Um toque na língua - 21/08/2008
Aula 14
"A competência para grafar corretamente as palavras está diretamente ligada ao contato íntimo com essas mesmas palavras. Isso significa que a freqüência do uso é que acaba trazendo a memorização da grafia correta. Além disso, deve-se criar o hábito de esclarecer as dúvidas com as necessárias consultas ao dicionário. Trata-se de um processo constante, que produz resultados a longo prazo”.
(Pasquale Cipro Neto & Ulisses Infante, Gramática da Língua Portuguesa).
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"Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O Professor, assim, não morre jamais..." - Rubem Alves.
Um toque na língua - Lição14 (24 de junho de 2008)
No dia de São João, o pátio de uma das escolas onde o Professor Edu trabalha está fervilhando de alunos, professores e funcionários, além de outros convidados, que, num clima muito alegre e harmonioso, divertem-se com brincadeiras características das tradicionais festas juninas, aproveitando também para degustar, igualmente com bastante satisfação, as diversas iguarias, típicas desta ocasião.
O Professor Edu, como era de seu costume fazer em todas as festas juninas de que participava, não resistia à tentação de ir de barraquinha em barraquinha, a fim de provar um quitute aqui, um petisco ali, um acepipe acolá... Seu desejo maior, no entanto, era encontrar uma barraquinha em especial, na qual lhe falaram haver uma canjica diferente, muito saborosa, incrementada por ingredientes um tanto exóticos, elaborada pela mãe de uma nova aluna do colégio.
Em sua busca da inusitada iguaria (já que apreciava experimentar novidades culinárias), o Professor Edu é subitamente interpelado por Lucas, um de seus alunos mais folgazões, ainda mastigando um pedaço de um imenso salsichão assado:
-
Oi, Mestre! Tá gostando da festa?
-
Olá, Lucas! Sim, está muito bonita e bem
organizada como sempre. E me parece também que todo mundo
está se divertindo bastante, não é
verdade?
-
É sim, Professor Edu. Eu então tô me
divertindo muito, levando para a cadeia que montamos, lá no
fundo do pátio, os carinhas e as minas que não
querem contribuir pra obra assistencial do Padre Pedro, aquele Padre da
igrejinha que fica aqui perto, o Senhor sabe qual é... E
como me elegeram este ano o xerife da festa... já viu,
né!? Não tô deixando escapar
ninguém!
-
Mas logo você foi ser eleito o xerife, ou melhor, o delegado
da festa, meu caro Lucas?
- Claro, meu bom Mestre! É que souberam finalmente reconhecer a autoridade e a liderança inatas que estão presentes em mim desde criança...
-
Autoridade e liderança inatas, é?...
Você é realmente uma figurinha, hein, meu rapaz!?
Mas me diga uma coisa: por acaso você viu por aí a
tal barraquinha onde estão vendendo uma canjica muito
especial?
-
Vi, sim, Mestre. Tá logo atrás do Senhor.
Também tô querendo provar dessa tal canjica
diferente...
-
Puxa, é mesmo. Nem tinha percebido... Acho que tenho de
trocar o grau de meus óculos...
-
Mestre, por falar em óculos, ajeite melhor os seus e
dê só uma olhadinha no cartaz onde
estão os preços das comidas que são
vendidas nela. Escreveram "cangica com g"! Será por isso que
ela é uma canjica diferente? Ahahah... O que o Senhor acha
de eu ir até lá e prender todo mundo por
infligirem a ortografia da nossa bela Língua Portuguesa?
-
Bem, meu austero delegado Lucas. Se deseja punir os autores desse
atentado ortográfico, você não deve
cometer o mesmo gesto, como acabou de fazer. Caso contrário,
teremos de chamar um outro delegado para prendê-lo pelo mesmo
delito.
- Xiiii, Mestre! E qual foi o delito que cometi agora?
-
Você disse que o pessoal daquela barraquinha tinha
"infligido" a ortografia portuguesa, quando o correto seria dizer
"infringido", do verbo infringir, que significa desobedecer, violar,
transgredir leis, normas, regulamentos, etc. Diferentemente do verbo
infligir que quer dizer aplicar ou determinar uma
punição, um castigo. Lembra do nosso estudo sobre
parônimos, meu rapaz?
-
É isso mesmo, Mestre! Me lembrei agora. Então vou
até lá e direi que eles estão
infringindo as normas ortográficas e, por causa disso, vou
infligir-lhes uma punição bem grave se
não corrigirem imediatamente a palavra canjica, que deve ser
escrita com "j". Gostou da minha construção
frasal, Professor Edu?
- Gostei, Lucas! Você é muito espirituoso mesmo.
-
Mas só uma coisinha, Mestre: o pessoal da barraquinha pode
me perguntar por que canjica se escreve com "j" e aí a coisa
vai pegar, pois eu não vou saber explicar isso... Por esse
motivo, Mestre, explique isso aí para mim, porque se o
Senhor não quiser me ajudar, eu posso prendê-lo
por tentar obstruir os trabalhos policiais e da própria
Justiça, ouviu bem?
- Pois não, Senhor Doutor Delegado! Quem sou eu para colocar qualquer obstrução aos trabalhos de sua autoridade policial... A explicação é a seguinte: devemos usar a letra "j" nas palavras de origem tupi, africana, árabe ou exótica.
Por
exemplo, em canjica, jibóia, pajé, jirau,
alforje, jerico, manjericão, Moji, entre outras. E
também nas palavras derivadas de outras que já
apresentam "j", como em gorjear, gorjeio, gorjeta, derivadas de gorja;
cerejeira, derivada de cereja; laranjeira, de laranja; lisonjear,
lisonjeiro, de lisonja; lojinha, lojista, que vêm de loja;
sarjeta, de sarja; rijeza, enrijecer, de rijo; varejista, de varejo...
- Tá bom, tá bom, Mestre! Não precisa
também humilhar o pobre do delegado aqui...
Esqueça a minha ameaça de prendê-lo.
Tá limpo!
- Ok, Doutor Delegado! mas preste atenção a
somente mais estes exemplos de palavras que se escrevem com "j":
berinjela, cafajeste, granja, hoje, jeito, jejum, jerimum,
jérsei, jiló, laje, majestade,
objeção, objeto, ojeriza, projétil (ou
projetil), rejeição, traje, trejeito, entre
outras.
-
Nossa, Professor Edu! E pensar que todos esses toques que o Senhor
está me dando sobre o emprego da letra "j"
começaram por causa de uma simples canjiquinha...
-
E só por curiosidade, meu caro Lucas, você sabia
que o prato que chamamos, aqui no Rio de Janeiro, de canjica, em alguns
estados do Norte e do Nordeste é chamado de
mugunzá, mungunzá ou manguzá, todas
formas variantes do termo mucunzá?
-
Fala sério, Mestre! Cada variante mais esquisita que a
outra... Prefiro ficar com a nossa canjica carioca mesmo.
Aliás, é melhor a gente ir logo tomar nossa
canjica, com "g" mesmo, antes que acabe...
-
Vamos, sim, meu rapaz. E pode deixar que essa eu pago!
- Falou, Mestre! Então vamos nessa, que canjica é bom à beça!!!
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