Formado em jornalismo, Paulo Lutero II foi professor em Gana. Jovem chegou a apagar o Facebook para se concentrar nos estudos.
Cauê Fabiano, G1, São Paulo
“Minha bochecha estava doendo porque eu não conseguia parar de sorrir”, confessou Paulo Lutero II, de 25 anos, diante da aprovação no curso de medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), após a divulgação da primeira chamada do Sisu na segunda-feira (26). O jovem, que mora em São Paulo (SP), pretende se mudar e começar uma vida nova na capital mineira, tudo para realizar um velho sonho: dedicar a vida e a profissão à filantropia.
A vaga no curso, um sonho antigo do recém-aprovado, foi conquistada com um resultado de 813,1 pontos no Enem de 2014, com destaque para 980 pontos na redação – fruto de uma rotina com uma disciplina poderosa, que incluiu sair do Facebook, estudar quase 16 horas por dia e “esconder” o celular na gaveta na hora das leituras.
Paulo, contudo, traçou um caminho mais demorado que o habitual para começar “sua primeira escolha”, como definido pelo próprio. “Tentei direto do colégio e não passei. No cursinho tive pânico de não conseguir entrar, e descobri que gostava muito de humanas”, relatou Lutero II ao G1, contando que ficou receoso ao prestar, em seguida, cursos na área de humanas.
“Tinha medo da reação dos meus pais, de mudar o curso para ciências sociais, e acabei ficando em jornalismo, porque gostava de escrever”, contou Paulo, que concluiu apenas o curso de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, em 2012. Apesar de ter passado em primeiro lugar na USP, cursou essa segunda carreira por apenas um ano e meio, junto com a faculdade de jornalismo, mas acabou desistindo na metade do caminho.
Sem Facebook
Em 2014, disciplina nos estudos foi um dos pontos-chave da preparação. Para ter atenção máxima, Paulo Lutero II apagou seu perfil na maior rede social do mundo e tomou diversas precauções para não perder o foco. Na hora de estudar no cursinho, o celular ficava desligado, trancado na mochila. Em casa, só guardado na gaveta, e no modo silencioso.
“Estudava de domingo a domingo. Quando voltei pro cursinho, eram 16 horas por dia de estudo, com a aula e estudo em casa. Às vezes, tinha aula até as 18h”, lembrou Paulo, que só passou a voltar a sair a partir do segundo semestre do ano passado, quando precisava relaxar após um período de muito estresse.
“Foi a partir de julho que dei uma relaxada. Era mais sair durante o dia e ir ao cinema, que eu curto muito. Mas nada de noite – fiz questão de dormir pelo menos 8 horas por noite. Se eu estivesse um pouco cansado, já era um dia perdido”, descreveu. “Sempre me dei muito melhor prestando atenção na aula do que estudando por conta própria”, explicou o futuro calouro de medicina.
Roteiro humanitário
Paulo Lutero II passou um ano a mais do que o habitual na faculdade de jornalismo, e acabou não conseguindo cumprir o prazo de matrícula no semestre seguinte na USP. O motivo? Uma viagem de mais de um ano voltada para trabalhos humanitários, passando pela África e Oriente Médio em 2011. “Estava no terceiro ano da faculdade, e queria dar um respiro, parar para pensar o que eu queria na vida. Vi essa viagem de uma organização internacional e fiquei 8 meses morando em Gana, em um vilarejo na zona rural, com umas 180 pessoas”, contabilizou Paulo, que trabalhava como professor para cerca de 80 crianças no local.
“Dava aulas de segunda a sexta, a princípio de inglês, mas também matemática, estudos sociais, ciências, de tudo”, lembrou o jovem, que teve ainda a iniciativa de criar um programa de aulas de alfabetização em inglês para adultos, que ministrava aos fins de semana. “Em Gana, percebi o quanto eu queria fazer medicina. Vi médicos trabalhando lá, na Cruz Vermelha, Médicos Sem Fronteiras”, ressaltou.
O próximo destino seria a Nigéria. Mas, por causa de um problema com o visto e, segundo ele, uma "exigência" de pagamento de propina para as autoridades locais, com o objetivo de estender sua permanência em Gana, Paulo foi para Haifa, no norte de Israel, onde trabalhou por 5 meses em diversas profissões, como jardineiro, lavador de pratos e até em fábricas de componentes de lâmpadas.
“Era algo bem Charlie Chaplin: ficava na mesma máquina, fazendo a mesma coisa, retirando o componente do tonel de tinta, esperando secar, e colocando em uma plataforma”, descreveu Lutero II, em referência o filme “Tempos modernos”.
Após a volta ao Brasil e a graduação na Cásper Líbero, o jornalista ainda passou o Natal e Réveillon de 2013 para 2014 no Haiti, auxiliando em acampamentos e orfanatos, antes de finalmente começar os preparativos para o Enem, mirando no vestibular de medicina.
Malas e objetivos
Preparando a viagem para Belo Horizonte para fazer a matrícula na UFMG, Paulo já aproveitará a semana para ver um apartamento para morar, já que a mudança será definitiva durante todo o curso. Na carreira, o estudante pretende focar em cirurgia geral, medicina de emergência e traumatologia, essenciais para trabalhos humanitários.
“Meu objetivo com a medicina, desde o primeiro momento, é trabalhar em alguma agência humanitária. Minha ideia é me formar e trabalhar aqui em esquema de comunidades que não têm atenção, como o "Mais Médicos”, explicou Paulo, adicionando que quer trabalhar em situações de guerra e desastres naturais, principalmente como médico socorrista.
À beira do início do curso de medicina, Paulo Lutero II relembrou o valor de fazer o que se gosta, mas sem deixar de destacar que, além de seguir seus sonhos, é preciso reconhecer seus privilégios.
“Se a pessoa conseguiu chegar no nível de sonhar e desejar uma coisa tão grande, ela já faz parte de um grupo muito privilegiado. Uma parte muito maior não só do mundo, mas do Brasil mesmo, não consegue nem chegar nisso. Uma vez conseguindo atingir isso, que nem eu que demorei chegar até os 25 anos para conseguir, lembrem de honrar isso e que consigam, algum dia, devolver isso para a sociedade”, concluiu.
Fonte: G1
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