Assistimos
um
pouco indiferentes ao início de uma grande
discussão brasileira sobre a pertinência de
tratarmos pessoas drogadas nas ruas contra a vontade delas,
embora alguns poucos psicólogos, sociólogos e
educadores se manifestaram com argumentos favoráveis ou
absolutamente contra.
A adesão popular ao assunto é restrita, como se
tratasse de um problema distante, que não afeta nosso dia a
dia, mesmo que a violência, em grande parte advinda das
drogas, cresça no nosso entorno.
Talvez uma das maiores frustrações de pais e
educadores seja a impossibilidade de auxiliar crianças e
adolescentes a ficarem livres das drogas.
Mesmo com a maior boa vontade e interesse, esta é uma
atividade difícil, de atuação dos
especialistas, pois pressupõe tempo integral, afastamento
das demais atribuições e um profundo conhecimento
do outro, de suas carências e seus afetos
desesperançados.
Assistimos hoje, do ensino fundamental ao superior, a jovens
– às vezes crianças –
drogando-se e perdendo um futuro, como vimos acontecer com uma menina
magrinha que tinha um vozeirão e nenhuma vontade de
libertar-se, apesar de ser, possivelmente, ser a maior cantora que
surgiu nas últimas décadas, única
comparável com honra às grandes cantoras negras
do Soul e do Blues.
Há a visão romântica de que artistas de
grande talento seriam como velas muito finas com pavios grossos demais,
consumidos rapidamente por seu próprio fogo.
Não é totalmente verdade, felizmente a maioria
dos grandes artistas vive vidas longas e produtivas.
Alguns, talvez, veem algo que os devore, o paraíso ou o
inferno vislumbrado em contraste com a vida cotidiana, como esta menina
trôpega e desorientada nos palcos brasileiros; assistimos a
sua agonia e pensamos em tantos outros, neste país ou fora
dele, que também nos abandonaram cedo demais.
Pensamos em tanta gente e em tanta coisa. Sabíamos qual
seria o final e não fizemos nada além de saber;
não podíamos, e talvez ninguém pode.
O sucesso traz autossuficiência, sentimento de poder tudo e,
à parte, traz enormes interesses
financeiros envolvidos. Até mesmo os que lhe eram
próximos não conseguiram salvá-la.
Ela mesma afirmava em uma de suas canções mais
conhecidas: “They tried to make me go to rehab. But I said
‘no, no, no’” (“tentaram me
mandar para a reabilitação, mas eu disse
não, não , não”).
Rehab é termo usado para designar clínicas de
tratamento de pessoas dependentes de drogas ou com problemas
comportamentais, abreviação de rehabilitation,
reabilitação.
Esses tratamentos, aparentemente, só podem ter
eficácia se contarem com a concordância do
paciente, ou seja, se ele tiver consciência de ter um
problema e da sua gravidade e quiser tentar resolvê-lo.
Embora não haja garantia de cura ou de não
reincidência, constituem-se em grande esperança
para muitas pessoas, talvez a única.
Valeria a pena uma discussão mais aprofundada sobre a
pertinência (ou não) do início de um
processo curativo sem a anuência do paciente, pela
especificidade do assunto.
De certa forma, há proximidade com a questão
educacional: desintoxicação da
ignorância, do medo, geralmente com
medicação controlada, acompanhada de
reflexão orientada por profissionais sobre o problema, suas
causas e consequências e as opções
possíveis.
Havia uma menina magrinha, e hoje já está morta,
e nesse mesmo momento há milhares de meninos e meninas
magrinhos, sem estudo, sem talento, sem sucesso e sem
esperança, que morrem lentamente em praças
públicas e cracolândias.
A discussão, ao menos, é essencial.
Wanda
Camargo é
educadora e presidente da Comissão do Processo Seletivo das
Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.