Sistema de leitura e escrita que é utilizado por cegos enfrenta as mesmas
alterações ortográficas da escrita comum.
Prioridades do Ministério da Educação neste ano incluem adaptar acentos e
hífens de livros em braile e capacitar professores de alunos cegos.
Os brasileiros que não enxergam também têm suas dúvidas nos acentos que
caíram e nos hífens que apareceram ou desapareceram na virada do ano, quando
as regras impostas pelo Acordo Ortográfico entraram em vigor no país.
Tudo o que mudou no português escrito mudou da mesmíssima maneira no
português convertido em braile, o sistema tátil usado por cegos do mundo
inteiro para ler e escrever.
"Todos nós memorizamos as palavras na grafia antiga. Agora precisamos
reconstruí-las na memória com a grafia nova. A diferença é que vocês fazem
isso com os olhos e nós [cegos], com os dedos", explica Maria da Glória
Almeida, chefe-de-gabinete do Instituto Benjamin Constant, no Rio, dedicado às pessoas com deficiência visual.
O Acordo Ortográfico tem impacto no braile porque as palavras desse sistema
também são escritas letra a letra. Uma letra tem até seis pontinhos em alto
relevo. Cada uma se forma com um número e uma disposição própria de
pontinhos.
Os acentos e o trema mudam esse arranjo. O dedo treinado de um cego sente a
diferença entre "ü" e"u" e entre "a" e "á".
Se "microonda" agora é "micro-onda", a mesma palavra no braile deixa de ter
nove caracteres salientes e passa a ter dez -o hífen têm seus pontinhos
característicos.
As mudanças ortográficas haviam sido definidas em 1990 por países que têm o
português como língua oficial. O objetivo do Acordo, agora colocado em
prática no Brasil, era unificar a escrita do português e torná-lo mais forte
no cenário mundial.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 0,5% da população do planeta não
enxerga. O Brasil teria, por essa conta, 950 mil cegos -o equivalente aos
moradores de Cuiabá e Florianópolis somados.
As escolas brasileiras têm, de acordo com o Ministério da Educação, pouco
mais de 8.600 alunos cegos, a maioria deles nas mesmas salas de crianças e
adolescentes que enxergam.
As lições de braile são dadas fora do horário regular de aula e normalmente
vão até a 4ª série, época em que as crianças já conseguem dominar o sistema."As nossas preocupações agora são orientar os professores e garantir que a
produção dos livros didáticos em braile esteja compatível com a nova
grafia", afirma Martinha Clarete Dutra, que responde, no Ministério da
Educação, pelas políticas de inclusão.
Martinha é cega. "Apesar de lidar com esse tema todo dia, ainda me pego
escrevendo na grafia anterior. Estamos tão habituados... Só depois lembro
que aquele acento não existe mais", ela conta.
Por enquanto, não está errado escrever na forma antiga. Até dezembro de
2012, as grafias novas terão de conviver com as velhas -será um período de
transição. A partir de 2013, porém, só serão aceitas como corretas as novas
regras.
A língua dos sinais, usada pelos surdos, não foi afetada pelo Acordo, já que
cada gesto normalmente representa uma palavra inteira. (
Fonte: Folha de São Paulo)