Planeta Educação

Diário de Classe

 

O Ser Social e os Fins da Educação Escolar
Marcos Pereira dos Santos

É inegável o fato de que a educação, em si, não é neutra, uma vez que abarca valores, concepções, propósitos, interesses e ideologias advindas de diferentes esferas da sociedade.

Analogamente, também não é novidade dizer que a instituição-escola é o locus, por excelência, onde ocorre a apropriação e a (re)construção de conhecimentos, bem como o espaço social no qual se discute e se exerce uma análise crítica e reflexiva acerca dos problemas da cultura, da ética, da economia e da política.

Nesse sentido, saber e compreender como, onde, quando e por que determinar os fins da educação brasileira no atual contexto histórico tem-se constituído num problema essencialmente político-filosófico ainda não totalmente solucionado, uma vez que ele – direta ou indiretamente – permeia sempre as políticas educacionais e as práticas pedagógicas dos professores, tendo em vista uma melhor qualidade do processo educativo tanto em termos de ensino quanto de aprendizagem.

Diante dessas considerações preliminares, cabe refletir:

De que tipo de educação estamos falando? A serviço de que ou de quem está a educação brasileira na atualidade? A educação escolar tem se aprimorado ou se esvaziado em sua essência primeira? Os fins da educação se destinam para a sociedade em geral ou exclusivamente para a escola e seu grupo de professores e alunos?

Na tentativa de encontrar respostas a essas questões, convém tomar como base duas correntes epistemológicas distintas a respeito da existência dos fins da educação.

A primeira vertente epistemológica destaca que a educação ocorre de maneira que a criança é educada de forma autoritária e aligeirada para a sociedade, a fim de fazê-la juntar-se, adaptar-se e integrar-se a uma civilização que é dinâmica e ao mesmo tempo imersa em contradições.

Por outro lado, a segunda concepção existente enfatiza que a criança é educada para si mesma, com vistas a poder se desenvolver integralmente; embora seja injusto e perigoso submeter uma criança a certas regras/normas que são impostas de cima para baixo de forma passiva e acrítica.

Isso, todavia, contribui para o seu desajustamento social, pois educar para a cidadania significa, em linhas gerais, transmitir valores de respeito e aceitação acerca da individualidade, das potencialidades e das limitações de cada indivíduo em seu conjunto de direitos e deveres.

Ao se conceber a educação como um processo composto de um único fim, no sentido de ponto terminal, é possível observar que a escola em geral busca ‘preparar’ o aluno exclusivamente para a sua inserção em um grupo social particular, deixando-o, muitas vezes, sem bases estruturais sólidas para que tenha condições suficientes de participar ativamente da vida em sociedade e conviver de modo digno e harmonioso em outros espaços sociais.

A ausência de um alicerce estrutural mais profundo e seguro é, sem dúvida, prejudicial aos educandos; uma vez que a sociedade na qual os mesmos se encontram inseridos não é estática, mas está em constante processo de transformação e evolução.

Em outras palavras, isso significa dizer que quando se procura “moldar” o aluno para a sociedade, não somente nos esquecemos de sua dignidade enquanto cidadão crítico, reflexivo, participativo e pertencente a um regime social democrático, como também deixamos de lado suas diferenças, particularidades e concepções individuais; embora seja na interação com o meio social que o sujeito desenvolve suas múltiplas capacidades, habilidades e competências pessoais.

Dizemos isso porque entendemos que jamais se deve educar uma criança esperando (ilusoriamente) que ela sempre permaneça criança ou que venha a se transformar, por um passe de mágica, em um “adulto em miniatura”.

Ao contrário. Deve-se educá-la objetivando fazer dela um indivíduo responsável capaz de comunicar informações, usar a criatividade, despertar o senso crítico e desenvolver a inteligência em benefício da coletividade grupal; a fim de que não fique à margem do progresso político-econômico da sociedade.

Face ao exposto, cabe-nos perguntar: Quais seriam, então, os fins da educação escolar nesse contexto?

Para responder a essa indagação, faz-se necessário salientar que o ser humano não pode ser considerado uma forma regressiva ou estagnada da evolução, isto é, uma espécie de “mito reacionário” para quem a sorte já parece estar lançada e que aprendeu, devido a essa condição, a desempenhar um papel de ator social passivo e acrítico frente aos problemas da vida cotidiana.

Assim sendo, somos levados a argumentar que os fins da educação escolar somente terão valor e sentido a partir do momento em que, verdadeiramente, se conceber o educando como um ser histórico-social inacabado que está em continuum processo de evolução, adaptação e transformação.

Isso significa dizer, em outros termos, que a socialização consiste em um amplo processo pelo qual alguém aprende os modos de uma determinada sociedade ou grupo social para poder se integrar e participar. Ela envolve, portanto, todos os processos de aculturação, comunicação e aprendizagem através dos quais o indivíduo desenvolve uma natureza social e torna-se capaz de participar, enfim, da vida em sociedade.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a educação escolar, em si, não tem um único fim (no sentido de terminalidade sepulcral), mas múltiplos fins (direções, orientações e parâmetros), dentre os quais estão o processo de humanização do ser social, a conscientização humana, a emancipação social, a liberdade de expressão e pensamento, a inclusão social e civilizatória de todos os indivíduos, o desenvolvimento da racionalidade e da reflexão crítica, a construção de saberes e o progresso científico-tecnológico das sociedades.

Contudo, é interessante observar que esses fins da educação escolar visam contribuir para o desenvolvimento integral do ser humano em seus diferentes aspectos, permitindo a cada educando expressar sua identidade pessoal e ir além das normatizações impostas pela escola e pela sociedade capitalista, buscando o novo em detrimento do que é considerado “comum” e “tradicional”, visando apropriar-se assim da vasta bagagem histórico-cultural existente na sociedade.

Ademais, acreditamos ser preciso recusar todo tipo de educação que vise o conformismo social, o comodismo e a estagnação humana. Logo, essa perspectiva torna, mais uma vez, vazia e sem significado a noção mesma de fim da educação, no sentido singular de limite a ser atingido; visto que todo ser humano, enquanto sujeito inacabado, vai progressivamente se tornando ser social de direitos e deveres.

Marcos Pereira dos Santos é Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR) e professor Adjunto do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE/PR).

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