Breve Manifesto em Favor do Politicamente Incorreto - 26/05/2009
Ou ainda, Em Defesa da Diversidade de Pensamento
Vivemos tempos em que prevalece o politicamente correto. Temos que pensar toda e qualquer palavra que proferimos ou escrevemos para que não corramos o risco de sermos censurados. Groucho Marx, comediante americano da primeira metade do século XX, certamente sofreria muito com tal situação. Mestre do incorreto, do humor ácido e cínico, que colocava seus interlocutores em situação delicada, Groucho não media seus dizeres e, ao menos nos filmes, não parecia se importar com a opinião alheia.
Certamente não é o que ocorre hoje em dia. Todos os nossos passos, versos, falsetes, atos e percursos sendo percebidos, analisados, julgados como estão, paralisam a espontaneidade e privam o mundo da graça e da loucura que por vezes parecem tão necessárias.
Talvez por isto em “O Cavaleiro das Trevas” o Coringa tenha feito muito mais sucesso que o Batman. O bandido pôde se atrever a falar aquilo que o mocinho encapuzado tinha que conter entre suas línguas, para não parecer fora de contexto...
Mas como já pude destacar em outro texto, temos tanto o Coringa quanto o Batman correndo em nosso sangue. Calar um dos lados não é exercício que devamos fazer, a censura a nós mesmos é uma violência tão grande e extrema quanto a própria coerção realizada contra terceiros.
É certo que cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém e que, portanto, em alguns momentos medir as palavras antes de proferi-las pode ser ato de autopreservação. Nestes momentos compete a cada um de nós, utilizando o melhor de nossos neurônios, ordenar os pensamentos e abrir a boca (se preciso for) apenas quando se fizer necessário e sempre no sentido de evitar embaraços ou constrangimentos.
Mas estas situações devem constituir exceções e não a regra. Viramos a mesa de cabeça para baixo a tal ponto que hoje, quando alguém fala abertamente o que pensa e suas palavras contrariam o pensamento vigente, logo vem pedrada. Críticas chovem como se o diferente pensar fosse pecado. E a maior ironia nisto tudo é que é justamente na diversidade e na liberdade de expressão que reinam, sobretudo, os maiores avanços já vividos pela humanidade.
É certo, direto e mais do que premente resgatar, neste sentido, os dizeres de Voltaire, quando afirmava que “posso até não concordar com aquilo que você diz e pensa, mas lutarei até o fim de minha vida pelo seu direito de expressão de tais pensamentos”.
Outra grande contradição vem à tona quando vemos, por exemplo, as pressões imensas que foram feitas sobre o Papa e a Igreja Católica para que expiassem suas culpas quanto a condenação de Galileu Galilei, ainda na Idade Moderna, tão longínquo no tempo, admitindo que o cientista italiano tinha razão quanto a sua teoria heliocêntrica que contrapunha o teocentrismo cristão.
Não que pessoalmente eu considerasse tal ato inapropriado, ainda que tardio. Penso que a Igreja devia isto a Galileu. A contradição não reside na ação do clero católico, mas sim da turba que exigia esta retratação e que, por sua vez, erige tantas dificuldades para que fluam entre nós os pensamentos dissonantes, aqueles que não constituem a voz da maioria (por vezes tão burra, surda e cega, mas sempre tão impositiva quanto aos seus ditames).
Nelson Rodrigues já dizia que as unanimidades são burras. Apesar de reconhecer os méritos de sua obra, mas não ser simpatizante de seus escritos, Nelson Rodrigues tinha como um de seus maiores méritos a honestidade, a franqueza, a sinceridade e a língua solta que tanto nos faz falta nos dias de hoje.
Todo mundo é tão certinho, tão correto e, finalmente, tão político em suas ações e considerações que o mundo está ficando chato em demasia. É preciso incendiar um pouco o debate, trazer a tona àquilo que poucos ou ninguém se atreve, desafiar a lógica dominante e enfrentar a massa.
O jogo de cena que temos em andamento nos dias de hoje é tão entediante que, quando alguém surge em cena e diz aquilo que ninguém tem coragem de dizer, vira manchete de jornais, estrela da internet e ganha os noticiários das redes de rádio e televisão. Que o digam, por exemplo, muito recentemente, o bispo que defendeu a excomunhão dos médicos que praticaram o aborto em uma menina de nove anos de idade ou mesmo o político que, em tribuna, escancarou que pouco se lixava para a opinião pública.
Apesar de não concordar com seus posicionamentos, não posso deixar de destacar que eles foram, no mínimo, bastante valentes ao exporem publicamente aquilo que realmente pensavam. Apesar de não assinar embaixo daquilo que disseram, defendo (como Voltaire) o direito de livre expressão de ideias não só deles, mas de todo mundo que quiser falar o que pensa.
Ressalto apenas que, politicamente corretos ou incorretos, a diversidade dos pensamentos apresentados aqui, acolá e alhures é imprescindível para que todos possam crescer. Ainda que em determinados momentos tenhamos que ter “papas nas línguas” para a “batata quente” não arder em nossas mãos, e nisto entra, como já destaquei, a nossa capacidade de entender o contexto, as variáveis, as consequências e também a nossa representatividade, está faltando a pimenta que faz a vida ter a necessária ardência, brilho, evidência e sabor.
Por isso mesmo pensei neste texto como um breve manifesto em favor do politicamente incorreto e em prol da diversidade de pensamento e, desde já, deixo aberta a brecha para que mais opiniões (a favor ou contra) se juntem a esta reflexão...
1 Mario Jorge - Rio Grande
Excelente texto. Geralmente, aqueles que patrulham tudo o que é dito são os donos da falsa moral, justamente as pessoas com quem mais temos de ter cuidado. Chegará uma hora em que teremos de pedir licença até para pensar. Parabéns ao autor.
26/03/2012 13:42:08
2 Elisabeth Amorim - Iaçu Bahia
É interessante ter texto desse nível na net, a cada dia que passa parece que estamos caminhando para uma pedagogia do silêncio, acomodação. Pois o politicamente correto, por incrível que pareça, causa estranheza. O Será?! Está no imaginário de cada um. Rumando para a literatura, vejamos o Macunaíma a sua falta de caráter não retrata um pouco da nossa gente? Em nossos dias é triste, injusto e imoral, mas para quem não tem um padrinho dificilmente se estabelece.
27/06/2009 10:36:37
3 Maria Cristina Galli Nacli - Macatuba Sp
Prof João Luis, adorei seu artigo sobre a Pedagogia do politicamente incorreto. Acho que devemos expressar nossas opiniões, sem medo de errar, pois errando é que se aprende.Quando não se fala para ofender as pessoas, as opiniões são sempre benvindas.
24/06/2009 14:34:27
4 Jean Charles de J Moreira - Caçapava SP
Concordo que devemos nos expressar, falar o que pensamos... tornar pública nossas opiniões, mas devemos ter muita cautela, saber a hora exata em que devemos ou não nos expressar.
Eu particularmente já sofri quando alertei meus superiores a respeito de uma falha grave na empresa... e acabei saindo prejudicado, por mais que eu estivesse correto, sai prejudicado e hoje não sei se faria a mesma coisa. Creio deve guardar certas coisas somente para mim e procurar fazer o melhor serviço possível o qual não há o que por defeito. Em fim, é o que penso, só não sei se o que penso é o que devo expressar.
23/06/2009 17:53:59
5 aparecida elisandra mathias de oliveira - Lençois Paulista
Vivemos num mundo onde dizer o que se pensa é quase um crime. Principalmente nas escolas, vivemos o mundo da submissão ao que alguém disse ser correto ou incorreto.
18/06/2009 07:48:44
6 Renata -
Somos da geração que boca calada não entra mosca, mas se ficarmos calados, estaremos concordando com a situação. Se temos um pensamento, e estamos certo disso, devemos lutar até que alguém nos prove o contrário.
05/06/2009 19:16:51
7 ANA MARIA lOURENÇO FERRARI GONTIJO - Campos do Jordão
Muito Bom!...
O politicamente Incorreto,
Fazer o que não é certo
Se atrever no que é incerto
Explorar o diferente...
Mostrar sua cara de gente!
Muito Bom!
Anamaria
29/05/2009 09:14:35
8 Fábio Adiron - São Paulo
Só é preciso tomar muito cuidado quando o politicamente incorreto é um pretexto para ofender ou menosprezar determinadas pessoas, especialmente as que estão em situação de vulnerabilidade.
A liberdade de expressão nãopode incluir obrigatoriamente a liberdade de agressão.
29/05/2009 00:33:48
9 João Aguiar Soares Machado - São Sebastião SP
Temos que ter sempre em mente que se ficarmos calados para não nos expormos, estaremos concordando com todas as barbáries que estão acontecendo ao nosso redor.
Devemos sim, colocar a boca no tronbone e botar para fora todas as nossas frustações com tudo de errado que está sendo cometido em nome de nossa democracia, pelos administradores de plantão.
28/05/2009 11:56:55
10 rosemary dias pinheiro - lençóis paulista
vivemos num mundo onde dizer o que se pensa é quase um crime.
nossa sociedade está tão acostumada a defender a ideia de que o calado é o correto, que na maioria das vezes falar se torna uma contravenção.
se as pessoas começassem a entender o direito à palavra, esta idéia seria desfeita, e todosteriam direito à novas idéia.
27/05/2009 10:38:19
11 lilio - são paulo
Misturar Voltaire, Batman , Coringa, Galileu, por si só, já não seria politicamente correto.
Maravilha podermos discutir a possibilidade de ser incorreto, no correto sentido , é claro. Principalmente nas escolas, vivemos o mundo da submissão ao que alguém disse ser correto ou incorreto. Que tal disponibilizar para crianças e jovens a possibilidade da polêmica? Poderia dar uma pedagogia e tanto. E acho que corretíssima e oportuna.
26/05/2009 12:27:06
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