A educação está vivendo momentos de ruptura com sistemas que têm se mostrado inadequados para a realidade do século 21. É a tecnologia sendo absorvida organicamente por alunos e prometendo melhorar as oportunidades de aprendizado. E essa efervescência, que chega com força às escolas, não deixou as universidades de fora. A especialista Katie Blot, que já trabalhou como CIO do Federal Student Aid (seção do departamento de Educação dos EUA responsável por dar ajuda financeira a estudantes) e hoje é CIO da plataforma Blackboard, fez o exercício de estudar as tendências que têm observado na educação e tentou prever o que será comum para a universidade de 2020.
Em visita ao Brasil, Blot elencou algumas delas tendências. “Fizemos uma lista só de seis tendências. Mas tem muita coisa acontecendo em educação, em diferentes países”, afirmou ela ao Porvir. Blot representa uma das maiores plataformas educacionais do mundo e que já vem sendo usada por instituições brasileiras. O ambiente educacional, que é líder entre universidades, se baseia em ferramentas on-line para permitir que alunos tenham acesso a conteúdo, interajam uns com os outros, registrem os passos de seu aprendizado.
Veja, a seguir, a lista das tendências para o ensino superior apontadas por Blot, com os comentários e dados trazidos pela especialista. Na sequência de cada item, você verá algumas notas da redação, que procuram avaliar se e como tal tendência pode ser verificada no contexto educacional brasileiro.
Para Blot, a educação tem se tornado uma prioridade para cada vez mais países e as barreiras geográficas têm desaparecido. “As pessoas poderão consumir educação de diferentes lugares. E eu não estou falando de Moocs [cursos on-line, normalmente de nível superior, dados de graça]. Estou falando de sistemas de educação tradicionais”, diz ela. Segundo a especialista, as instituições têm se conectado com outras e facilitado a ida de seus estudantes para outros países. “Parece que estamos nos encaminhando para uma situação em que mais alunos vão complementar sua educação com estudos feitos internacionalmente. Temos percebido uma tendência de instituições de diferentes países firmarem parcerias”, complementa.
Nota da Redação: No Brasil, o Ciência sem Fronteiras é um exemplo de que essa tendência de uma educação global tem sido vista também por aqui. O programa do governo federal tem a missão de mandar para o exterior 101 mil alunos de graduação e pós de cursos considerados estratégicos para o exterior em quatro anos. Mais no sentido das parcerias feitas por instituições tem-se o fato de, no ano passado, a tradicional Universidade de Columbia, de Nova York, ter aberto um escritório no país como parte de sua estratégia de internacionalização.
De acordo com Blot, a tecnologia tem facilitado a avaliação de resultados e, em muitos casos, tem escancarado desempenhos muito ruins. Assim, afirma ela, existe um sentimento geral de que é preciso tentar coisas novas. “No futuro vamos ver muita experimentação em educação, não necessariamente em um único modelo. Não vamos mais ter ‘o modelo de educação dos EUA’ ou ‘o modelo francês de educação’. O que vamos ver é que a educação precisará desenvolver uma miríade de diferentes modelos que podem ser usados juntos por diferentes atores”, diz ela.
Nota da Redação: A tendência apontada por Blot é muito relacionada ao ensino superior, mas a necessidade de mais de um modelo de educação para o ensino médio já foi diagnosticada por aqui pela pesquisa O que os jovens de baixa renda pensam sobre a escola. Os entrevistados apontaram uma necessidade de que a escola dialogasse mais com o que esperavam para a vida. E isso, nas recomendações trazidas ao final do estudo, se traduzia em pensar diferentes modelos de ensino médio que fizessem sentido para o estudante.“Precisamos de uma mudança cultural. Não precisamos ter um modelo de ensino médio só no país inteiro. Temos é que ter modelos diferentes, de acordo com a necessidade dos alunos”, afirmou na época do lançamento Angela Dannemann, diretora-executiva da Fundação Victor Civita, instituição responsável pela pesquisa. Ela mencionou a necessidade de se pensar formatos de educação integral, profissionalizante, tradicional e norturna de qualidade para as diferentes necessidades de cada aluno.
O trabalho de Blot na Blackboard a faz conviver com diferentes universidades. Sua percepção é que está havendo uma mudança do foco do ensino. Primeiro, afirma ela, as instituições ofereciam uma aprendizagem muito voltada para as suas necessidades ou para as necessidades de seu programa ou de um curso específico. Agora, ela acredita que o estudante está no centro dos processos de ensino e aprendizagem. “O que vamos ver é uma educação centrada no estudante. No futuro, os alunos vão deixar de ouvir as instituições dizerem: ‘Isso é o que você tem que estudar, esse é o seu caminho, aqui estão suas notas e seu certificado’. Os alunos vão assumir a responsabilidade e poderão dizer: ‘o caminho que eu quero é esse’”, afirma Blot. A especialista ainda destaca o papel dos Moocs na personalização do ensino. “As experiências de educação formal e informal estarão juntas, com os Moocs, por exemplo. É um processo de individualização dos cursos, em que o aluno vai fazer com que a sua experiência seja diferente da do colega. Os alunos vão reunir créditos das mais diferentes fontes”, sugeriu ela.
Nota da Redação: Sobre os alunos terem a liberdade para formarem seus cursos, no Brasil, isso ainda depende muito da filosofia da universidade. No entanto, a tendência dos Moocs já tem se mostrado forte pelo Brasil. Nos mais tradicionais, como edX e Coursera, os alunos brasileiros estão entre os grupos mais representativos, mesmo que a principal língua das aulas seja inglês. Além de consumir muitos desses cursos de fora, os alunos também são assíduos nas iniciativas brasileiras. O Veduca é um exemplo. O site começou como uma plataforma que traduzia videoaulas de universidades renomadas do mundo e tal foi o sucesso que a plataforma alcançou que hoje ela comporta os primeiros Moocs brasileiros – atualmente há três Moocs funcionando, dois oferecidos pela USP e um pela UnB, e já há promessas de mais parcerias nos próximos meses.
Esta quarta tendência é chamada de “quase óbvia” por Blot. A presença de recursos digitais e tecnológicos nas salas de aula já existe, mas, para a especialista, nos próximo anos haverá uma mudança de perspectiva e de importância dada para as aulas on-line. “Estamos caminhando para um futuro em que o on-line não será mais suplementar, mas se tornará parte do curso. É engraçado ver crianças de 4 ou 5 anos interagindo com tecnologia. Vendo os pequenos, fica claro que a tecnologia vai desempenhar um papel cada vez mais importante”, afirma ela.
Nota da Redação: A presença da tecnologia em escolas e universidades brasileiras também já é uma realidade. Como dito anteriormente, a proporção de pessoas que optam pelo ensino à distância ainda é baixa (15%). O componente on-line em aulas presenciais vem sendo usado como uma forma de suplemento às aulas. Na educação básica, já é possível ver a adoção de plataformas que permitem o aprendizado híbrido, em que o ensino virtual e o presencial são usados de forma a explorar o que de melhor cada modelo tem a oferecer.
Blot cita um dado do National Center for Education Statistics, órgão dos EUA responsável por estatísticas em educação, que diz que, até 2020 os “estudantes tradicionais” serão apenas 15% do total, contra 85% de alunos não tradicionais. De acordo com os critérios do órgão norte-americano, são considerados estudantes não tradicionais alunos que satisfazem ao menos uma das características: matriculam-se tarde (completam os estudos fora da idade esperada), trabalham 35 horas ou mais, são arrimos de família, são pais ou mães solteiro(a)s, optam por sistemas de ensino diferentes do tradicional presencial, dentre outras características.
Nota da Redação: Os dados do ensino superior brasileiro já demonstram uma tendência de aumento de acesso geral a universidade, inclusive entre alunos que saíram do ensino médio há mais tempo. Também crescem as possibilidades de cursos à distância, que também atendem alunos mais velhos. A média de idade de alunos matriculados em cursos à distância, por exemplo, é de 29 anos, contra os 21 anos dos que frequentam os presenciais.
A última das tendências apontada por Blot foi o uso de dados e das ferramentas de analytics para facilitar decisões pedagógicas. “Nos EUA, a educação está sendo uma das últimas indústrias a usar dados para orientar as tomadas de decisão. Já estamos vendo professores usarem alguns dados para modificar a forma como ensinam. Mas o big data mesmo ainda está chegando: sabermos como instituições têm ido, o que podemos aprender sobre por que um estudante é bem sucedido. Além disso, o big data traz uma cultura de análise para a tomada de decisão”, diz ela.
Nota da Redação: O uso de um grande volume de dados na educação brasileira está apenas engatinhando. Muitas universidades têm adotado plataformas de ensino, como a própria Blackboard, para registrar o caminho do aprendizado dos alunos e poder tomar decisões pedagógicas a partir disso. No entanto, essas iniciativas ainda são muito pontuais e mais presentes no ensino básico. A gestão de instituições de ensino também começa a poder contar com ambientes virtuais capazes de manipular um volume muito grande de dados que ajudam na administração de sistemas escolares. A Conviva é um exemplo. Essa plataforma, feita a partir da colaboração de uma dezena de instituições do terceiro setor, ajuda secretarias de Educação a manipular seus dados para ter insumos para tomada de decisão.
Fonte: Porvir
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