O estudo do Ministério da Educação que compara o desempenho de alunos brancos e negros na Prova Brasil é motivo de polêmica entre especialistas de diferentes áreas e correntes ideológicas.
De um lado, há quem questione a sua validade e qualidade técnica, enquanto outros apontam a discriminação racial, sutil e mesmo inconsciente, como responsável pelo pior resultado de pretos e pardos.
Os especialistas que entrevistei só concordaram num ponto: não é possível afirmar que qualquer grupo étnico seja mais ou menos inteligente do que outro.
A presidente da Sociedade Brasileira de Genética, Mara Helena Hutz, diz que não há diferença de inteligência entre grupos étnicos.
— Essa questão de raça, do ponto de vista biológico, não existe e não tem nenhuma influência (na inteligência ou no rendimento escolar).
O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, reagiu com desconfiança. Segundo ele, alunos de mesmo nível socioeconômico e com acesso a oportunidades iguais deveriam ter desempenho semelhante:
— Acho que essa pesquisa deveria ser refeita, com mais variáveis. Meu filho estuda numa escola particular no Rio de Janeiro e o rendimento dele está dentro da média da escola.
Para a socióloga Maria Ligia Barbosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a discriminação racial dentro e fora da escola prejudica a aprendizagem. O problema central, segundo ela, está na expectativa que os próprios pais nutrem em relação aos filhos.
Maria Ligia pesquisou o assunto em escolas do Rio e diz que ficou chocada. Ela conta que, em lares igualmente pobres e com filhos na mesma faixa de rendimento escolar, as famílias negras demonstraram ter menor expectativa do que as brancas quanto ao futuro profissional dos jovens.
— As mães negras acham que os filhos vão chegar no máximo ao 2.º grau e as mães brancas acham que eles chegarão à universidade. Elas não estão desvalorizando seus filhos, mas fazendo uma avaliação correta do modo como funciona a sociedade brasileira. Mesmo que todo mundo se declare não racista, na prática o país funciona de uma forma que as pessoas são racistas, sim — diz Maria Lígia.
Em sentido oposto, a antropóloga Yvonne Maggie, também da UFRJ, critica o estudo. Ela argumenta que variáveis potencialmente importantes foram deixadas de fora, como a qualidade do ensino a que os pais tiveram acesso, a renda familiar e o número de filhos.
— Pesquisas desse tipo prestam um desserviço. Não dá para inferir nada. Mesmo que esses dados fossem verdadeiros, não são demonstração de racismo. O que podem é reforçar preconceitos.
Yvonne também pesquisa a realidade das escolas no Rio. Segundo ela, a principal queixa em termos de discriminação diz respeito à perseguição a estudantes que são ou parecem ser homossexuais.
Em termos de desempenho escolar, segundo ela, a diferença mais significativa é de gênero, isto é, meninas costumam tirar notas mais altas do que meninos:
— O fator raça ou cor do estudante tem muito pouca relevância na definição do desempenho. Continuo achando que os pretos e pardos, nas mesmas escolas desses alunos brancos, são de famílias mais pobres.
Não é o que pensa o economista Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para ele, o racismo permeia a sociedade brasileira e afeta o relacionamento entre alunos e professores.
— De modos sutis, os professores têm expectativas mais altas para os meninos brancos e baixas para os negros. E aí os meninos começam a cumprir essas expectativas — diz Sergei.
O consultor no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Célio da Cunha, segue a mesma linha:
— O Brasil tem uma herança escravista muito grande. O lado emocional é pouco levado em conta, mas está entre os fatores que podem ajudar ou obstruir a aprendizagem.
O consultor da Fundação Cesgranrio e especialista em avaliações Ruben Klein diz que estudantes pretos costumam tirar notas mais baixas do que brancos, mas a regra não vale para pardos. Klein diz que é preciso cautela:
— O ideal seria ter mais variáveis. Tem que tomar cuidado com as as conclusões.
O economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), teme que o resultado enseje leituras racistas:
— Pode descambar para uma discussão perigosa e aparecer alguém para dizer que finalmente se provou que os brancos são mais inteligentes.
O diretor-executivo da Educafro, entidade que oferece cursos pré-vestibulares para negros, frei David dos Santos, elogia a iniciativa do MEC de produzir dados sobre as desigualdades raciais:
— Parece que tem um setor da sociedade branca que não quer que os negros saibam que estão excluídos.
Fonte: O Globo (http://oglobo.globo.com/blogs/educacao/posts/2009/05/12/estudo-do-mec-que-compara-notas-de-brancos-negros-causa-polemica-185413.asp)
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