Filosofando
João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

É preciso aprender a ouvir - 27/10/2015
João Luís de Almeida Machado

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As pessoas precisam falar. São ensinadas desde cedo no mundo ocidental, e no latino em especial, que “quem não chora não mama”. Ditado antigo, escutado desde cedo por praticamente todo mundo, expressa a ideia corrente da necessidade da intervenção, da interpelação, de ganhar no grito…

É assim na feira livre, na rua de comércio popular ou mesmo nas grandes redes de supermercados, onde a todo o momento alguém nos oferece alguma coisa, há promoções sendo lançadas ao vento. É do mesmo modo em período eleitoral, quando os candidatos saem da toca, discursos decorados, respostas prontas, caminhando pelas ruas e se oferecendo ao povo com suas propostas e pretensas soluções para os problemas de todos nós (onde eles estão quando não há urnas e pleitos à vista?).

De igual maneira procede nas reuniões de negócios dentro das empresas, há aqueles que precisam falar, dar a entender a todos os demais que estão na dianteira, que possuem as melhores ideias, visando impressionar os demais, principalmente a chefia. Nas escolas, fala-se pelos cotovelos, principalmente os professores, com suas lições de geografia, história, português, matemática…

Ironicamente, no ambiente de aprendizagem, os alunos pouco falam sobre o que está sendo ensinado, manifestando-se mais sobre amenidades e coisas de seu cotidiano…

Quando entramos na internet, mais palavras, uma torrente delas, na maior parte dos casos, escritas, como as que nesse texto se apresentam. Os fóruns, as salas de discussão, os comunicadores instantâneos, as redes sociais, enfim, todos os espaços virtuais se ocupam de pessoas que querem bradar, a plenos pulmões, digitando letra após letra, palavra após palavra, seus pensamentos, opiniões, devaneios, sonhos, amarguras, tristezas, vitórias, derrotas…

Falar, falar e falar… Ouvir, por outro lado, não é exercício dos mais comuns. Não é trabalhado em casa, na escola, no trabalho, nas ruas… Mesmo quando há uma pessoa que aparentemente comanda a conversa, com outras tantas prestando atenção, não se pode afirmar que estejam realmente ouvindo o que está sendo dito. Podem estar “pensando na morte da bezerra”, “no mundo da lua”, “desplugados” ou seja lá como melhor se definiu isso ao longo dos tempos.

Ouvimos apenas aquilo que nos interessa. Seja para o bem ou para o mal. Se somos favoráveis a um candidato a cargo público, por exemplo, tudo que dele é proveniente nos parece correto, lógico e de bom grado. Suas imperfeições desaparecem por mágica. Seus opositores, por outro lado, só dizem impropérios, entre eles reina o universo dos absurdos… E o mais interessante é que somos instruídos o suficiente para saber que a todos devemos ouvir, quanto as suas propostas, examinando-lhes o perfil pessoal e profissional, para então definir nosso voto. Como fazer isso se escolhemos escutar apenas um deles e aos outros ignorar?

Não temos entre nós a prática de povos ancestrais que pensam a palavra alheia como algo que deve ser considerado, pesado, medido, avaliado para que, então, tendo nos apropriado e digerido tais saberes, possamos nos pronunciar quanto ao que ouvimos. Queremos interpelar, atravessar a fala dos outros, impor nossos pensamentos, decretar o espaço ao nosso redor como sendo nosso latifúndio eterno, seja ele produtivo ou improdutivo…

Interessante nisso tudo é que desejamos a atenção de nossos ouvintes, mas a contrapartida, a devolutiva nessa mesma moeda, nos é por demais cara. Queremos ser ouvidos, mas atrapalhamos a comunicação das ideias de outrem e impedimos que suas mensagens sejam emitidas, pensadas e respondidas a partir de nossa real ponderação e preocupação quanto as mesmas.

Não temos em nós o tempo do silêncio, aquele no qual colocamos de lado eventuais paus, pedras e outros artefatos que porventura utilizemos para nos fazer ouvir. Não somos capazes de nos desprovir de preconceitos, opiniões, argumentos, fatos, dados e tudo o mais para que escutemos o outro e, de posse daquilo que tenha a nos dizer, possamos então nos pronunciar, dando nosso parecer sobre o que foi dito, nos revestindo de nossas experiências e saberes e respeitando (ainda que discordando ou fazendo ressalvas) ao que foi explicitado.

Em nossos encontros, sejam eles pessoais ou profissionais, queremos sempre brilhar, estar em evidência. Mesmo os tímidos parecem sentir necessidade de firmar presença e se pronunciar, ainda que encabulados ou temerosos de como serão apreciados pelos demais… Fazer silêncio, seja num jantar à dois ou naquela reunião do serviço pode ser sentença de morte para o amor que se anuncia ou para o emprego que se pretende manter…

Silêncio, esta tão divina e providente prova de sabedoria, é o momento da apreciação, da percepção do outro e do mundo, da compreensão, da comunhão mesmo, literalmente falando. Não comungamos com nossos interlocutores se não somos capazes de ouvi-los e, para tanto, é preciso desprendimento das palavras e da necessidade de auto-afirmação que elas aparentemente nos trazem. Cultive o silêncio, aprenda a ouvir não apenas como algo mecânico que nossos corpos naturalmente realizam, mas com a mente e o coração abertos, sorva as palavras e realize uma autêntica revolução em sua vida…

Obs. Faço desde já o mea culpa para todas as vezes em que falei e deveria ter ouvido, cultivando o silêncio necessário para compreender quem comigo dialogava. Peço desculpas se não fui bom ouvinte, se não soube respeitar o espaço alheio, as palavras que se faziam necessárias a meus interlocutores. Também sou aprendiz, por mais que tantas vezes pareça ser apenas o professor, estou sempre aprendendo…



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