É inegável o fato de que a
educação, em si, não é
neutra, uma vez que
abarca valores, concepções,
propósitos, interesses e ideologias advindas de diferentes
esferas da sociedade.
Analogamente, também não é novidade
dizer que a instituição-escola é o
locus, por excelência, onde ocorre a
apropriação e a
(re)construção de conhecimentos, bem como o
espaço social no qual se discute e se exerce uma
análise crítica e reflexiva acerca dos problemas
da cultura, da ética, da economia e da política.
Nesse sentido, saber e compreender como, onde, quando e por que
determinar os fins da educação brasileira no
atual contexto histórico tem-se constituído num
problema essencialmente político-filosófico ainda
não totalmente solucionado, uma vez que ele –
direta ou indiretamente – permeia sempre as
políticas educacionais e as práticas
pedagógicas dos professores, tendo em vista uma melhor
qualidade do processo educativo tanto em termos de ensino quanto de
aprendizagem.
Diante dessas considerações preliminares, cabe
refletir:
De que tipo de educação estamos falando? A
serviço de que ou de quem está a
educação brasileira na atualidade? A
educação escolar tem se aprimorado ou se
esvaziado em sua essência primeira? Os fins da
educação se destinam para a sociedade em geral ou
exclusivamente para a escola e seu grupo de professores e alunos?
Na tentativa de encontrar respostas a essas questões,
convém tomar como base duas correntes
epistemológicas distintas a respeito da existência
dos fins da educação.
A primeira vertente epistemológica destaca que a
educação ocorre de maneira que a
criança é educada de forma autoritária
e aligeirada para a sociedade, a fim de fazê-la juntar-se,
adaptar-se e integrar-se a uma civilização que
é dinâmica e ao mesmo tempo imersa em
contradições.
Por outro lado, a segunda concepção existente
enfatiza que a criança é educada para si mesma,
com vistas a poder se desenvolver integralmente; embora seja injusto e
perigoso submeter uma criança a certas regras/normas que
são impostas de cima para baixo de forma passiva e
acrítica.
Isso, todavia, contribui para o seu desajustamento social, pois educar
para a cidadania significa, em linhas gerais, transmitir valores de
respeito e aceitação acerca da individualidade,
das potencialidades e das limitações de cada
indivíduo em seu conjunto de direitos e deveres.
Ao se conceber a educação como um processo
composto de um único fim, no sentido de ponto terminal,
é possível observar que a escola em geral busca
‘preparar’ o aluno exclusivamente para a sua
inserção em um grupo social particular,
deixando-o, muitas vezes, sem bases estruturais sólidas para
que tenha condições suficientes de participar
ativamente da vida em sociedade e conviver de modo digno e harmonioso
em outros espaços sociais.
A ausência de um alicerce estrutural mais profundo e seguro
é, sem dúvida, prejudicial aos educandos; uma vez
que a sociedade na qual os mesmos se encontram inseridos não
é estática, mas está em constante
processo de transformação e
evolução.
Em outras palavras, isso significa dizer que quando se procura
“moldar” o aluno para a sociedade, não
somente nos esquecemos de sua dignidade enquanto cidadão
crítico, reflexivo, participativo e pertencente a um regime
social democrático, como também deixamos de lado
suas diferenças, particularidades e
concepções individuais; embora seja na
interação com o meio social que o sujeito
desenvolve suas múltiplas capacidades, habilidades e
competências pessoais.
Dizemos isso porque entendemos que jamais se deve educar uma
criança esperando (ilusoriamente) que ela sempre
permaneça criança ou que venha a se transformar,
por um passe de mágica, em um “adulto em
miniatura”.
Ao contrário. Deve-se educá-la objetivando fazer
dela um indivíduo responsável capaz de comunicar
informações, usar a criatividade, despertar o
senso crítico e desenvolver a inteligência em
benefício da coletividade grupal; a fim de que
não fique à margem do progresso
político-econômico da sociedade.
Face ao exposto, cabe-nos perguntar: Quais seriam, então, os
fins da educação escolar nesse contexto?
Para responder a essa indagação, faz-se
necessário salientar que o ser humano não pode
ser considerado uma forma regressiva ou estagnada da
evolução, isto é, uma
espécie de “mito reacionário”
para quem a sorte já parece estar lançada e que
aprendeu, devido a essa condição, a desempenhar
um papel de ator social passivo e acrítico frente aos
problemas da vida cotidiana.
Assim sendo, somos levados a argumentar que os fins da
educação escolar somente terão valor e
sentido a partir do momento em que, verdadeiramente, se conceber o
educando como um ser histórico-social inacabado que
está em continuum processo de
evolução, adaptação e
transformação.
Isso significa dizer, em outros termos, que a
socialização consiste em um amplo processo pelo
qual alguém aprende os modos de uma determinada sociedade ou
grupo social para poder se integrar e participar. Ela envolve,
portanto, todos os processos de aculturação,
comunicação e aprendizagem através dos
quais o indivíduo desenvolve uma natureza social e torna-se
capaz de participar, enfim, da vida em sociedade.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a educação
escolar, em si, não tem um único fim (no sentido
de terminalidade sepulcral), mas múltiplos fins
(direções, orientações e
parâmetros), dentre os quais estão o processo de
humanização do ser social, a
conscientização humana, a
emancipação social, a liberdade de
expressão e pensamento, a inclusão social e
civilizatória de todos os indivíduos, o
desenvolvimento da racionalidade e da reflexão
crítica, a construção de saberes e o
progresso científico-tecnológico das sociedades.
Contudo, é interessante observar que esses fins da
educação escolar visam contribuir para o
desenvolvimento integral do ser humano em seus diferentes aspectos,
permitindo a cada educando expressar sua identidade pessoal e ir
além das normatizações impostas pela
escola e pela sociedade capitalista, buscando o novo em detrimento do
que é considerado “comum” e
“tradicional”, visando apropriar-se assim da vasta
bagagem histórico-cultural existente na sociedade.
Ademais, acreditamos ser preciso recusar todo tipo de
educação que vise o conformismo social, o
comodismo e a estagnação humana. Logo, essa
perspectiva torna, mais uma vez, vazia e sem significado a
noção mesma de fim da
educação, no sentido singular de limite a ser
atingido; visto que todo ser humano, enquanto sujeito inacabado, vai
progressivamente se tornando ser social de direitos e deveres.
Marcos
Pereira dos Santos
é Doutorando em Educação pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR) e professor Adjunto do
Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE/PR).