Um toque na Língua - 21/08/2008
Aula 6
"A competência para grafar corretamente as palavras está diretamente ligada ao contato íntimo com essas mesmas palavras. Isso significa que a freqüência do uso é que acaba trazendo a memorização da grafia correta. Além disso, deve-se criar o hábito de esclarecer as dúvidas com as necessárias consultas ao dicionário. Trata-se de um processo constante, que produz resultados a longo prazo." (Pasquale Cipro Neto & Ulisses Infante, Gramática da Língua Portuguesa).
PROCURE LER TAMBÉM EM BRAILLE, ELE O AJUDARÁ A FIXAR MELHOR A GRAFIA DAS PALAVRAS.
"Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O Professor, assim, não morre jamais..." - Rubem Alves.
"É pela educação, mais do que pela instrução, que se transformará a Humanidade." - Allan Kardec
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UM TOQUE NA LÍNGUA - Lição 06 [23 de maio de 2008]
Aproveitando o intervalo entre as aulas para fazer um rápido lanche, o Professor Edu observa ao longe, sentada sozinha num banco de cimento, que ficava em um dos cantos do grande pátio da escola, uma de suas alunas, com um semblante um pouco triste, parecendo estar bem distante em seus pensamentos. Preocupado, o Professor se aproxima delicadamente e, mesmo interpelando a aluna com uma voz branda e bem amistosa, não consegue evitar o pequeno susto que a faz sobressaltar levemente.
-
Oi, Professor Edu. Que susto! Estava tão
distraída que nem vi o Senhor se aproximar...
-
Desculpe-me, Norminha, realmente não era minha
intenção assustá-la. Mas é
que a vi de longe tão cabisbaixa que resolvi me aproximar
para saber se está tudo bem com você...
-
Tudo bem, Professor... Quer dizer, quase tudo... é que hoje
estou meio pra baixo mesmo... Sabe como é: coisas do
coração...
-
Ah, já entendi! E acho que esta carta que você tem
nas mãos, a qual não pára de alisar,
pode também ter alguma coisa com esse seu estado meio
abatido, acertei?
-
Acertou, Mestre, o Senhor sacou bem! Pra dizer a verdade, este
é um e-mail que imprimi, para ficar lendo quando e onde eu
quisesse. Ele é de um carinha que está muito a
fim de mim, e eu dele também; mas o pior é que
ele ainda não sabe disso...
-
E por que não disse ainda para ele que você gosta
dele também?
- Ah, Mestre!... É porque ele não gosta muito de estudar e, por isso, vive falando e escrevendo um montão de erros de concordância, de regência... e principalmente de ortografia... E isso me deixa muito irritada e decepcionada com ele, pois não queria ter um namorado que todo mundo achasse que era meio burrinho, e por trás, ficasse fazendo piadinhas dele...
-
Principalmente, por todos seus colegas a considerarem uma das melhores
alunas deste colégio, não é mesmo,
Norminha?
-
Isso mesmo, Professor! A galera ia viver pegando no meu pé
quando descobrisse que a gente estava namorando. Acho que
até pensariam que ele tinha ficado comigo para se aproveitar
de mim... para eu fazer os trabalhos dele... para dar cola pra ele nas
provas.. coisas assim. Entendeu, Mestre?
-
Entendi, sim, Norminha. Bem, se essas coisas em que você
acredita possam vir a acontecer, no caso de vocês dois
chegarem a namorar, a incomodam tanto, por que então
você não o incentiva a se dedicar mais aos estudos
e também não o ajuda em suas dificuldades,
mostrando-lhe os pontos em que ele mais erra e explicando-lhe, com
calma e paciência,como evitar esses erros...
-
E o Senhor pensa que já não tentei isso!? Quando
estamos conversando sozinhos, eu aproveito o momento para dar uns
toques nele, como o Senhor costuma dizer em suas aulas, mas ele fica me
olhando com uma cara de deboche, não presta
atenção no que eu digo e ainda fica me
sacaneando, dizendo que, quando eu começo a falar desse
jeito, eu fico parecendo o Professor Edu de saias...
-
Ahahah, Professor Edu de saias foi ótimo!
-
Oh, Mestre! Não ria, não, que a coisa
não é nada engraçada!...
- Desculpe, Norminha, mas tive que rir com essa comparação irônica que ele fez entre nós...
-
Professor Edu... Acho que posso confiar no Senhor... Veja
só, nesta carta, os erros que ele cometeu somente neste
trechinho que marquei aqui. Leia isto:
"...Olha
Norminha, eu sei que não sou um exímeo jogador de
vôlei mas naquele dia que você foi ver o jogo que
eu estava desputando contra a outra escola do bairro, eu fiz de tudo
pra chamar sua atenção e seu interece por mim. E
olha que naquele dia eu nem estava com muita
desposição de jogar mas entretanto, acho que
acabei sendo ultil pro time que mesmo assim, enfelizmente
não ganhou..."
- Terrível, não é mesmo, Mestre?
-
É, querida Norminha, terrível e
lamentável!
-
Mas ainda tem mais. Leia só o trecho que vem logo abaixo...
"...Olha
só gata, as pessoas vivem destorcendo as minhas palavras e
por isso eu queria que você também não
destorcesse elas pensando que eu estou usando de hipocrezia com
você. O que eu estou escrevendo pra você
é pura verdade porque quando te vi pela primeira vez, logo
eu gostei de você e quis ficar contigo..."
- Fala sério, Professor Edu! Não foi a carta onde o Senhor pôde ler o maior número de erros por centímetro quadrado? Agora, estou tentando rir pra não chorar...
-
Pois é, Norminha. Às vezes temos que levar a
coisa com bom humor para não chorar mesmo, pois uma boa
parte de nossos estudantes brasileiros está neste mesmo
nível de seu paquera... E sabe que, principalmente, muitos
desses erros ortográficos poderiam ser evitados se os alunos
simplesmente cultivassem o gosto pela leitura de bons livros!?
-
Eu sei, Mestre. O Senhor vive falando isso pra turma. É
aquele lance da memória visual das palavras, ou da
memória tátil, no caso dos estudantes cegos que
lêem em braille, não é isso?
- Isso mesmo, Norminha. O contato permanente com a grafia correta das palavras, seja em tinta, seja em braille, contribui decisivamente para uma melhor memorização delas, facilitando assim o acesso ao nosso acervo mental de vocábulos ortograficamente corretos quando precisarmos escrevê-los.
Veja bem: se uma criança, desde a mais tenra idade, é incentivada a manter um contato prazeroso com os livros, por exemplo, com os mágicos e encantadores livros de pano ou de plástico, podendo, estes últimos, até mesmo ser dados à criança para ela brincar durante o banho..., essa criança, muito provavelmente, virá a se tornar um grande e permanente consumidor de livros. E por tanto ler e se acostumar com a correta grafia das palavras, dificilmente cometerá erros ao escrever.
-
É verdade, Professor. Meus pais fizeram isso comigo. E acho
que é por causa disso que eu gosto tanto de ler e
também não tive muita dificuldade em aprender as
regrinhas de ortografia e da Gramática em geral.
- Então, por que você também não tenta incentivar esse seu paquera a adquirir o gosto pela leitura, já que me disse gostar dele?
-
Ah, Professor Edu, me dê uns toques aí sobre a
melhor maneira de eu fazer isso!... Gostaria bastante de poder
ajudá-lo, mas não estou sabendo muito bem como
fazer...
-
Ok, vamos lá! Você já deu sua resposta
a essa carta?
-
Ainda não, Mestre. Eu, por enquanto, estava pensando no que
iria dizer a ele...
- Bem, a carta dele, além de ter sérios erros de ortografia, possui mais alguns erros de pontuação, de colocação pronominal, de repetição desnecessária de pronomes, assim como a mistura desses na forma de tratamento... enfim, uma série de incorreções gramaticais que deviam ser revistas; mas vamos, por hoje, nos ater somente à parte ortográfica.
Então um bom toque que lhe dou para começar é responder-lhe a carta, aproveitando para pegar todas aquelas palavrinhas que ele escreveu errado e reescrevê-las corretamente. Como deve saber que você é uma excelente aluna de língua portuguesa, ele vai acabar percebendo que vinha escrevendo erradamente aqueles termos e tentará, da próxima vez, não cometer os mesmos enganos, a fim de não correr o risco de perder a futura namorada.
Desse modo, pegue a expressão "exímeo jogador de vôlei" e a corrija, reescrevendo "exímio jogador". Pegue o tal "desputando" e troque por "disputando", tentando mais adiante igualmente inserir no contexto outras formas do verbo "disputar" e até mesmo o substantivo "disputa", que muito provavelmente ele deva escrever errado também.
-
Puxa, Mestre! Gostei dessa idéia. Continue.
-
Mostre-lhe também que ele conseguiu realmente despertar seu
"interesse" pelo desempenho dele no jogo, aproveitando igualmente para
escrever outras formas derivadas dessa palavra, como "interessar",
"interessante", "interessado", para ele fixar bem que estes termos
são grafados sempre com dois s...
-
E olha, Professor Edu, que eu também já vi muita
gente escrever essas palavras com a vogal inicial "e", em vez de "i", e
até escrever interessante com c cedilha... O pior
é que são palavrinhas que a gente vê
escritas a todo momento por aí, não é
verdade?
-
Sim, é verdade, Norminha. Eu também tenho lido
por aí cada barbaridade de doer o estômago. Mas
vamos em frente. Escreva-lhe dizendo que nem deu para perceber que ele
não estava com "disposição" de jogar
naquele dia, tamanho foi o esforço que ele fez para ajudar o
time a ganhar o jogo, mas que "infelizmente" não deu.
Diga-lhe também que, mesmo tendo o time perdido a partida,
ele foi certamente muito "útil" à equipe.
-
Legal, Mestre! Estou anotando todos esses toques que o Senhor
está me dando para depois preparar a minha resposta. E o
Senhor percebeu também que na frase "...mas entretanto, acho
que acabei sendo util pro time...", ele utilizou duas
conjunções coordenadas adversativas ao mesmo
tempo? Que exagero, né!...
-
Vai ver ele estava querendo dar mais ênfase à
idéia de que tinha sido realmente muito útil ao
time... Mas sem brincadeira, com o tempo, Norminha, e numa melhor
oportunidade, você poderá ensinar a ele, quando
puderem estudar juntos, que na formação dos
períodos compostos, por exemplo, o emprego de duas
conjunções adversativas no início de
uma oração coordenada, como a que ele escreveu,
é totalmente desnecessário e inadequado.
- Nossa, Mestre! O Senhor já está querendo que eu dê aulas particulares de português para ele?
-
Ué, não foi você mesma quem falou que
estava querendo ajudá-lo nesse aspecto? Então,
que tal dar realmente uma de Professor Edu de saias?
-
Ah, Mestre! Não comece a zombar de mim outra vez!
-
É que me lembrei dessa comparação e
não resisti à tentação de
repeti-la... Bem, mas voltemos às nossas
correções da carta do tal carinha. Quando ele diz
que "as pessoas vivem destorcendo as minhas palavras e por isso eu
queria que você também não destorcesse
elas...", procure usar sua privilegiada
imaginação e invente alguma brincadeirinha com a
dupla de parônimos destorcer e distorcer, mostrando-lhe a
diferença de significados desses dois termos, ou seja, que
"destorcer" significa torcer em sentido oposto àquele em que
estava torcido, ou ainda endireitar; e que "distorcer" quer dizer
causar ou sofrer distorção, deformar, desvirtuar,
etc. Guardou, garota?
-
Guardei, Mestre! E pode deixar que usar a
imaginação é comigo mesmo.
Não é à toa que estou fazendo curso de
teatro lá no clube que freqüento...
-
Então, aproveite essa deixa do teatro e diga ao seu paquera
que, em momento algum, você pensou que ele estivesse usando
de "hipocrisia", ou se fazendo passar por um hipokrités,
isto é, um ator, como se dizia na Grécia antiga,
para parecer o que realmente não era, quando lhe fazia
elogios, como se estivesse representando numa peça teatral.
Aliás, essa história de teatro pode dar margem a
muitos papos interessantes entre vocês dois, concorda?
-
Verdade, Mestre! Eu adoro tudo que envolve o teatro e as artes
cênicas em geral... Eu gostaria muito de me tornar uma atriz
de verdade... E pretendo estudar bastante para alcançar este
meu objetivo.
-
Bem, se é assim, minha bela e inteligente donzela, dar-me-ia
a honra de acompanhá-la de volta à sala de aula,
posto que o sinal indicador do término de nosso breve
intervalo recreativo acabou de soar?
-
Pois não, gentil cavalheiro! Será um imenso
prazer para mim ser acompanhada por tão ilustre e
simpático preceptor!
-
Então, tome do meu braço e vamos até
minha carruagem dourada, que irá conduzi-la ao cume deste
glorioso educandário, onde terás tua
próxima preleção.
- Ahahah, o Senhor é uma figuraça, Professor Edu! Só o Senhor mesmo para me tirar do baixo astral em que eu estava e me deixar, assim, mais alegrinha! Obrigada por isso, Professor!
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