Gramsci e a filosofia da práxis - 31/05/2011
Leonardo Venicius Parreira Proto
Algumas questões acerca do pensamento de Antonio Gramsci correlacionam-se à noção do conceito de história. Nesse texto, apresentamos, de forma introdutória, três pontos fundamentais e suas determinações na forma como Gramsci trabalha o conceito de história.
O primeiro ponto situa sua condição de sujeito histórico e militante político. Antonio Gramsci nasceu na Sardenha em 1891, filho de camponeses pobres vai para Turim em 1911 e em 1915 dirige o jornal da seção socialista. Organiza os conselhos de fábrica e funda em 1919 o jornal L’Ordine Nuovo. Na luta contra o social-reformismo e o “esquerdismo”, torna-se o maior dirigente do partido comunista italiano em 1921. Lutou acirradamente contra a perspectiva fascista de Mussolini.
Sua luta antifascista lhe rendeu a prisão em 08 de novembro de 1926 até 1937, sendo libertado pelo regime fascista em virtude de suas debilidades de saúde (deterioradas por causa da insalubridade do cárcere, que tinham como consequências mais nefastas sua guerra de nervos, insônia e tuberculose). É no cárcere que “desenvolveu” com mais profundidade seu pensamento marxista e sua arguta fundamentação da filosofia da práxis.
O segundo ponto aborda em Gramsci sua concepção dialética da história. Na obra "Concepção Dialética da História" ou originalmente publicada com o título em italiano Il Materialismo Storico e La Filosofia Di Benedetto Croce, é recorrente ao pensamento gramsciano no que se refere a sua concepção de história. Para Gramsci (1987), o materialismo histórico não pode ser desvinculado do projeto filosófico da práxis. Para isso, é necessário compreendermos esse conceito de filosofia da práxis.
Gramsci afirma: “não há filosofia, ou seja, concepção de mundo sem nossa consciência de historicidade...” (p. 13). Portanto, ele continua: “na realidade, não existe filosofia em geral: existem diversas filosofias ou concepções do mundo e sempre se faz uma escolha entre elas... A escolha e a crítica de uma concepção do mundo são, também, fatos políticos” (p. 14-15).
A filosofia na compreensão de Gramsci é visão de mundo, assim, uma condição política. Como, então, entendê-la a partir da práxis? Para Gramsci (1987), a filosofia da práxis é uma atitude crítica de superação da antiga maneira de pensar, tendo como elemento importante o pensamento concreto existente (universo cultural existente). A filosofia da práxis busca a superação do senso comum e propõe elevar a condição cultural da massa e dos indivíduos. Por que esta é uma visão “enriquecedora” do materialismo histórico dialético?
A práxis, entendida como uma unidade dialética entre teoria e prática, não é um fator meramente mecânico e sim o construto do devinir o histórico. Esse devir histórico deve ser também entendido na lógica do ser humano (ou sua natureza) como a expressão da coletividade e suas ações transformadoras de si e dos outros, cujas relações são de natureza social e histórica.
Essa unidade entre teoria e ação é uma relação dialética que postula o ser histórico como político, ampliando a visão de filosofia e política como dados totalizantes, sendo a “filosofia” a história em ato, a própria condição existencial (GRAMSCI, 1987). Para Lincoln Secco (CULT-141), a filosofia da práxis de Gramsci “avançou em uma nova seara do marxismo” (p. 60), pois apresentou uma superação do materialismo vulgar de Bukharin, pois esta estabelece uma relação mecânica entre estrutura e superestrutura (forças produtivas e política, cultura, arte). Isso tolera o aspecto da liberdade dos sujeitos, políticos na história, devido aos condicionantes deterministas.
Outro ponto de superação é quanto ao idealismo de Croce, o qual tem como característica a “permanência de uma filosofia especulativa” (GRAMSCI, 1987, p. 220), a qual o próprio Gramsci denomina de historicismo idealista com caráter teológico-especulativo. No texto de Secco (CULT-141), podemos ver que a tentativa de superação do materialismo vulgar e do idealismo croceano é uma luta a ser enfrentada contra o obscurecimento da “desunião metodológica” entre estrutura e superestrutura, que se dá por meio da formalidade mecânica e a negação da práxis, elemento importante na concretização do bloco histórico, enfim, da relação entre estrutura e superestrutura que são “produzidas simultaneamente pela ação humana” (p. 62).
Mas, afinal, como compreender de fato a filosofia da práxis e a condição de seres históricos num conjunto determinado ao que é denominado no pensamento gramsciano de bloco histórico? Para responder a essa indagação, vamos ao terceiro e último ponto proposto para a reflexão nesse breve artigo. Dentro do que Gramsci (1987) entendeu como devir histórico ou o conjunto das relações sociais é que situamos sua concepção de bloco histórico. De acordo com Gramsci, a formação do bloco histórico só é entendida como um “conjunto complexo, contraditório e discordante da superestrutura, é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção” (p. 39).
Essa noção de bloco histórico não pode ser desvinculada do conceito de hegemonia, pois é esta que a determinaria. A hegemonia garante uma visão coerente do mundo. A classe dominante utiliza-se da hegemonia “para assumir os problemas da realidade nacional”. Para Macciocchi (1977), a relação dialética entre infraestrutura e superestrutura é responsável pela formação do bloco histórico.
Nessa formação, há, necessariamente, visões de mundo, nas quais é feito o consenso no exercício de poder da classe que está à frente do bloco histórico na sua formatação hegemônica, atribuído como visão superior de direção e formuladora de uma acepção de valores de dominação. Em Portelli (1977), outro estudioso de Gramsci, o bloco histórico é apontdo a partir de três prismas. Vamos a eles:
1. A relação de unidade entre estrutura e superestrutura está amparada pelo vínculo orgânico – uma organização social concreta.
2. O bloco histórico é referência para análise da produção de valores (ideologias) e sistema social.
3. Permite estudar a desagregação da hegemonia de uma dada classe dirigente e a edificação de um novo bloco histórico e, consequentemente, de uma elaboração hegemônica nova.
Dessa forma, a concepção de história ou filosofia da práxis em Gramsci cairá em certo tipo de historicismo (referindo-me aqui à crítica anticroceana) se não salvaguardar o desenvolvimento histórico da humanidade, o qual tem como base a compreensão da relação dialetizável do desenvolvimento das forças produtivas (atividade prática cognoscível) e sua criação cultural, política, artística.
Por fim, o intuito é perceber a ação humana e suas relações na construção e luta por liberdade contra a hegemonia das classes dirigentes, as quais veem e produzem seres humanos alienados e coisificados. A proposta e projeto gramsciano são sim pela formação de um novo bloco histórico: o do proletariado revolucionário.
Referências Bibliográficas
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MACCIOCCHI, Maria-Antonietta. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
PORTELLI, Hugues. Gramsci o bloco histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
SECCO, Lincoln. Por um novo marxismo. In: Revista CULT, nº 141, mar. 2010.
Esse texto tem como referência a comunicação apresentada na IX Semana de História da Universidade Federal de Goiás em junho de 2010, na comunicação coordenada intitulada Marxismo e História, coordenada pelo prof. Dr. David Maciel.
Leonardo Venicius Parreira Proto – Bacharel e licenciado em História pela PUC-GO, especialista em adolescência e juventude no mundo contemporâneo pela Faculdade Jesuíta (FAJE-MG), mestrando em História pela UFG e bolsista da CAPES.
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