Marcos
Torres é escritor
e cursa Letras na Universidade Federal da
Bahia. Poesia Metafísica é um registro de uma
poesia que questiona o mundo através de uma visão
metafísica e seus desdobramentos em
relação à vida, ao outro, à
natureza, à existência, possibilitado pela poesia.
O livro conta com a participação de
Ignácio Neto e Vilma Paz. À seguir, o escritor
esclarece algumas questões sobre a sua
produção e dados biográficos.
1.
Poesia metafísica é o nome do seu livro. Por
quê?
Embora pareça uma pergunta fácil à
primeira vista e até mesmo lugar-comum, segundo alguns
dizem, não considero uma pergunta tão
fácil de ser respondida, pois entendo que o
título de um livro tem uma importância fundamental
para todo o conjunto da obra antes e após sua
publicação.
Penso que tudo deve estar conectado, pelo menos para mim isso
é muito importante. Este nome nasceu da ideia de temas que
eu já vinha lendo e de certo modo fazia parte de minha
escrita poética.
Sempre tive grande interesse pela Metafísica, por captar
flashes do cotidiano e da vida urbana contemporânea que
muitas vezes me assombram, e também os temas
filosóficos que têm me provocado muito nos
últimos anos.
O livro Poesia Metafísica nasceu desse emaranhado de
confluências.
2.
Quando decidiu ser um poeta? Acredita que haja possibilidade de viver
produzindo poesia na contemporaneidade?
Primeiramente jamais decidi um dia ser poeta. E tenho sérias
preocupações com quem o faz. Talvez isto nem
exista; ninguém vai chegar para outra pessoa e dizer: sou
poeta, faço poesia, sou romancista etc.
Talvez este tipo de legitimação venha de um
processo de maturação, de uma trabalho
diário com a linguagem. Isso também
não significa que alguém vai ser um poeta ou um
romancista por conta disso, tem algo mais que eu não saberia
dizer com muita precisão neste momento.
O que posso dizer até o momento sobre esta
questão é se alguem é ou
não um poeta, isso vem da recepção e
de uma complexa rede de legitimação.
Particularmente, eu acredito viver produzindo poesia em qualquer
época, principalmente não respondendo nem estando
atrelado a certa demanda de leitura: mercado, igreja, gueto,
religião, política, ideologias preconcebidas etc.
É claro que uma postura como essa pode trazer
várias consequências. É
apostar.
3.
Quem escrever poesia obviamente tem o seu cânone. Qual o seu?
Concordo. Embora tenha um cânone diferente daquele que dizem
por aí. O meu cânone não vive numa
redoma de vidro e nem numa torre de marfim e, de certo modo,
não está sacralizado nem engessado como se o
mundo não tivesse outras possibilidades. O meu
cânone é altamente transitório e
mutável.
O que quero dizer com isso é que não leio lista
do tipo: os dez melhores do século, do mundo, de todos os
tempos, os dez melhores da revista tal etc. Para mim, isso
não faz a menor diferença.
Isso também não significa que eu não
leia alguns desses autores contidos nessas listas; leio, mas
não por isso, mas porque algo no seu trabalho como poeta e
ou romancista me atrai e me deixa inquieto como leitor.
Pouco me interessa se ele está numa lista ou no anonimato.
Leio aqueles que são considerados canônicos pela
tradição e aqueles que jamais foram vistos por
aí nas prateleiras das livrarias; todas as minhas escolhas
são a partir das minhas afinidades eletivas, das coisas que
me atraem e do meu gosto como mero leitor de poesia e literatura.
Com isso, não quero dizer que o trabalho dos
críticos literários não seja
importante, muito pelo contrário, considero o trabalho
crítico muito importante para canalizar essa
experiência de leitura especializada para fomentar o desejo
de novos leitores para o gosto pela leitura, poesia e literatura.
O que quero dizer é que particularmente procuro valorizar o
trabalho de alguém como poeta e ou romancista, e
não o que acontece em bastidores e conchavos, como tem
acontecido por aí com demasiada
frequência.
Para não fugir da pergunta, tenho alguns poetas que me
encantam muito e gosto muito de suas poesias; a primeira poesia que li
foi “Congresso internacional do medo”, de Carlos
Drummond de Andrade.
Eu sabia que existia congressos de diversas áreas do
conhecimento, mas jamais imaginei que pudesse existir um congresso
sobre o medo; Drummond me mostrou o mundo com outras possibilidades;
gosto muito das formas diminutas de Manoel de Barros, acho
incrível o modo de construção
poética saída das mãos deste poeta que
muito admiro.
Vejo um trabalho de muito engenho e é algo que me cativa. De
vez em quando, volto a namorar as páginas de Livro sobre o
nada, pois se trata de algo que tem uma dimensão
metafísica e isso faz parte do meu horizonte de
inquietações. Tem um fragmento de Manoel de
Barros que guardo até hoje em minha memória:
“Sempre que desejo contar alguma coisa, não
faço nada; mas quando não desejo contar nada,
faço poesia”.
Há algum tempo, estou lendo a poesia de Bei Dao, mas
não como algo para imitação, ao
contrário, o que vejo na poesia de Bei Dao é algo
que me deixa demasiadamente inquieto e me provoca, deixando-me aturdido.
Esse negócio de dizer que a poesia não vende e
que ninguém lê mais poesia hoje em dia
é uma falácia, pois isso não acontece
no mundo inteiro nem em todos os lugares; eu acho que isso tem mais a
ver com o contexto de recepção onde a poesia
está sendo veiculada.
Tenho a certeza de que a importância de uma determinda
sociedade está estreitamente ligada à
importância que é dada pelos sujeitos aos produtos
de sua cultura; se a poesia não tem importância
num determinado país, então as coisas neste lugar
giram em torno de outras preoculpações.
Vejo algo perfeitamente natural. O que quero dizer é que a
poesia tem uma força poderosa, para o bem ou para o mal, e
que muitas vezes tem consequências desastrosas ou
magnifícas.
Há casos e casos. Ao escrever suas poesias, Bei Dao jamais
teve a intenção de que elas fossem apresentadas
em um determinado lugar ou seja lá onde for.
É desta potência poética que estou
falando, que não vem de forma deliberada, de bastidores ou
conchavos.
Também estou lendo outra linha poética, a poesia
árabe, mais especificamente “Os poemas
suspensos”, de [Al-muallaqat], com
tradução versada por Alberto Mussa.
Vejo na poesia árabe algo que me chama muita
atenção, principalmente no modo de
construção poética, é algo
assombroso e inquietante, especialmente quando versada no contexto da
cultura beduína, quase uma narrativa poética se
é que posso dizer assim, vejo algo que me cutuca para
enxergar o mundo com outras possibilidades.
Até o momento, falei de autores que já
têm certa consagração dentro do
cenário literário, mas isso foi de forma
aleatória e não deliberada.
Atualmente, estou colaborando numa revista literária, a
revista “As flores do Mal” (é isso mesmo
o que ouviu), uma revista do CLAE, Círculo
Literário Analítico Experimental, de Juazeiro,
Bahia, o nome da revista é mesmo “As flores do
mal”, a trupe tem uma pegada tida como subversiva e a revista
também parece “evocar” Baudelaire;
já vi ali poetas muito bons e tenho certeza que compro
exemplares de muitos que estão nesta trupe de poetas e
poetisas, caso tenham ou venham a publicar seus livros de poesias.
Tenho certeza que esta trupe vai dar muito que falar e talvez coloque
em xeque muitas noções de autoria e sistemas
valorativos da poesia e da literatura. É esperar o
desenrolar dos acontecimentos e ver o que acontece.
Não compro livros de poesias apenas nas prateleiras das
livrarias, já comprei e compro livros em ônibus,
venda avulsa ou sei lá mais onde, e também
já li diversos poetas e poetisas que talvez nunca foram
pronunciados seus nomes em lugar algum.
Para finalizar, na porta de entrada do meu cânone tem o
dizer: entre, a passagem é
livre…
4.
Como você definiria a sua produção
poética?
Eu definiria como algo prazeroso e ao mesmo tempo trabalhoso, pois
sinto prazer em escrever poesia e também vejo algo que
necessita de certa engenhosidade, algo que parece
incompatível e longe do mundo no qual estamos todos
enfronhados e ao mesmo tempo perto dele.
Parece algo esquizofrênico, mas é isso que sinto.
Gosto de escrever nas formas mais diminutas em que a poesia me
possiblita, para depois deixar a cargo do leitor a partir de um
determinado encontro e de certa experiência de leitura.
Não arriscaria definir um estilo de escrita e nem sei se
terei uma produção poética definida,
espero que não, gosto da
experimentação.
No primeiro livro, escrevi sobre a vida cotidiana e o movimento e
deslocamento de forças da natureza, coisas que em certo
momento parecem insignificantes para muitas pessoas e que eu julgo de
extrema importância quando muitos olham para o outro lado.
Já estou trabalhando num novo projeto, que inclusive enviei
para a Funarte para participar de um edital no gênero poesia,
Diálogos Entre Vácuos e Vazios – Poemas
Ácidos. Trata-se de uma compilação de
99 poemas.
São poemas que têm uma linha metadiscursiva, uma
espécie de “poesia engajada”, na verdade
tento me apropriar de alguns conceitos filosóficos e
reflexões de Grandes Pensadores e trago para a linguagem
poética.
Conceitos como:
- “Vidas Desperdiçadas” e
“Vida Líquida” (Bauman), pensando nas
sociedades desprovidas dos aparatos sociais mais salutares, morrendo a
conta-gotas por inanição e sendo tratadas como
resto humano diante de uma vida que anda na velocidade do vento.
- “Rizoma” (Deleuze), todos buscando a origem de
tudo: da vida, dos acontecimentos, das tragédias humanas
etc., deixando de lado o entendimento da vida e da existência
como passos transitórios e permanentes, complexos e com
muitos pontos de interseções, muitas vezes sem
explicações, ramificações
ou justificativas plausíveis para o nosso ínfimo
entendimento.
- “Cuidado de Si” (Foucault),
“Descontinuidade” (Giddens).
- “A Existência de deus” (em Saramago).
“A Metamorfose” (Kafka), as
transformações dos sujeitos diante de uma vida
estilhaçada e multifacetada, sendo desdobradas em muitos
papéis e, desse modo, sem tempo para si e sua
construção como indivíduo, apenas para
citar alguns exemplos do processo de construção e
ambientação em que os poemas se desdobram; o que
vem depois de tudo isso são vácuos e vazios.
É uma tarefa árdua, mas aceitei a empreitada.
Tenho outros projetos que vão se processar bem mais adiante
no desenrolar dos acontecimentos. Gosto da
experimentação e vivo em constante estado de
migração e mutação.
5.
Seu livro foi bem recebido pelo viés acadêmico? Vi
que algumas professoras da instituição que
você estuda aprovaram, prefaciaram e divulgaram o livro.
Fale-nos um pouco sobre isso.
É uma pergunta interessante e curiosa. O livro foi
bem-recebido pela maioria de meus professores e outros que
conheço apenas de vista ou de encontros
acadêmicos, inclusive alguns desses professores já
me pediram diversas poesias deste livro para trabalhar em suas aulas ou
mesmo para trabalhar com o livro inteiro.
Isso me deixa muito lisonjeado, especialmente por se tratar de um livro
tão singelo e publicado de forma independente, com uma
tiragem modesta, não tem um grande selo editorial, essas
coisas que muitas vezes a academia gosta e legitimar por conta disso.
Sim, é verdade, vários professores e professoras
aprovaram o livro e divulgaram com muito carinho, no que fiquei
imensamente grato a eles por tamanha generosidade, em especial a
professora Maria do Carmo Pascoli, que fez um prefácio
maravilhoso e que deixou meu coração aturdido por
tamanha generosidade e delicadeza.
Também não posso deixar de agradecer a professora
Luciene Azevedo, que promoveu um evento para discutir a
produção poética
contemporânea, sua produção,
inserção e circulação no
cenário literário brasileiro
contemporâneo, que, além do convite a Karina
Robinovitz e Jão Filho, também me convidou para
fazer parte dessa trupe de escritores que falariam, na
ocasião, sobre a sua produção
poética e sua relação com a poesia ao
longo de suas vidas, e em seguida tive oportunidade de fazer o
lançamento do livro após o evento.
Muita coisa da minha vida acadêmica eu devo à
professora Luciene Azevedo, então sou grato por ter a
oportunidade de trabalhar com ela.
Desta professora, eu não posso falar muito, pois sou
suspeito, trata-se da minha orientadora nos projetos de pesquisa que
desenvolvi e ainda desenvolvo dentro da UFBA; tenho um grande respeito,
admiração e carinho que as palavras
não conseguem expressar, trabalho com ela desde quando
entrei na universidade, então, sou suspeito em dizer algo
sobre sua capacidade tanto como professora quanto pesquisadora e
orientadora.
E também muitos professores/as até hoje
são meus grandes amigos, assim como muitos dos meus colegas
da faculdade. Não vou citar nomes para não correr
o risco de esquecer o nome de
alguém.
6.
Se sua poesia se tornasse música, quem gostaria que
interpretasse?
É uma pergunta muito interessante, pois também
gosto de trabalhar com intervenções com outras
linguagens, inclusive tem uma poesia minha que já
está sendo trabalhada musicalmente,
“Boletim”.
São tantos cantores para escolher, mas se é para
escolher um ou dois eu gostaria que fosse o Jorge Vercilo ou o Lulu
Santos.
7.
Você acredita no uso da poesia como ferramenta de
aprendizagem na educação básica ou
apenas como deleite de acadêmicos e amantes da literatura?
Acredito na poesia como ferramenta para fazer tudo o que você
falou e também para não fazer nada do que
você falou.
O que quero dizer é que a poesia pode servir para muitas
dessas coisas e ao mesmo tempo não servir para nada,
não ter um objetivo específico de forma assim
tão pragmática.
Acho de extrema importância o ensino e a leitura da poesia
nas escolas em qualquer nível escolar.
Grande parte dos alunos está pouco familiarizada com a
leitura poética, com a discussão e a
reflexão do e sobre o texto.
Talvez por exigir maior debruçamento de algo diminuto e que
deixa muitos vazios e vácuos, que não entrega
nada de bandeja.
Mas isso não é uma tarefa tão
fácil diante de um mundo mergulhado nos excessos. Mas isso
já vem mudando, mesmo de forma ainda muito
tímida.
Há várias
ações seguindo
nessa direção e diversas
intervenções sendo articuladas nesse
sentido.