Filosofando
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Diálogos: A Mentira - 18/04/2016
João Luís de Almeida Machado

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boneco do pinóquio de braços abertos

Eis que, em outra esfera, depois da vida, se encontram por alguns minutos, para uma breve conversa sobre falas articuladas na existência terrena alguns eminentes líderes, escritores e pensadores.

Os ingleses Winston Churchill e William Shakespeare se unem neste diálogo a Mahatma Gandhi, indiano que liderou a libertação de seu país do jugo britânico, e também aos escritores Millôr Fernandes, brasileiro, e Anaïs Nin, francesa, e ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche.

É Anaïs Nin, autora de livros de grande sucesso como “Henry e June” e “Delta de Vênus”, quem inicia o bate-papo iluminado e celestial relembrando sua frase sobre a mentira que repercute até hoje entre os meros mortais:

- “A origem da mentira está na imagem idealizada que temos de nós próprios e que desejamos impor aos outros”.

Todos se permitem um breve tempo para refletir quanto a proposição da escritora, talvez imaginando o uso que porventura tenham feito do artifício da mentira em alguma situação terrena e se seria possível associar tais feitos a esta ideia trazida pela francesa.

- O quanto de mentira carregamos dentro de nós deriva da maldade, do contexto, da necessidade ou simplesmente da afirmação de nosso ser, como você pretende trabalhar nesta sentença? – Questiona Nietzsche.

- Não somos mentiras apenas em alguns momentos ou situações usamos deste expediente para nossa autoafirmação. Nos tornamos mentirosos se, de modo contumaz, ou seja, continua e indefinidamente fazemos da farsa a verve maior de nossa existência. – Responde Anaïs Nin.

- Então todos mentimos, é isso que você afirma categoricamente? E, ao assim fazê-lo, define a todos como mentirosos, seja em menor ou maior grau? – Pergunta Shakespeare, evidentemente interessado nesta tese.

- Que atire a primeira pedra quem nunca mentiu. – Emenda Millôr, com seu senso de humor cáustico.

Ao que Gandhi responde:

- “Assim como uma gota de veneno compromete um balde inteiro, também a mentira, por menor que seja, estraga toda a nossa vida”.

A entrada do líder indiano na conversa, de assalto, com sua frase de impacto, leva todos, novamente a processar os dados que emergiram na breve fala inicial.

Churchill então se pronuncia:

- A verdade é o que buscamos. A virtude, é certo, repousa numa vida em que sejamos sinceros, francos, honestos e verdadeiros todo o tempo. Mas somos atores e atrizes no palco da vida. Vivemos num universo em que a política nos impõe necessidades várias e no qual as negociações, enquanto constante para a sobrevivência pessoal ou coletiva, nos mobilizam a alguns blefes.

- O blefe, por si só, não seria algo a ser considerado grave não fosse o prejuízo que porventura pode causar a terceiros. O peso das palavras impróprias proferidas por alguém deve ser medido quanto aos estragos que venha a produzir e as baixas que possa causar. – Retorna Gandhi.

- Se o blefe ocorre no jogo de cartas, numa partida de pôquer é aceitável, pois que as regras desta competição preconizam isso como parte da estratégia dos participantes. Na política e na vida em geral, desinformadas ou cândidas, as pessoas por vezes desprezam a possibilidade de que aquilo que alguém em posição de comando, como os governantes, está a lhes informar pode ser uma mentira deslavada. – Retruca Millôr.

- E, neste caso, evidentemente, estamos falando de corrupção, ações de pessoas corrompidas, por exemplo, que usufruem de suas posições de comando, seja na política, nos negócios ou na vida em geral, para seu próprio benefício e em detrimento de outros, poucos ou muitos. Neste caso a mentira, é certamente, condenável. – Considera Nietzsche.

- “As pequenas mentiras fazem o grande mentiroso”. – Responde imediatamente Shakespeare, que em suas grandes obras, como “Hamlet”, “Rei Lear” e “Otelo” examina minuciosamente o caráter humano.

- Temos então duas situações em análise, a dos mentirosos de todo o dia, que criam mentira em cima de mentira, num ciclo interminável, a viver existências em farsa... – Retorna Anaïs Nin.

- E, por outro lado, pessoas que usam a mentira de forma mais esparsa, em contextos específicos, de acordo com interesse imediatos, seus ou de associados. – Complementa Churchill.

- Sim. Há os dois tipos e talvez tantos outros. A questão central não é a quantidade ou a repercussão e os estragos que possam advir da mentira e, sim, se é possível abrir mão da farsa ou utilizar tal expediente de forma a ocasionar algum benefício, nas tais “mentirinhas do bem”, como apregoam, por exemplo, pais e mães ao iludir filhos quanto a questões de seu cotidiano. – Propõe Shakespeare.

- “Uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo da verdade ter a oportunidade de se vestir”. Certa vez disse isso, quando ainda em vida, pensa alto o ex-primeiro ministro inglês, Winston Churchill.

- A verdade, ainda que possa ser dolorida é sempre o melhor caminho a ser seguido. – diz Gandhi.

- “Jamais diga uma mentira que não pode provar”. – Brinca Millôr, relembrando uma de suas frases de efeito.

- Não é isso. Se proferir uma mentira isso será para você um fardo ao longo de toda a vida. É certo que pequenas coisas que falamos se perdem se pouco ou nada afetam a vida dos outros. São apenas comprovações do quanto somos fracos, toscos ou apenas incompletos e débeis. – Afirma Nietzsche.

- Quanto a nossa fraqueza não há como discordar. Assim como somos ou podemos ser, potencialmente, fortes e valentes, capazes de grandes feitos. A inconstância é uma marca dos seres humanos. Errantes somos, a vagar pelos quatro cantos do planeta. O primordial é que, tentemos ser o máximo possível, verdadeiros e honestos, ainda que saibamos que assim proceder todo o tempo possa parecer impossível até para o mais pio entre todos os homens e mulheres.- Diz Shakespeare, tentando finalizar este diálogo tão intenso.

Mas, a palavra final cabe a Nietzsche, que relembra então sua frase de efeito, para enfim, levar todos a reflexão final:

- “A principal mentira é a que contamos para nós mesmos”.

Ao que Anaïs Nin complementa:

- Se não somos honestos nem ao menos com nós mesmos, com quem seremos?

- Ninguém quer e consegue alimentar a mentira que, como fogo, consome o que há ao redor, a tudo destruindo, inclusive o próprio farsante. – Apregoa Gandhi.

- A justiça humana pode falhar, mas a divina, há de condenar as grandes mentiras e fazer com que o pagamento pelas maldades e malfeitos a ela relacionados sejam cobrados com juros e correção monetária. – Arremata Churchill.



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