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Entrevistando para Saber

Leonardo Campos Cerqueira Formado em Letras, na Universidade Federal da Bahia. Pesquisador nesta mesma instituição, atuando na área de cinema, cultura, literatura e mídia.

Entrevista sobre Poesia Metafísica
Livro de Marcos Torres

Foto-de-Marcos-Torres, entrevistado Marcos Torres é escritor e cursa Letras na Universidade Federal da Bahia. Poesia Metafísica é um registro de uma poesia que questiona o mundo através de uma visão metafísica e seus desdobramentos em relação à vida, ao outro, à natureza, à existência, possibilitado pela poesia. O livro conta com a participação de Ignácio Neto e Vilma Paz. À seguir, o escritor esclarece algumas questões sobre a sua produção e dados biográficos.

1. Poesia metafísica é o nome do seu livro. Por quê?
Embora pareça uma pergunta fácil à primeira vista e até mesmo lugar-comum, segundo alguns dizem, não considero uma pergunta tão fácil de ser respondida, pois entendo que o título de um livro tem uma importância fundamental para todo o conjunto da obra antes e após sua publicação.

Penso que tudo deve estar conectado, pelo menos para mim isso é muito importante. Este nome nasceu da ideia de temas que eu já vinha lendo e de certo modo fazia parte de minha escrita poética.

Sempre tive grande interesse pela Metafísica, por captar flashes do cotidiano e da vida urbana contemporânea que muitas vezes me assombram, e também os temas filosóficos que têm me provocado muito nos últimos anos.

O livro Poesia Metafísica nasceu desse emaranhado de confluências.            

2. Quando decidiu ser um poeta? Acredita que haja possibilidade de viver produzindo poesia na contemporaneidade?
Primeiramente jamais decidi um dia ser poeta. E tenho sérias preocupações com quem o faz. Talvez isto nem exista; ninguém vai chegar para outra pessoa e dizer: sou poeta, faço poesia, sou romancista etc.

Talvez este tipo de legitimação venha de um processo de maturação, de uma trabalho diário com a linguagem. Isso também não significa que alguém vai ser um poeta ou um romancista por conta disso, tem algo mais que eu não saberia dizer com muita precisão neste momento.

O que posso dizer até o momento sobre esta questão é se alguem é ou não um poeta, isso vem da recepção e de uma complexa rede de legitimação.

Particularmente, eu acredito viver produzindo poesia em qualquer época, principalmente não respondendo nem estando atrelado a certa demanda de leitura: mercado, igreja, gueto, religião, política, ideologias preconcebidas etc. É claro que uma postura como essa pode trazer várias consequências. É apostar.    

3. Quem escrever poesia obviamente tem o seu cânone. Qual o seu?
Concordo. Embora tenha um cânone diferente daquele que dizem por aí. O meu cânone não vive numa redoma de vidro e nem numa torre de marfim e, de certo modo, não está sacralizado nem engessado como se o mundo não tivesse outras possibilidades. O meu cânone é altamente transitório e mutável.

O que quero dizer com isso é que não leio lista do tipo: os dez melhores do século, do mundo, de todos os tempos, os dez melhores da revista tal etc. Para mim, isso não faz a menor diferença.

Isso também não significa que eu não leia alguns desses autores contidos nessas listas; leio, mas não por isso, mas porque algo no seu trabalho como poeta e ou romancista me atrai e me deixa inquieto como leitor.

Pouco me interessa se ele está numa lista ou no anonimato. Leio aqueles que são considerados canônicos pela tradição e aqueles que jamais foram vistos por aí nas prateleiras das livrarias; todas as minhas escolhas são a partir das minhas afinidades eletivas, das coisas que me atraem e do meu gosto como mero leitor de poesia e literatura.

Com isso, não quero dizer que o trabalho dos críticos literários não seja importante, muito pelo contrário, considero o trabalho crítico muito importante para canalizar essa experiência de leitura especializada para fomentar o desejo de novos leitores para o gosto pela leitura, poesia e literatura.

O que quero dizer é que particularmente procuro valorizar o trabalho de alguém como poeta e ou romancista, e não o que acontece em bastidores e conchavos, como tem acontecido por aí com demasiada frequência.      

Para não fugir da pergunta, tenho alguns poetas que me encantam muito e gosto muito de suas poesias; a primeira poesia que li foi “Congresso internacional do medo”, de Carlos Drummond de Andrade.

Eu sabia que existia congressos de diversas áreas do conhecimento, mas jamais imaginei que pudesse existir um congresso sobre o medo; Drummond me mostrou o mundo com outras possibilidades; gosto muito das formas diminutas de Manoel de Barros, acho incrível o modo de construção poética saída das mãos deste poeta que muito admiro.

Vejo um trabalho de muito engenho e é algo que me cativa. De vez em quando, volto a namorar as páginas de Livro sobre o nada, pois se trata de algo que tem uma dimensão metafísica e isso faz parte do meu horizonte de inquietações. Tem um fragmento de Manoel de Barros que guardo até hoje em minha memória: “Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia”.

Há algum tempo, estou lendo a poesia de Bei Dao, mas não como algo para imitação, ao contrário, o que vejo na poesia de Bei Dao é algo que me deixa demasiadamente inquieto e me provoca, deixando-me aturdido.

Esse negócio de dizer que a poesia não vende e que ninguém lê mais poesia hoje em dia é uma falácia, pois isso não acontece no mundo inteiro nem em todos os lugares; eu acho que isso tem mais a ver com o contexto de recepção onde a poesia está sendo veiculada.

Tenho a certeza de que a importância de uma determinda sociedade está estreitamente ligada à importância que é dada pelos sujeitos aos produtos de sua cultura; se a poesia não tem importância num determinado país, então as coisas neste lugar giram em torno de outras preoculpações.

Vejo algo perfeitamente natural. O que quero dizer é que a poesia tem uma força poderosa, para o bem ou para o mal, e que muitas vezes tem consequências desastrosas ou magnifícas.

Há casos e casos. Ao escrever suas poesias, Bei Dao jamais teve a intenção de que elas fossem apresentadas em um determinado lugar ou seja lá onde for.

É desta potência poética que estou falando, que não vem de forma deliberada, de bastidores ou conchavos.            

Também estou lendo outra linha poética, a poesia árabe, mais especificamente “Os poemas suspensos”, de [Al-muallaqat], com tradução versada por Alberto Mussa.

Vejo na poesia árabe algo que me chama muita atenção, principalmente no modo de construção poética, é algo assombroso e inquietante, especialmente quando versada no contexto da cultura beduína, quase uma narrativa poética se é que posso dizer assim, vejo algo que me cutuca para enxergar o mundo com outras possibilidades.

Até o momento, falei de autores que já têm certa consagração dentro do cenário literário, mas isso foi de forma aleatória e não deliberada.

Atualmente, estou colaborando numa revista literária, a revista “As flores do Mal” (é isso mesmo o que ouviu), uma revista do CLAE, Círculo Literário Analítico Experimental, de Juazeiro, Bahia, o nome da revista é mesmo “As flores do mal”, a trupe tem uma pegada tida como subversiva e a revista também parece “evocar” Baudelaire; já vi ali poetas muito bons e tenho certeza que compro exemplares de muitos que estão nesta trupe de poetas e poetisas, caso tenham ou venham a publicar seus livros de poesias.

Tenho certeza que esta trupe vai dar muito que falar e talvez coloque em xeque muitas noções de autoria e sistemas valorativos da poesia e da literatura. É esperar o desenrolar dos acontecimentos e ver o que acontece.

Não compro livros de poesias apenas nas prateleiras das livrarias, já comprei e compro livros em ônibus, venda avulsa ou sei lá mais onde, e também já li diversos poetas e poetisas que talvez nunca foram pronunciados seus nomes em lugar algum.

Para finalizar, na porta de entrada do meu cânone tem o dizer: entre, a passagem é livre…      

4. Como você definiria a sua produção poética?
Eu definiria como algo prazeroso e ao mesmo tempo trabalhoso, pois sinto prazer em escrever poesia e também vejo algo que necessita de certa engenhosidade, algo que parece incompatível e longe do mundo no qual estamos todos enfronhados e ao mesmo tempo perto dele.

Parece algo esquizofrênico, mas é isso que sinto. Gosto de escrever nas formas mais diminutas em que a poesia me possiblita, para depois deixar a cargo do leitor a partir de um determinado encontro e de certa experiência de leitura.

Não arriscaria definir um estilo de escrita e nem sei se terei uma produção poética definida, espero que não, gosto da experimentação.

No primeiro livro, escrevi sobre a vida cotidiana e o movimento e deslocamento de forças da natureza, coisas que em certo momento parecem insignificantes para muitas pessoas e que eu julgo de extrema importância quando muitos olham para o outro lado.

Já estou trabalhando num novo projeto, que inclusive enviei para a Funarte para participar de um edital no gênero poesia, Diálogos Entre Vácuos e Vazios – Poemas Ácidos. Trata-se de uma compilação de 99 poemas.

São poemas que têm uma linha metadiscursiva, uma espécie de “poesia engajada”, na verdade tento me apropriar de alguns conceitos filosóficos e reflexões de Grandes Pensadores e trago para a linguagem poética.

Conceitos como:

- “Vidas Desperdiçadas” e “Vida Líquida” (Bauman), pensando nas sociedades desprovidas dos aparatos sociais mais salutares, morrendo a conta-gotas por inanição e sendo tratadas como resto humano diante de uma vida que anda na velocidade do vento.

- “Rizoma” (Deleuze), todos buscando a origem de tudo: da vida, dos acontecimentos, das tragédias humanas etc., deixando de lado o entendimento da vida e da existência como passos transitórios e permanentes, complexos e com muitos pontos de interseções, muitas vezes sem explicações, ramificações ou justificativas plausíveis para o nosso ínfimo entendimento.

- “Cuidado de Si” (Foucault), “Descontinuidade” (Giddens).

- “A Existência de deus” (em Saramago).

“A Metamorfose” (Kafka), as transformações dos sujeitos diante de uma vida estilhaçada e multifacetada, sendo desdobradas em muitos papéis e, desse modo, sem tempo para si e sua construção como indivíduo, apenas para citar alguns exemplos do processo de construção e ambientação em que os poemas se desdobram; o que vem depois de tudo isso são vácuos e vazios.

É uma tarefa árdua, mas aceitei a empreitada. Tenho outros projetos que vão se processar bem mais adiante no desenrolar dos acontecimentos. Gosto da experimentação e vivo em constante estado de migração e mutação.

5. Seu livro foi bem recebido pelo viés acadêmico? Vi que algumas professoras da instituição que você estuda aprovaram, prefaciaram e divulgaram o livro. Fale-nos um pouco sobre isso.
É uma pergunta interessante e curiosa. O livro foi bem-recebido pela maioria de meus professores e outros que conheço apenas de vista ou de encontros acadêmicos, inclusive alguns desses professores já me pediram diversas poesias deste livro para trabalhar em suas aulas ou mesmo para trabalhar com o livro inteiro.

Isso me deixa muito lisonjeado, especialmente por se tratar de um livro tão singelo e publicado de forma independente, com uma tiragem modesta, não tem um grande selo editorial, essas coisas que muitas vezes a academia gosta e legitimar por conta disso.

Sim, é verdade, vários professores e professoras aprovaram o livro e divulgaram com muito carinho, no que fiquei imensamente grato a eles por tamanha generosidade, em especial a professora Maria do Carmo Pascoli, que fez um prefácio maravilhoso e que deixou meu coração aturdido por tamanha generosidade e delicadeza.

Também não posso deixar de agradecer a professora Luciene Azevedo, que promoveu um evento para discutir a produção poética contemporânea, sua produção, inserção e circulação no cenário literário brasileiro contemporâneo, que, além do convite a Karina Robinovitz e Jão Filho, também me convidou para fazer parte dessa trupe de escritores que falariam, na ocasião, sobre a sua produção poética e sua relação com a poesia ao longo de suas vidas, e em seguida tive oportunidade de fazer o lançamento do livro após o evento.

Muita coisa da minha vida acadêmica eu devo à professora Luciene Azevedo, então sou grato por ter a oportunidade de trabalhar com ela.

Desta professora, eu não posso falar muito, pois sou suspeito, trata-se da minha orientadora nos projetos de pesquisa que desenvolvi e ainda desenvolvo dentro da UFBA; tenho um grande respeito, admiração e carinho que as palavras não conseguem expressar, trabalho com ela desde quando entrei na universidade, então, sou suspeito em dizer algo sobre sua capacidade tanto como professora quanto pesquisadora e orientadora.

E também muitos professores/as até hoje são meus grandes amigos, assim como muitos dos meus colegas da faculdade. Não vou citar nomes para não correr o risco de esquecer o nome de alguém.               

6. Se sua poesia se tornasse música, quem gostaria que interpretasse?
É uma pergunta muito interessante, pois também gosto de trabalhar com intervenções com outras linguagens, inclusive tem uma poesia minha que já está sendo trabalhada musicalmente, “Boletim”.

São tantos cantores para escolher, mas se é para escolher um ou dois eu gostaria que fosse o Jorge Vercilo ou o Lulu Santos.   

7. Você acredita no uso da poesia como ferramenta de aprendizagem na educação básica ou apenas como deleite de acadêmicos e amantes da literatura?
Acredito na poesia como ferramenta para fazer tudo o que você falou e também para não fazer nada do que você falou.

O que quero dizer é que a poesia pode servir para muitas dessas coisas e ao mesmo tempo não servir para nada, não ter um objetivo específico de forma assim tão pragmática.

Acho de extrema importância o ensino e a leitura da poesia nas escolas em qualquer nível escolar.

Grande parte dos alunos está pouco familiarizada com a leitura poética, com a discussão e a reflexão do e sobre o texto.

Talvez por exigir maior debruçamento de algo diminuto e que deixa muitos vazios e vácuos, que não entrega nada de bandeja.

Mas isso não é uma tarefa tão fácil diante de um mundo mergulhado nos excessos. Mas isso já vem mudando, mesmo de forma ainda muito tímida.

Há várias ações seguindo nessa direção e diversas intervenções sendo articuladas nesse sentido. 

Avaliação deste Artigo: 5 estrelas