"Que Brincadeira é Essa!?" foi escrito e ilustrado por 19 alunos de 6 a 8 anos. Bolinha de gude, carrinho de rolemã, pião e outros 16 jogos foram descritos.
Para resgatar brinquedos e brincadeiras utilizados por crianças de décadas atrás, dois professores de uma escola pública do bairro Nova Sousas, em Campinas (SP) idealizaram um livro que reúne a forma como crianças de 6 a 8 anos de hoje entendem esses passatempos, considerados ultrapassados na era digital. "Que Brincadeira é Essa!?" reúne 19 diversões e foi publicado em novembro com textos e desenhos dos próprios estudantes. Durante a produção, os jovens aprenderam a usar cada brinquedo e, como consequência, ganharam novas formas de integração social.
"Essas brincadeiras, diferentemente do videogame, estimulam, além da concentração, os exercícios físicos e a coletividade", diz a professora Cristina Maaria Campos, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Angela Cury Zákia. Ela e o professor de artes Paulo Cesar de Campos desenvolveram a publicação com todos os alunos do 1º ano do ensino fundamental. "Além da movimentação, tem a questão da disputa. Nos jogos eletrônicos, há um vencedor, mas em muitas dessas brincadeiras antigas, como pular corda, é só uma diversão", complementou o professor.
A produção começou em agosto, a partir de outro projeto desenvolvido por Cristina com os alunos. "Uma vez por mês, levo toda turma na casa de uma das crianças e ouvia dos pais que eles não brincam mais como antigamente", afirma a professora. A partir daí, cada uma das brincadeiras eram aprendidas pelas crianças junto com os professores.
Escrita e ilustração
Depois do processo de aproximação com os brinquedos, cada criança escolheu uma brincadeira e a descreveu. A revisão dos textos foi feita pelo professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp João Wanderlei Geraldi. " Perguntei para ele (Geraldi) se deveria manter os termos usados, como "catar". Ele me respondeu que sim, que isso é a linguagem dos alunos no texto. Depois, pediu para revisar todos", explicou a professora, que é doutoranda pela universidade.
Brincadeiras
As brincadeiras descritas foram salada mista, pular corda, stop, bicicleta, pega-pega, carrinho de rolemã, esconde-esconde, pega corrente, bolinha de gude, peteca, boneca, pula elástico, pega-pega fruta, futebol, cama de gato, morto-vivo, capucheta, pião e amarelinha. "Ficaram algumas de fora, e outras, como bicicleta, foram sugeridas pelas alunas", explicou Cristina.
Já para a ilustração, o professor de artes explicou que cada aluno produziu, pelo menos, cinco versões de cada desenho. "Fizemos em papel sulfite, com lápis de cor, depois passamos para outras técnicas até chegar no papel couchê com canetinha, que foi o final", afirmou Campos, que é formado em artes visuais pela PUC-Campinas e está há quatro anos na Emef Angela Zákia.
"Assim como nos textos, tentei sempre manter a essência de cada criança, explicando que era um desenho de imaginação, que poderia fugir da realidade". O professor é o autor da capa do livro. "Produzi junto com os alunos, enquanto eles faziam os deles, eu fazia a capa", explicou Campos. Segundo ele, a ideia foi retratar os elementos contidos no livro e os pequenos autores.
"Não sabia o que era capucheta"
A aluna de 6 anos Nicolli Dias foi a encarregada de descrever e ilustrar a capucheta, um brinquedo que ela nunca tinha ouvido falar. "Capucheta é uma pipa de jornal que voa", resume. Perguntada sobre o desenho, a estudante traduziu a imaginação. "Sou eu com minha mãe e minha avó soltando capucheta", disse, com um sorriso, ao observar seu desenho.
Já Nathalie Ferreira, de 8 anos, se apaixonou por cama de gato. "Minha mãe fala que pareço uma vaca encalhada porque só brinco disso", contou. Ela desenhou a si mesma a sua mãe brincando com o antigo e simples emaranhado de cordas em uma casa cor-de-rosa.
O agitado Hugo Alves Costa tem 7 anos e relata sua habilidade aguçada para brincar de esconde-esconde e salvar "o mundo". "Eu e meu amigo Guerino fazemos uma grande dupla, sempre ficamos por último", descreveu.
Divulgação
O livro não está à venda e foram feitas 150 cópias da publicação. Os dois professores ficaram com 25 livros cada, 19 foram enviados para os pais e o restante está na própria escola, para ser usado na aulas. "O projeto é enviarmos para todas as escolas do município, de ensino fundamental e básico", disse a professora Cristina.
"Os meus eu dei de presente para quem nos ajudou, como por exemplo o pessoal da Unicamp", concluiu Cristina, que dá aulas há 20 anos e está faz dois na escola do bairro Nova Sousas. O professor de artes também deu a mesma finalidade às cópias dele, mas guardou alguns de recordação.
Por que é dificil brincar na escola?
A mestranda da Unicamp Luciana Dias de Oliveira, na dissertação “Bem-vinda à escola: o ingresso da criança no primeiro ano do Ensino Fundamental sob o olhar docente e a perspectiva do brincar”, mostra a cobrança que os alunos recebem na escola quando entram no ensino fundamental, um outro lado do trabalho realizado com as crianças da Emef Ângela Cury Zákia.
Para Luciana, o que antes era lúdico e fundamental no ensino passa a ser marginalizado assim que entram em uma nova etapa de disciplina e cobranças. A pesquisa foi realizada em duas escolas municipais de Indaiatuba e apontou que a movimentação e diversão, antes consideradas comuns no ambiente escolar, estão sendo deixadas de lado cada vez mais para o empenho em cumprir as tarefas, colocando as brincadeiras como "recompensa" apenas após o término de obrigações. “O brincar que era apropriado dentro da educação infantil, deixou de ser algo importante mas equivocado até, porque atrapalha a sala de aula."
Fonte: G1
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