Carpe Diem
Erika de Souza Bueno Coordenadora Educacional da empresa Planeta Educação; Professora e consultora de Língua Portuguesa pela Universidade Metodista de São Paulo; Articulista sobre assuntos de língua portuguesa, educação e família; Editora do Portal Planeta Educação (www.planetaeducacao.com.br). E-mail: erika.bueno@fk1.com.br

Anoitecer - 09/02/2010
Desta hora não quero mais ter medo

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É a hora em que o sino toca, mas aqui não há sinos; há somente buzinas, sirenes roucas, apitos aflitos, pungentes, trágicos, uivando escuro segredo; desta hora tenho medo

É a hora em que o pássaro volta, mas de há muito não há pássaros; só multidões compactas escorrendo exaustas como espesso óleo que impregna o latejo; desta hora tenho medo.

É a hora do descanso, mas o descanso vem tarde, o corpo não pede sono, depois de tanto rodar; pede-se paz – morte – mergulho no poço mais ermo e quedo; desta hora tenho medo.
 
Hora de delicadeza, agasalho, sombra, silêncio. Haverá disso no mundo? É antes da hora dos corvos, bicando em mim, meu passado, meu futuro, meu degredo; desta hora, sim, tenho medo. (Carlos Drummond de Andrade)

Há um versículo bíblico que diz que “há tempo para todo propósito debaixo do sol”, ou seja, não é preciso ter pressa: haverá tempo para nascer, crescer, desenvolver e... morrer. Quando comparamos o tempo de hoje ao tempo de ontem, percebemos que os conceitos mudaram muito e a pressa do homem tem o feito perder a essência e o prazer de muitas coisas.

Dá para sentir saudades daquele “café da tarde” tomado junto a amigos e familiares. Tudo tinha um sabor diferente, não havia o “luxo” conquistado com tanta dor que temos hoje: um pão com manteiga, um café com leite, um bolo de fubá, tudo era degustado com mais calma. Hoje, até mesmo os nossos alimentos mais simples são feitos por mãos desconhecidas, afinal de contas, não temos mais tempo para nos dedicar ao preparo de alimentos...

Tudo isso é apenas o reflexo da mudança de valores que a sociedade tem sofrido, muitas vezes regidas pelo o que a mídia diz que é o correto. Há uma busca desesperada por melhores salários, melhores posições e, até mesmo quando se atinge tais objetivos, não se encontra satisfação. Hoje o dinheiro é exaltado em detrimento do amor à família, ao descanso e a Deus.

No poema acima, o autor fala sobre mudanças drásticas nos hábitos da vida da cidade comparando-a com a vida do campo. Tais mudanças fazem com que ele sinta medo da hora do anoitecer, ou seja, da hora que temos de parar a nossa árdua jornada, voltar para casa e descansar.

O que deveria ser uma hora de satisfação e de felicidade, o anoitecer tem sido o contrário, pois até o trajeto de retorno ao lar é tumultuado e perturbado por buzinas dos carros de motoristas impacientes.

Não há muito tempo para um sorriso de “bom-dia” (a não ser para aqueles que nos são convenientes). A hora que dantes era de delicadeza, agasalho, sombra, silêncio - características de proteção e de afago sem palavras, já que estas são dispensáveis quando se tem o verdadeiro amor - tornou-se a hora do medo, pois “não há muito disso no mundo”.

É tempo de encararmos os nossos medos e pensarmos em modelos de vida mais saudáveis, mais significativos e mais sábios, para que possamos dizer do anoitecer que “desta hora, sim, não tenho mais medo”.

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3 COMENTÁRIOS

1 Aline Maria - São Paulo
Esse poema chamase Anoitecer e é de um poeta bem conhecido eu diria. Escreveu um livro maravilhoso chamado A Rosa do Povo. Um poeta brasileiro! Carlos Drummond de Andrade.
06/09/2010 23:04:44


2 Eneida Soares Costa Melo. - Piumhi / Minas Gerais.
Cara Érica, excelente seu texto! Realmente é importante refletirmos sobre a necessidade de diminuirmos o passo e mudarmos o curso. Um abraço, Eneida Soares Costa Melo.
28/02/2010 19:51:51


3 Elisete Baruel - São José dos Campos
Prezada Érika Muito feliz a sua ideia de utilizar a poesia do Mestre Carlos Dummond de Andrade para uma reflexão sobre o cotidiano das nossas vidas. Como estamos vivendo ou sobrevivendo? Estamos felizes com as nossas escolhas? Precisamos repensar a nossa forma de viver profissional e pessoalmente? Questões como essas merecem nossa atenção se desejamos uma vida verdadeiramente feliz. Obrigada pelo artigo estabelecendo analogias tão simples e complexas com o nosso modo de ser! Abraços, Elisete Baruel
23/02/2010 17:46:02


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