Assim
como o caminho - na bela poesia de António Machado -
se faz ao caminhar, a língua falada se faz ao falar. E
está em permanente construção.
Não faz muito sentido pretender estabelecer regras
rígidas para a comunicação oral.
O essencial é que falantes e ouvintes se entendam - e que
esse entendimento possa ser estendido aos circunstantes. Ressalvam-se
aí as gírias de grupos que não querem
mesmo ser entendidos por “alienígenas”,
e os jargões profissionais.
Existe, evidentemente, o chamado preconceito linguístico - a
atitude discriminatória assumida por pessoas, supostamente
mais esclarecidas, contra o modo de falar de outras, geralmente menos
privilegiadas. Em que pese o que há de odioso em qualquer
discriminação, lamentavelmente o modo de falar
é uma das primeiras características consideradas
sobre um ser humano - talvez nem tanto pelo que diz sobre sua origem
social, mas pelo que revela sobre seu extrato cultural.
A linguagem escrita também está em
mutação constante. Porém, suas
alterações formais se processam em
períodos de décadas - e é dessa forma
que deve ser. Ao contrário da língua falada, que
é natural, a escrita é uma
criação artificial - e necessita de regras que a
organizem, perenizem e garantam sua universalidade, sem o que
não poderia uma geração transmitir
seus conhecimentos à próxima, não
poderia ampliar-se a cultura, ciência e tecnologia.
Embora os meios atuais de comunicação propiciem
certa uniformização da linguagem no
país inteiro, em regiões diferentes fala-se de
maneiras diversas. Não se pode dizer o mesmo da forma como
se escreve - ou, pelo menos, não da forma como se deveria
escrever.
Professores levam sustos terríveis ao corrigir trabalhos de
seus alunos, com os coloquialismos descabidos, erros infantis de
ortografia, flexões verbais absurdas,
concordâncias inexistentes e, agora, com o uso indiscriminado
de abreviações - comuns na
comunicação eletrônica, mas
não adequadas em atividades escolares.
A literatura é uma arte e, como tal, não se
submete a regras. Um texto literário de vanguarda
provavelmente não obteria boa nota, talvez sequer
aprovação, em um concurso público. Mas
o objetivo da literatura de vanguarda não é
participar de concursos públicos. Em provas com grande
número de candidatos, a correção das
redações obedece a critérios muito
objetivos - única maneira de garantir justiça e
equanimidade para os concorrentes.
A criatividade e a originalidade
não têm grande peso. Não se trata de
avaliar se o candidato é um bom escritor - e sim se consegue
desenvolver um tema proposto com clareza e pertinência,
obedecendo à norma culta da língua portuguesa.
Mas tanto no ensino fundamental quanto no médio,
significativa parcela de docentes está desestimulada,
descrente do próprio processo educativo – e,
provavelmente, parte do desinteresse se deve à baixa
remuneração, acrescida de precárias
condições de trabalho e ausência de
infraestrutura adequada ao ensino -, não sendo, portanto,
estranhos os maus resultados do sistema obtidos pelo sistema
educacional brasileiro em grandes avaliações
internacionais.
Da negligência, pessoal e institucional, advém um
nefasto circulo vicioso, em que o professor releva o mau desempenho do
aluno - e este não espera nenhum empenho de seu professor.
Então, nas provas de redação do ENEM,
além das habituais incorreções
gramaticais e ortográficas, na novidade dos textos
enxertados - uma receita de macarrão instantâneo,
o hino de um time de futebol -, certamente podemos ver uma
declaração explícita: a de que
candidatos não esperavam que suas
redações fossem corrigidas, provavelmente (e
infelizmente) em função de trabalhos escolares
anteriormente não avaliados - ou sequer lidos - por
professores que já não acreditam mais no
magistério.
Educação de qualidade, em todos os
níveis, requer o bom professor, valorizado e orgulhoso de
sua profissão.
Wanda
Camargo é
educadora e presidente da
Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do
Brasil (UniBrasil). Contato: assessoria@unibrasil.com.br.