Religião
e ideologia têm muito em comum.
Elas fundamentam-se em fé e em
convicções não necessariamente
provadas racionalmente.
De modo geral, a crença em divindade ou em ideias
é benéfica quando as pessoas acreditam em algo
que as transcenda, que seja maior do que elas, pois, assim, elas tendem
a viver mais harmonicamente.
Mas o limite para essa prática é a
própria sociedade, ou seja, os outros.
Vemos quase diariamente as consequências trágicas
dos fundamentalismos políticos e religiosos.
Muitos chegam a extremos, pois são incapazes de conviver
não somente com opiniões diferentes das suas, mas
com o simples fato de elas existirem.
No processo educacional, a questão das opiniões e
das discordâncias é de extrema gravidade.
A certeza de que estamos absolutamente corretos quanto a determinados
assuntos pode ser tão perigosa aos demais quanto
àquela de que estamos mentindo e enganando para tirar
vantagens e proveito próprio.
Ao observar a prova passada do Enem, vemos questões que
testam mais a ideologia do que propriamente o conhecimento do candidato.
Isso permite aprovar e fornecer bolsas de estudo apenas
àqueles que respondem de acordo com a cartilha oficial.
Tais questões, cultivando opinião (o oposto de
ciência, já disse Platão), foram feitas
com intenção de orientar sobre a
“melhor forma de pensar”.
Elas partem do bom pressuposto, da forma politicamente adequada de
analisar os assuntos envolvidos.
O discordante será punido com a impossibilidade de
obtenção de bolsas, vagas e, no limite, da
simples aprovação.
Isso penaliza a escola de onde veio este original, que não
estará no rol daquelas melhores, ou seja, que atendem ao
quesito de conformidade, por não conseguir enquadrar seus
alunos.
O agravante é que adolescentes aprendem – e muito
rápido – a oferecer a resposta esperada pelos
adultos, mesmo que esta nada tenha a ver com seus valores, com sua
convicção profunda, e isso pode se tornar um
péssimo caminho para a formação do
caráter.
É possível, sim, elaborar questões que
não apelem à opinião do discente,
muitas delas presentes nesta mesma prova mostram isso.
O problema é que alguns organizadores parecem não
resistir à oportunidade de impor seus dogmas, confundindo,
com isso, suas perspectivas pessoais com o conhecimento
indispensável à formação do
cidadão.
O bom professor certamente não faz discursos
sectários.
No máximo, se for da área de humanas,
poderá apresentar diversos pontos de vista, deixando ao
aluno a conclusão, valorizando sua autonomia e
discernimento.
Aquilo que ensina, quando nem pensa em ensinar nada,
prevalecerá: o bom senso, o cumprimento da palavra dada, a
forma como corrige provas e trabalhos e a reação
às pequenas desavenças escolares é que
serão lembradas pelos estudantes.
Pretender a “construção do
conhecimento” não pode confundir-se com a
imposição do que se julga conhecimento,
até pelo fato de que muito desses pretensos
ideários não foram testados na
prática, ou seja, valem até que os interesses
individuais sejam prejudicados.
Grandes filósofos já declararam a escola como o
lugar do passado, na qual se ensina o que pode evitar erros
já cometidos, mas também a criar o futuro.
O novo de cada indivíduo comporá a
inovação de toda a sociedade, não
será tentando criar um exército de iguais que
melhoraremos o sistema educacional brasileiro. Com ou sem Enem.
Wanda
Camargo é
educadora e presidente do Processo Seletivo das Faculdades Integradas
do Brasil – UniBrasil.