Filosofando
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Democracia Liberal x Democracia Republicana - 12/04/2016
João Luís de Almeida Machado

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silhueta de pessoas com braços erguido em sinal de protesto

“...vou comparar duas concepções de política. Trata-se da concepção liberal e da concepção republicana, na terminologia simplificadora consagrada no debate norte-americano. (...) A diferença decisiva entre essas duas concepções consiste no papel do processo democrático. Segundo a concepção liberal o processo democrático cumpre a tarefa de programas o Estado no interesse da sociedade como sistema, estruturado em termos de uma economia de mercado, de relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social. A política (no sentido da formação política da vontade dos cidadãos) tem a função de agregar e impor os interesses sociais privados perante um aparato estatal especializado no emprego administrativo do poder político para garantir fins coletivos. Segundo a concepção republicana a política não se esgota nessa função de mediação. Ela é um elemento constitutivo do processo de formação da sociedade como um todo. A política é entendida como uma forma de reflexão de um complexo de vida ético (no sentido de Hegel). Ela constitui o meio em que os membros das comunidades solidárias, de caráter mais ou menos natural, se dão conta de sua dependência recíproca, e, com vontade e consciência, levam adiante essas relações de reconhecimento recíproco em que se encontram, transformando-as em uma associação de portadores de direitos livres e iguais.” (Jurgen Habermas, no texto “três modelos normativos de democracia, publicado pela Lua Nova: Revista de Cultura Política, em 1995)

A democracia, nos conformes de Winston Churchill seria a alternativa que nos resta, a “menos pior”, entre todas as demais possibilidades organizacionais políticas criadas pelos homens ao longo dos tempos.

Mas que democracia é esta que utilizamos no cotidiano de forma tão corrente versada tanto naquilo que podemos ou que não nos é permitido, nos deveres e direitos, nas interações e interseções entre cada um de nós e todos?

A consciência dos direitos elementares é um norteador que a todos parece já pertencer. Somos iguais perante a lei, temos a liberdade e a vida como essenciais prerrogativas em nossas existências, a propriedade é algo que permeia o mundo de forma tangível há tanto tempo que assumimos tal conceito como direito inalienável e natural, a condição de livre expressão de pensamentos é igualmente algo que cabe as pessoas sem distinção, qualquer tipo de discriminação é abominável nos países democráticos, a oferta de oportunidades (de estudo, trabalho, participação social, engajamento político...), o acesso a recursos que nos permitam viver dignamente, enfim, tudo isso (e mais ainda) está previsto e mobiliza as pessoas no mundo diariamente.

Habermas, filósofo alemão, no entanto, destaca âmbitos da política e da democracia que normalmente não alcançamos, não discutimos, não nos pertencem no dia a dia mas que, certamente, são elementos que deveriam estar a nosso alcance hoje e sempre. A compreensão do conceito liberal e da ideia republicana é o que pode nos mobilizar de fato e nos fazer perceber realmente porque certas nações se estabilizam, atingem verdadeiramente os ideais democráticos e fazem com que se atribua valor e sentido a este modelo político enquanto outras tantas, entre as quais incluo o Brasil, articulam discursos de ordem democrática, engatinham, patinam, caem, por vezes parecem dar passos céleres nesta direção, mas falham na consecução da práxis democrática.

O modelo liberal é o que se aplica, nos conformes brevemente explicados por Jurgen Habermas percebemos isso de forma nítida e cristalina. Temos economia de mercado, relações privadas, trabalho social e toda estrutura jurídico-política apoiada numa cultura centrada no indivíduo e no consumo.

Falta-nos o elemento republicano de fato, aquele que nos garanta não apenas a mediação nos conformes do liberalismo, mas a ética e as ações compartilhadas, conscientes, plenas, solidárias, próprias de quem entende o conjunto e não apenas o indivíduo e suas necessidades.

Millôr Fernandes (com toda a sua ironia) e Albert Einstein nos permitem compreender bem as diferenças entre os dois modelos ao afirmarem, respectivamente, breves pensamentos sobre a democracia, a saber:

“Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim.” (Millôr Fernandes)

“O meu ideal político é a democracia, para que todo homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado.” (Albert Einstein)

Parece tão óbvio e imediato o que Habermas nos traz, mas na prática nos vemos distantes, separados por milhas e milhas desta consciência e concretude republicana.

Será que é tão difícil assim realizar a democracia republicana e superar as limitações da democracia liberal?



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