"Apesar de manter a mesma estrutura curricular, o ensino médio está ganhando uma nova dinâmica com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)". Na matéria abaixo, publicada na revista Gestão Educacional, a jornalista Carolina Mainardes fala sobre como as mudanças no Enem mudaram (ou mudarão) a rotina nas escolas.
Uma nova dinâmica escolar
Por Carolina Mainardes
Apesar de manter a mesma estrutura curricular, o ensino médio está ganhando uma nova dinâmica com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em conjunto com os concursos vestibulares das maiores universidades do País – como o da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), que seleciona alunos para a Universidade de São Paulo (USP) e a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, e o da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) –, o Enem, desde sua nova concepção em 2008, quando foi reformulado e passou a ser utilizado como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais, ampliou sua proposta com uma prova mais moderna, com foco em conteúdo, competências e habilidades e deixou para trás um formato de exame considerado ultrapassado, em que era privilegiada a chamada “decoreba”. Além da ampliação de oportunidades para os estudantes ingressarem nas universidades, ganha espaço a formação do aluno com pensamento crítico, capaz de analisar com mais profundidade as quees globais e contextualizar os conteúdos das disciplinas, e a do cidadão voltado à resolução de problemas e à participação na sociedade. “A escola tem o papel fundamental de formar um aluno mais preparado para o mundo e para assumir responsabilidades social, econômica e ambiental. Mas, para isso, a escola tem que mudar, e é uma mudança cultural e que resultará em um mundo melhor”, acredita o professor Gilberto Alvarez, especialista em Enem e diretor do Cursinho da Poli, de São Paulo.
Para Edmilson Motta, coordenador-geral do Sistema Etapa, essa nova concepção dos exames exige mais do estudante. “Isso é muito positivo, e a escola tem que ajudar o aluno a dar conta desse aprendizado, que envolve o conteúdo das disciplinas, aliado à boa capacidade de interpretação das várias linguagens, de elaboração de texto e de trabalhar bem com a informação, que hoje está disponível em diversos formatos. São competências que o aluno precisará não apenas para os estudos, mas para seu futuro como cidadão, como alguém produtivo e participativo na sociedade”, afirma.
Nessa nova perspectiva de aprendizado, a contextualização e a interdisciplinaridade estão presentes, além de outras questões que modificam a estrutura curricular e, muitas vezes, a dinâmica e o projeto pedagógico da instituição. “Há, hoje, uma grande reflexão da escola sobre o que fazer em seus projetos pedagógicos para dar conta dessas mudanças, iniciadas pelo Enem, mas que também são observadas nos principais vestibulares. O conteúdo é cobrado de forma diferente, e o aluno é obrigado a relacionar disciplinas e contextos”, comenta Alvarez. Ele alerta que, apesar das mudanças, o conteúdo disciplinar continua presente no currículo. “Muitas escolas encaram a seguinte crise: Será que ainda temos que fornecer ao aluno todos os conteúdos das disciplinas?”, comenta. E o próprio professor responde: “Sim, o aluno tem que saber química, física, matemática etc. O que mudou é a forma de compreensão do mundo e da disciplina, e isso é bom”. No formato de aula atual, o aluno é chamado a discutir temas contemporâneos por meio da relação entre as disciplinas. “As escolas têm muita dificuldade de inovar em seus projetos pedagógicos”, adverte Alvarez, que relaciona essa dificuldade ao fato de o educador de hoje ter aprendido em um formato focado nas disciplinas. “Por isso, essa mudança tem que vir imbuída de uma mudança de cultura dos professores e dos gestores escolares”.
Edmilson Motta também ressalta a importância de o aluno ter domínio do conteúdo básico de cada disciplina, para que ele possa ter, inclusive, sucesso no ensino superior. “Atendendo bem isso – o que não é fácil –, a escola pode então optar por uma série de ações para trabalhar a interdisciplinaridade e a contextualização”, comenta. Ele cita o exemplo do Colégio Etapa, de São Paulo, onde são desenvolvidos clubes de debates, cursos de atualidades e aulas com disciplinas integradas para os alunos do ensino médio. “Há uma infinidade de temas que permite esse tipo abordagem. Mas isso precisa estar sobre uma base de formação sólida, bem estruturada”, alerta.
O coordenador do Sistema Etapa analisa que os próprios vestibulares foram mudando, a fim de ter um processo que garanta uma boa avaliação do aprendizado e do impacto da escola na formação do indivíduo. “E essas mudanças acabaram naturalmente alinhadas com as preocupações do Enem com um conhecimento mais contextualizado e integrado”, avalia. E reafirma: “O conhecimento específico aparece, mas em uma situação que exige capacidade interpretativa e de entendimento maior, o que é muito positivo”.
Alvarez acrescenta que as escolas sofrem porque há poucas experiências de projetos que realmente preparam o aluno – arejado, crítico, autônomo, leitor – não só para o Enem, mas para a vida em sociedade. “A escola deveria se preocupar menos com o Enem, como diretriz, e muito mais com que tipo de aluno ela quer formar para atuar na sociedade. O ideal é que a escola, em seu projeto pedagógico, tenha isso definido”.
Motta completa que a formação atual do aluno constitui uma preocupação de duas vias: a do conhecimento e a do domínio de várias linguagens. “A escola que não prestar atenção a isso estará deixando de propiciar muitas oportunidades para seus alunos, pois é necessária uma formação mais completa, não importa o curso que o aluno vai fazer, ele tem que saber lidar com essa integração de disciplinas, com um contexto mais elaborado, com entendimento das disciplinas básicas”, alerta.
Formação do professor
Um novo jeito de ensinar exige uma nova maneira de atuar do professor, ou seja, nesse contexto de aprendizagem para a vida e de preparação para o Enem e os principais vestibulares do País, é necessária a atuação de um professor que deixa de ser o detentor da informação para ser um mediador do conhecimento. “O professor tem que mudar e a sua forma de ensinar, também. Cabe ao professor, agora, selecionar as informações que são importantes e fazer com que os alunos as acessem e as transformem em conteúdo”, considera Alvarez. Ele acredita que as novas tecnologias são ferramentas de ensino e aprendizagem que devem ser utilizadas. “O professor tem que começar a encarar os tablets, os smartphones, os notebooks e os e-books como mecanismos de ensino”, acrescenta. Na opinião do coordenador do cursinho da Poli, é papel da escola auxiliar o professor em sua preparação e capacitação. Ele acredita que uma boa aula é composta de várias ferramentas, e, dependendo do conteúdo que o professor for ministrar, uma pode ser melhor que a outra. Alvarez defende ainda que as ferramentas tradicionais para ensinar também são válidas: “a lousa, o livro e o caderno devem ser usados, mas também é importante inovar. Nós temos uma escola em que é muito comum o professor falar bastante e o aluno não falar e, quando ele fala, é [considerado] indisciplina. Porém, tudo tem seu momento. Quando é uma aula expositiva, o aluno tem que ficar quieto. Mas a escola precisa fazer com que esse aluno possa se expressar e criar projetos, espaços e tempos para isso”. Para ele,“as faculdades estão muito distantes da realidade da escola e não adianta mudar a escola sem mudar a instituição que forma o professor”.
Motta reforça a responsabilidade da instituição nesse processo de capacitação do professor. “A escola precisa propiciar situações e oportunidades de capacitação, uma vez que a licenciatura tem a preocupação de formar os professores para ministrar as aulas da disciplina escolhida. É importante que o professor receba essa formação continuada, a fim de complementar seus conhecimentos e incrementar sua forma de dar aula”, afirma.
Matéria publicada na edição de abril de 2014.
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