Há 15 anos, quando Tatiana Filgueiras, do Instituto Ayrton Senna, começou a trabalhar com educação no terceiro setor, havia um problema quase “de linguagem”, lembra a gerente de avaliação e inovação da organização. De um lado, as escolas e os gestores públicos com os quais iniciava parceria não estavam familiarizados com a visão do foco em resultado importado do meio empresarial. De outro, o empresário, que financiava os projetos, não entendia o que era nem do que necessitava a educação pública brasileira.
Alguns anos depois, com a educação entrando na agenda pública, esses universos tão diferentes começam a se entender. A especialista participará da sessão que discutirá a importância na articulação dos setores público, privado e social para a educação durante o congresso do Todos Pela Educação, em setembro.
“Levar foco em resultado para as escolas públicas já foi mais difícil”, afirma Filgueiras, sobre o início de seus projetos com professores e diretores de escola, nos anos 90. “Trazíamos a lógica do universo empresarial para a escola, e isso era totalmente novo para eles. Quando falávamos da necessidade de termos dados sobre o trabalho que faziam, havia um estranhamento. Aos poucos, entendiam a proposta e a confiança se estabelecia”, diz a especialista. Na época, lembra ela, era muito difícil encontrar uma rede educacional que tivesse a cultura de coletar a analisar os dados. Mas, com o tempo e com os trabalhos de várias entidades do terceiro setor mostrando resultados, a resistência foi diminuindo, diz ela. “Hoje, as pessoas das redes de ensino já estão convencidas de que isso é importante, apesar de nem todas terem seus sistemas de trabalho com base em evidências implementado.”
Da parte dos empresários, também foi preciso do que Filgueiras chama de “ajuste de olhar”. “Quando eles investiam em uma ação, esperavam resultados baseados nos parâmetros que eram acostumados com seus negócios. Eles precisaram entender que educação não é assim”, afirma a especialista. Apesar da boa vontade de ajudar – potencializada por um volume importante de verbas que o setor privado passou a destinar a projetos de responsabilidade social – nem sempre a visão que os empresários tinham de educação básica se aproximava da realidade. A base de comparação era a educação a que seus filhos tinham acesso ou sua própria experiência décadas antes. “Nosso papel, no terceiro setor, foi apresentar um mundo para o outro, traduzir as necessidades de cada um”, resumiu ela.
Apesar de esses mundos estarem mais próximos do que há alguns anos, Filgueiras destaca a necessidade de os três setores agirem em uma concertação para colocar os saberes e especialidades de cada setor em favor de uma educação melhor. “É preciso haver um diálogo intersetorial para que se deixe claro que rumo vamos dar para a educação. Se não, uma escola assistida recebe 20 pequenos projetos e ninguém sabe o que é prioridade”, alerta Filgueiras. “Ainda há muito a se fazer, principalmente com planos inteiros que se perdem devido a mudanças de governo. Mas o inegável é que alguns passos foram dados e isso não tem mais volta”, diz a especialista, otimista com o que vem pela frente.
Fonte: Porvir
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