Ensinar a ler é ótimo, a interpretar é essencial - 16/05/2011
José Ruy Lozano
Ninguém sabe ler de antemão, e isso não se refere apenas à decifração de códigos, letras e frases, mas sim ao desenvolvimento de capacidades leitoras diversas, como, por exemplo, a de inferir sentidos.
Frequentemente, a relevância da leitura para a vida em sociedade é debatida.
São várias as preocupações de pais e educadores no que se refere às exigências sociais associadas a ela, seja em função de atividades profissionais que exigem comunicação verbal eficiente e boa redação ou em função de necessidades mais gerais, relativas à inserção social, o que demanda saber ler diferentes tipos de texto, ou mesmo saber utilizar o nível de linguagem adequado a diferentes situações.
Ainda que existam, hoje, muitas mídias que viabilizam o acesso rápido e irrestrito a informações úteis para a vida cotidiana, o texto escrito é ainda o meio fundamental de obtenção do conhecimento.
Isso porque ele oferece ao leitor possibilidades de interpretação e, portanto, maior autonomia. Quando lemos, também construímos os sentidos, pensamos autonomamente, elaboramos nossas indagações e recusamos, confirmamos e/ou redefinimos respostas. O leitor é aquele que reescreve o significado do texto a partir de sua interação com as intenções de quem escreveu.
Se a importância da leitura é consensual, a constatação de que nossos filhos leem mal desperta grande inquietação, além do desejo de ajudá-los no processo de aquisição da capacidade de ler com eficiência e inteligência.
O primeiro passo para ensinar a ler textos de maior complexidade é justamente o de compreender o quão complexo pode ser, para as crianças e jovens, um texto que para nós, adultos, é relativamente fácil ou óbvio.
Nesse processo, não existem obviedades. O que é claro e evidente para mim nem sempre o é para uma criança. Ela detém um repertório mais restrito, tanto de palavras quanto de experiências.
O que nos induz ao próximo passo: ensinar a ler exige a intervenção ou a mediação ativa de quem propõe a leitura, sejam pais ou professores, tomando o cuidado de não ler para a criança, pois isso substituiria sua experiência de leitura.
É preciso ler com a criança, questionando-a sobre passagens que ocultem implícitos importantes para a compreensão global do que se lê, além de estabelecer relações de significado que, de outro modo, passariam despercebidas.
Assim, estaremos ensinando que ler é mais do que decifrar letras: ler é pensar sobre o que se lê. E isso fará toda a diferença no futuro.
Outro elemento importante para permitir o aprendizado desta atividade é possibilitar o acesso da criança à maior variedade possível de textos, em diversas situações sociais de leitura.
Ler é algo que se desenvolve por meio da imersão em sua prática, não atividade exercida de modo descontextualizado da vida em sociedade. De acordo com essa visão, o adulto precisa mostrar para a criança como os textos que circulam na sociedade podem ser usados, a fim de que ela compreenda os seus sentidos.
Charges ou tirinhas de jornal, por exemplo, muitas vezes não são compreendidas pelos mais novos. “O que tem de engraçado aqui?” perguntam-se. Isso ocorre quando o efeito de humor passa por um dado cultural desconhecido pelo jovem leitor.
Esse dado pode ser apenas uma palavra de duplo sentido ou até mesmo um pressuposto que exige o reconhecimento de fatos políticos ou históricos. Propagandas estabelecem relações de sentido que podem ser inferidas de acordo com a intenção daqueles que as produziram e com o público a que se destinam os produtos.
Uma notícia pode ser escrita com diferentes intencionalidades, visando a finalidades que não são apenas as de informar. Da mesma maneira, um artigo de opinião pode refletir tendências ideológicas de quem o publica.
Compreender essas relações não é fácil, nem pode ser dado como pré-requisito. Como já se afirmou aqui, ninguém sabe tudo de antemão; ou seja, a criança precisa ser ensinada a ler com profundidade.
Ao questionarmos nossos filhos sobre todas essas complexidades, em diversas situações sociais, estaremos evidenciando a eles que ler envolve “um montão de coisas”, o que provavelmente os induzirá a ler não somente com maior atenção, mas também de modo mais inteligente.
A atitude do adulto diante da leitura deve ser positiva, se ele quiser influenciar o jovem a ler mais e melhor. Essa postura inclui necessariamente um envolvimento afetivo com o que lê.
O
adulto é quem oferece um modelo de leitura para o
aluno-leitor, servindo-lhe de exemplo e espelho. Caso a
criança não reconheça a
importância da leitura nas atitudes do adulto, seu modelo,
qualquer estratégia será em vão.
Continuamos ensinando melhor por nossas obras do que por nossos
discursos.
José Ruy Lozano é professor do Ético Sistema de Ensino (www.sejaetico.com.br), da Editora Saraiva, e licenciado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade de São Paulo (USP).
Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.