar veneno esperando que o outro morra. Por falta de humildade ou por inflexibilidade, muitas vezes julgamos mal as pessoas e avaliamos inadequadamente uma situação. Criamos nossas próprias soluções e a elas ficamos presos, como se fossem unas e imutáveis, instransponíveis para sugestões e aprimoramentos propostos por outrem.

Aprendi que as pessoas, em regra, não estão contra mim, mas a favor delas. E na defesa de seus próprios interesses acabam por agir inadvertidamente, ferindo e magoando com a aspereza da palavra ou com a dureza das atitudes. Aprendi que também sou assim, porque sou para as outras pessoas o que as outras pessoas são para mim.

Há rotinas de trabalho que necessitam ser substituídas ou abandonadas. Há produtos dentro do mix das companhias que precisam ser retirados de linha. Há empresas que devem ser fechadas. Há relacionamentos que clamam serem desfeitos.

Quando você se mantém preparado para as mudanças que certamente ocorrerão em sua vida, o desprendimento torna-se fácil e até agradável. Na vida profissional, você pode fazê-lo buscando constante atualização técnica e cultural, participando de cursos, palestras, seminários e encontros diversos, cultivando o hábito da leitura, monitorando o mercado de trabalho, mostrando-se aberto a novos aprendizados, conhecendo outras realidades, outras empresas de outros segmentos, outras pessoas de fora de seu círculo de relacionamentos convencional.

Erros e fracassos são recorrentes. Persistir no erro não é exemplo de perseverança, mas de sua face nefasta representada pela teimosia. Tempo desperdiçado, recursos malbaratados, talentos vilipendiados. Há pessoas que colocam seu futuro e sua vida nas mãos de outra pessoa ou de uma organização, transferindo-lhes uma responsabilidade que é absolutamente unipessoal. Há tanto por se viver...

Em outras casas morei, com áreas mais ou menos envidraçadas, mas com o sol igualmente iluminando e aquecendo minhas manhãs de sábado.

Em outras empresas atuei, nas quais pude imprimir minha marca, colocando minha experiência a serviço, fosse para estimulá-las a continuar sua caminhada, fosse para sugerir-lhes findar o percurso.

Outros amores experimentei, dotados de um prazer único em suas peculiaridades, cultivados sem prazo de validade, fonte eterna de alegria através do exercício da lembrança.

A vida pessoal e corporativa muitas vezes sugere parar, recuar ou interromper. Não pela estática, mas pela dinâmica de seguir adiante.



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