Integração entre teoria e prática prepara os futuros profissionais para os desafios da sala de aula
O que é mais importante para ser um bom professor: ter o domínio do conteúdo ou saber como ensinar? Essa questão tem impulsionado muitos debates sobre formação inicial de professores no país. Ter uma sólida formação teórica não garante estar preparado para enfrentar os desafios da sala de aula. Para aproximar os futuros profissionais da realidade da escola, algumas instituições de ensino superior estão superando esses dilemas e investindo em uma maior integração entre teoria e prática.
A busca pelo diálogo com o ambiente escolar está entre as preocupações centrais curso de licenciatura em geografia da Unesp (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”), no campus Ourinhos. Por meio de diferentes experiências pedagógicas, desde o primeiro semestre os universitários entram em contato com escolas públicas da região e compartilham experiências com professores em atuação.
Esse trabalho para ambientar o futuros professores da educação básica começou em 2008, quando foi criado o Núcleo de Ensino de Ourinhos, responsável pelo desenvolvimento de pesquisas e atividades de ensino nas escolas do município. Resultado de um esforço coletivo de docentes da universidade, o espaço busca articular a teoria e a prática na formação dos novos profissionais.
“Nós consideramos as escolas como um local de formação importante”, defende a professora Márcia Cristina de Oliveira Mello, coordenadora do núcleo. De acordo com ela, o processo inicia pelo contato com a prática nas escolas, depois os alunos refletem com base na teoria e, por fim, retorna-se ao ambiente inicial com caminhos para superar os desafios encontrados, como a melhoria do planejamento de ensino e a avaliação de atividades.
Durante diferentes disciplinas do curso de geografia, os futuros professores têm a oportunidade de participar de projetos com incidência nas escolas. Em educação ambiental, por exemplo, já desenvolveram um projeto de conscientização ambiental com alunos do ensino fundamental e médio da Escola Estadual Josepha Cubas da Silva, onde debateram sobre a canalização de um córrego da comunidade. Neste ano, durante outra disciplina, um grupo de graduandos visitou escolas itinerantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para refletir sobre gestão democrática, organização do ensino em ciclos e mecanismos avaliativos com acompanhamento individual dos alunos.
Para conectar a universidade às escolas da região, outro projeto desenvolvido pelo curso é a “Semana do ensino de Geografia nas escolas”. Os alunos do estágio supervisionado assumem o compromisso de organizar um evento acadêmico nas escolas onde estão atuando. Eles preparando debates, palestras e aulas que contam com a participação de docentes da Unesp. A ação também envolve alunos da educação básica, professores e gestores. “Os nossos alunos não só aprendem, mas também têm a oportunidade de ensinar o que eles sabem. Acaba se tornando um momento de formação continuada para a equipe da escola”, explica Mello.
Residência Pedagógica
De forma parecida com o que acontece na medicina, a residência pedagógica também é um dos caminhos para a articulação entre teoria e prática durante a formação de professores. Em São Paulo, no Instituto Singularidades, os graduandos têm a oportunidade de vivenciar o ambiente da escola e os dilemas da profissão.
Por meio de parcerias com programas de políticas púbicas, os universitários atuam em escolas auxiliando crianças com dificuldade de aprendizagem. “Nosso estudante participa de um estágio remunerado e experimenta todos os dilemas da profissão. Ele planeja, intervém e atua como regente de algumas atividades supervisionadas”, conta a professora Ivaneide Dantas, coordenadora de Residência Pedagógica do Singularidades.
A atuação dos alunos na escola é acompanhada por um docente do ensino superior, que orienta o futuro professor e aponta seus erros e acertos. De acordo com a professora Elizabeth Sanada, do curso de pedagogia, a inserção do aluno no ambiente da escola faz com que ele tematize e traga discussões para a universidade sobre o que acontece na escola. “Eles trabalham as questões teóricas em sala de aula e começam a observar como outros professores lidam com elas”, conta.
Segundo a coordenadora de Residência Pedagógica, a aproximação com a realidade da escola e a inserção dos alunos na sala de aula como observadores desde o primeiro semestre fazem diferença na formação. “Nós temos como pressuposto o princípio de que a formação do professor tem que acontecer na sala de aula. O nosso foco é a sala de aula”, defende Dantas.
Resgate da identidade das licenciaturas
No interior do Paraná, a UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa) também identificou a necessidade de aproximar os seus alunos da realidade da sala de aula. Em 2002, quando o Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores, dando ênfase para o papel das licenciaturas de prepararem novos profissionais da educação, a instituição constituiu uma Comissão de Coordenação Geral das Licenciaturas, que tinha o objetivo de ajudar os cursos da instituição na elaboração dos seus projetos pedagógicos.
Até então, os cursos de licenciatura da universidade não tinham uma identidade própria. Enquanto a parte pedagógica era centrada no departamento de educação, o departamento específico não se envolvia com as questões de ensino. “A discussão pedagógica e o se perceber professor acontecia apenas no terceiro ano, quando o aluno chegava até a parte de metodologia ou estágio supervisionado”, lembra a professora Graciete Tozetto Goes, que na época era pró-reitora de graduação da universidade.
Em um processo para garantir identidade aos cursos de licenciatura, em 2003 a universidade lançou os Colegiados dos Cursos de Licenciatura, que anteriormente eram separados dos cursos de bacharelado. “Quando você fala de identidade das licenciaturas, não está dizendo que a matemática é igual a física ou a química. Há uma identidade que é o conhecimento da prática pedagógica e o contexto da escola. Isso é o que favorece sermos todos licenciaturas”, diz.
Para trazer essa reflexão do contexto da escola desde o começo do curso, a instituição investiu na implementação de uma disciplina articuladora, que é distribuída em todas as etapas das suas 11 licenciaturas. “A disciplina articuladora faz parte do projeto pedagógico da instituição. Cada curso fez a organização de acordo com as características da sua área. Não existe um programa único, mas todos precisam ter essa articulação de alguma forma”, explica.
Na pedagogia, por exemplo, a disciplina articuladora da segunda etapa tem como foco a sala de aula. Os alunos fazem uma interação com a escola e observam aulas para levantarem questionamentos. O trabalho pode envolver desde os professores da didática, até os de filosofia e história da educação. Já em ciências biológicas, a disciplina articuladora da terceira etapa inclui o apoio e desenvolvimento de uma feira de ciências.
“O grande ganho da disciplina articuladora é que o coletivo de docentes do curso consegue se perceber como formadores de professores. Um professor de mecânica, em física, precisa saber que ele também está formando um professor”, diz Graciete. “Não vamos melhorar enquanto o professor do curso de licenciatura não se sentir responsável pelos professores que ele está formando. O aluno precisa ter o exemplo”, completa a professora Olinda Thomé Chamma, presidente da Comissão Permanente das Licenciaturas.
Na universidade paranaense, cada curso também tem o seu laboratório de ensino, onde pode fazer experiências a partir de assuntos abordados na educação básica. As atividades podem variar, desde o desenvolvimento de oficinas com alunos, até a realização de experimentos e medições.
Fonte: Porvir
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