Assaltaram a Gramática
Prof. Eduardo Fernandes Paes  Formado em Letras (Português-Literatura) pela Universidade Gama Filho - RJ -, com especialização em Tiflopedagogia. Promove cursos de Atualização em Língua Portuguesa, Informática para cegos e Sistema Braille.

Um toque na língua - 21/08/2008
Aula 14

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"A competência para grafar corretamente as palavras está diretamente ligada ao contato íntimo com essas mesmas palavras. Isso significa que a freqüência do uso é que acaba trazendo a memorização da grafia correta. Além disso, deve-se criar o hábito de esclarecer as dúvidas com as necessárias consultas ao dicionário. Trata-se de um processo constante, que produz resultados a longo prazo”.

(Pasquale Cipro Neto & Ulisses Infante, Gramática da Língua Portuguesa).

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PROCURE LER TAMBÉM EM BRAILLE, ELE O AJUDARÁ A FIXAR MELHOR A GRAFIA DAS PALAVRAS.

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"Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O Professor, assim, não morre jamais..." - Rubem Alves.

Um toque na língua - Lição14 (24 de junho de 2008)

No dia de São João, o pátio de uma das escolas onde o Professor Edu trabalha está fervilhando de alunos, professores e funcionários, além de outros convidados, que, num clima muito alegre e harmonioso, divertem-se com brincadeiras características das tradicionais festas juninas, aproveitando também para degustar, igualmente com bastante satisfação, as diversas iguarias, típicas desta ocasião.

O Professor Edu, como era de seu costume fazer em todas as festas juninas de que participava, não resistia à tentação de ir de barraquinha em barraquinha, a fim de provar um quitute aqui, um petisco ali, um acepipe acolá... Seu desejo maior, no entanto, era encontrar uma barraquinha em especial, na qual lhe falaram haver uma canjica diferente, muito saborosa, incrementada por ingredientes um tanto exóticos, elaborada pela mãe de uma nova aluna do colégio. 

Em sua busca da inusitada iguaria (já que apreciava experimentar novidades culinárias), o Professor Edu é subitamente interpelado por Lucas, um de seus alunos mais folgazões, ainda mastigando um pedaço de um imenso salsichão assado:

- Oi, Mestre! Tá gostando da festa?

- Olá, Lucas! Sim, está muito bonita e bem organizada como sempre. E me parece também que todo mundo está se divertindo bastante, não é verdade?

- É sim, Professor Edu. Eu então tô me divertindo muito, levando para a cadeia que montamos, lá no fundo do pátio, os carinhas e as minas que não querem contribuir pra obra assistencial do Padre Pedro, aquele Padre da igrejinha que fica aqui perto, o Senhor sabe qual é... E como me elegeram este ano o xerife da festa... já viu, né!? Não tô deixando escapar ninguém!

- Mas logo você foi ser eleito o xerife, ou melhor, o delegado da festa, meu caro Lucas?

- Claro, meu bom Mestre! É que souberam finalmente reconhecer a autoridade e a liderança inatas que estão presentes em mim desde criança...

- Autoridade e liderança inatas, é?... Você é realmente uma figurinha, hein, meu rapaz!? Mas me diga uma coisa: por acaso você viu por aí a tal barraquinha onde estão vendendo uma canjica muito especial?

- Vi, sim, Mestre. Tá logo atrás do Senhor. Também tô querendo provar dessa tal canjica diferente...

- Puxa, é mesmo. Nem tinha percebido... Acho que tenho de trocar o grau de meus óculos...

- Mestre, por falar em óculos, ajeite melhor os seus e dê só uma olhadinha no cartaz onde estão os preços das comidas que são vendidas nela. Escreveram "cangica com g"! Será por isso que ela é uma canjica diferente? Ahahah... O que o Senhor acha de eu ir até lá e prender todo mundo por infligirem a ortografia da nossa bela Língua Portuguesa?

- Bem, meu austero delegado Lucas. Se deseja punir os autores desse atentado ortográfico, você não deve cometer o mesmo gesto, como acabou de fazer. Caso contrário, teremos de chamar um outro delegado para prendê-lo pelo mesmo delito.

- Xiiii, Mestre! E qual foi o delito que cometi agora?

- Você disse que o pessoal daquela barraquinha tinha "infligido" a ortografia portuguesa, quando o correto seria dizer "infringido", do verbo infringir, que significa desobedecer, violar, transgredir leis, normas, regulamentos, etc. Diferentemente do verbo infligir que quer dizer aplicar ou determinar uma punição, um castigo. Lembra do nosso estudo sobre parônimos, meu rapaz?

- É isso mesmo, Mestre! Me lembrei agora. Então vou até lá e direi que eles estão infringindo as normas ortográficas e, por causa disso, vou infligir-lhes uma punição bem grave se não corrigirem imediatamente a palavra canjica, que deve ser escrita com "j". Gostou da minha construção frasal, Professor Edu?

- Gostei, Lucas! Você é muito espirituoso mesmo.

- Mas só uma coisinha, Mestre: o pessoal da barraquinha pode me perguntar por que canjica se escreve com "j" e aí a coisa vai pegar, pois eu não vou saber explicar isso... Por esse motivo, Mestre, explique isso aí para mim, porque se o Senhor não quiser me ajudar, eu posso prendê-lo por tentar obstruir os trabalhos policiais e da própria Justiça, ouviu bem?

- Pois não, Senhor Doutor Delegado! Quem sou eu para colocar qualquer obstrução aos trabalhos de sua autoridade policial... A explicação é a seguinte: devemos usar a letra "j" nas palavras de origem tupi, africana, árabe ou exótica. 

Por exemplo, em canjica, jibóia, pajé, jirau, alforje, jerico, manjericão, Moji, entre outras. E também nas palavras derivadas de outras que já apresentam "j", como em gorjear, gorjeio, gorjeta, derivadas de gorja; cerejeira, derivada de cereja; laranjeira, de laranja; lisonjear, lisonjeiro, de lisonja; lojinha, lojista, que vêm de loja; sarjeta, de sarja; rijeza, enrijecer, de rijo; varejista, de varejo...


- Tá bom, tá bom, Mestre! Não precisa também humilhar o pobre do delegado aqui... Esqueça a minha ameaça de prendê-lo. Tá limpo!


- Ok, Doutor Delegado! mas preste atenção a somente mais estes exemplos de palavras que se escrevem com "j": berinjela, cafajeste, granja, hoje, jeito, jejum, jerimum, jérsei, jiló, laje, majestade, objeção, objeto, ojeriza, projétil (ou projetil), rejeição, traje, trejeito, entre outras.

- Nossa, Professor Edu! E pensar que todos esses toques que o Senhor está me dando sobre o emprego da letra "j" começaram por causa de uma simples canjiquinha...

- E só por curiosidade, meu caro Lucas, você sabia que o prato que chamamos, aqui no Rio de Janeiro, de canjica, em alguns estados do Norte e do Nordeste é chamado de mugunzá, mungunzá ou manguzá, todas formas variantes do termo mucunzá?

- Fala sério, Mestre! Cada variante mais esquisita que a outra... Prefiro ficar com a nossa canjica carioca mesmo. Aliás, é melhor a gente ir logo tomar nossa canjica, com "g" mesmo, antes que acabe...

- Vamos, sim, meu rapaz. E pode deixar que essa eu pago!

- Falou, Mestre! Então vamos nessa, que canjica é bom à beça!!!

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