A história do menino que construiu um fliperama com caixas de papelão, na frente da loja de autopeças do pai, em Los Angeles, rodou o mundo assim que o vídeo caiu na internet, lá pelos idos de 2011. Caine, aos 9 anos, provavelmente não tinha ideia de que se encaixava numa tendência mundial: o maker movement (algo como o movimento do faça acontecer, em tradução livre). Embora fazer aquilo fosse apenas um hobby, ele já sabia como monetizar. Cobrava centavos por uma ficha que permitia qualquer visitante jogar.
Depois que milhões de pessoas conheceram a sua “engenhoca” via web e sua iniciativa lhe rendeu elogios nos mais diferentes idiomas, ele caprichou na produção, as máquinas de papelão ocuparam mais espaço na loja do pai, tornaram-se “point” em Los Angeles e passaram a ser mais que um passatempo. São hoje o criativo e próprio negócio do pequeno Caine.
O menino fez tudo sozinho, por isso, além do Maker Movement, encaixa-se também no DIY (Do It Yourself, ou faça você mesmo), sigla que vem sendo repetida à exaustão nos nichos empreendedores contemporâneos, mas que já tinha toda a força lá nos anos 70, na cultura punk, que a abraçou. Meninos como Caine na verdade são um problema para os modelos de educação que não privilegiam a criação e insistem, ainda, na repetição de padrões. Sempre foram. Mas em tempos de cultura digital, em que o conhecimento pode se compartilhado em rede e ferramentas digitais acessíveis expandem as possibilidades da prototipagem e recriação, eles são um nicho que se opõe ao pasteurizado, e que ganha espaço.
Em 2012, a DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), agência criada pelos militares americanos na década de 50, premiou o “Mentor”, uma iniciativa que tinha a proposta instalar “makerspaces” em 10 escolas da Califórnia. Os espaços já estão funcionando e a previsão é que chegue a mil escolas até 2015.
Um dos gestores do projeto, o engenheiro empreendedor americano Saul Griffith, que entre tantas empreitadas tem no currículo o howtoons - site com conteúdos voltados à criação e baseados em ciência – defende o maker para além dos muros da escola. “Fazer pode ser visto como uma habilidade de vida, e pode estabelecer um interesse legítimo ao longo da vida em ciência e tecnologia.”
Se o nicho de mercado em que estava não fazia a menor diferença ao menino Caine que brincava enquanto construia fliperama, para os sócios da empresa brasileira Metamáquina, que tem como principal produto uma impressora 3D, isso é assunto sério. Balizador.
Um dos três sócios, Felipe Sanches, o Juca, faz parte do movimento ativista pela software livre e defende, desde os tempos de estudante, os códigos abertos. Criar, recriar, construir, reconstruir são termos que estão na base do negócio que hoje administra. Quando decidiu abandonar a faculdade de engenharia na POLI-USP, anos atrás, foi porque, segundo ele, não encontrava espaço suficiente dentro da universidade para tratar disso em projetos hands-on (mão na massa). “Fui fazer coisas mais interessantes”, diz ele referindo-se à imersão em ambientes de educação informal mundo afora, como os hackerspaces.
Circulando nesses espaços, Juca topou com uma máquina 3D. Na volta ao Brasil, decidiu explorar os códigos e tentar construir uma outra. Começou no melhor estilo “fundo de garagem” mesmo. Se fosse para encaixá-lo em sigla, não serviria para ele a DIY, mas sim a DIWO (Do it with Others), pois a imersão teve companhia, e depois de uma primeira versão da máquina bem-sucedida o grupo de amigos-sócios partiu para um modelo mais robusto. Maker Movement não é apenas fazer. É também descobrir, evoluir. “Primeiro nós trabalhamos em cima de algo muito próximo do que já existia, tendo como referência a RapRap, criada pelo engenheiro britânico Adrian Bowyer, e depois, por uma demanda mesmo de produção, fomos construindo a segunda máquina, que tem o dobro de volume de impressão”, explica Juca.
Vídeo para entender como funciona a Metamáquina 2:
Se a impressora 3D pode ser tida como um símbolo do Maker Movement que acontece em ambientes de startups e que sinaliza que a conectividade e a cultura livre permitem que o garoto hacker de São Paulo faça o mesmo produto que um estudante de Hong Kong, também pode ser, para alguns, uma solução que representa o desperdício, dependendo do contexto em que esteja inserida, como defende o pesquisador e fundador do projeto Metarreciclagem, Felipe Fonseca.
O Maker Movement, para ele, pode e deve levar em conta os saberes tradicionais. “A cena maker e de prototipagem mundo afora dificilmente leva em conta esses saberes, e isso faz com que novos produtos sejam criados quando muita coisa poderia ser feita de forma mais artesanal, mas tradicional mesmo”, aponta Fonseca, que atualmente mora em Ubatuba e observa as gambiarras locais que impactam positivamente na comunidade e que não são, necessariamente, novas prototipagens de produtos que, a seguir, devem ser produzidos em massa.
Longe de ser opor à cultura digital e às soluções que envolvem o digital, o que ele defende é que Maker Movement não é necessariamente problematizar demais o que pode ter caminhos mais simples. “A impressora 3D poderia, em alguns casos, ser substituída por uma máquina mais simples. Uma cortadora de vinil, que a gente encontra facilmente na Zona Oeste de São Paulo, poderia resolver muita coisa”, diz. “Claro, em alguns casos”, reforça.
Consertar, reparar, desconstruir e construir criticamente são, para o maker Fonseca, caminhos para a apropriação da tecnologia de uma forma consciente. Para se fazer entender, Felipe diz que gosta de contar uma história ocorrida na Metarreciclagem, quando “o amigo de um amigo” ficou sem computador e foi atrás do grupo, pedindo um pronto, que tivesse sido reciclado e estivesse funcionando. “A resposta que ele teve foi que se a gente entregasse a ele um computador não estaríamos o presenteando, mas sim o roubando”. A cara de desentendido do visitante se desfez quando lhe foi explicado que o roubo seria de todo o conhecimento que, montando o próprio computador, ali naquele grupo, ele poderia adquirir.
Fonte: Porvir
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