Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O fenômeno “Tropa de Elite”
Por que o sucesso do filme incomoda tanto?

Cena do filme

Inicialmente não posso deixar de dizer parabéns a José Padilha, a toda a equipe que produziu o filme, ao elenco (capitaneado com maestria e indiscutível qualidade por Wagner Moura) e também aos grupos que financiaram a produção pela coragem, ousadia e resultado primoroso atingido. Devo estender essa manifestação igualmente ao BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) do Rio de Janeiro, que não apenas serviu aos interesses dos produtores do filme, como também demonstrou que é possível aos servidores públicos brasileiros resistir bravamente a corrupção e criar meios para que possamos superar a dura realidade com decência, bravura e honestidade.

Assisti ao filme no cinema e devo dizer, saí inebriado (assim como minha esposa) tanto quanto quando tive a oportunidade de assistir “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles. A primeira reação de ambos foi a de desacreditar qualquer possibilidade de mudar os rumos do país. Estamos tão impregnados de corrupção em todos os cantos que parece uma tarefa digna de Hércules conseguir lograr tal intento.

Como nos mostram o filme, os noticiários da televisão, da internet, do rádio e dos jornais, vivemos dentro de um sistema em que todos querem levar vantagem em tempo integral. O policial militar retratado no filme de Padilha, representado por recrutas, sargentos, tenentes ou pelos próprios coronéis das guarnições reforçam os baixos soldos (ou salários) extorquindo comerciantes, criando pontos de influência, negociando armas com bandidos, cobrando propinas para não atravessar negócios como o tráfico de drogas ou ainda recebendo “extras” para garantir a segurança de estabelecimentos, bairros e até mesmo de marginais.

E é justamente nesse ponto, ou melhor, dizendo, no contraponto a tudo isso, que o BOPE se destaca. Conforme pude ler na imprensa, os dados de denúncias contra o “batalhão dos caveiras”, como são conhecidos os militares dessa guarnição especial, não contém acusações de corrupção ou extorsão. Em contrapartida, há muitas queixas em relação ao abuso de autoridade, uso excessivo da força, brutalidade e torturas cometidas pelos policiais que se vestem com a farda negra no estado do Rio de Janeiro.

Leiam o livro e vejam o filme... no cinema!

Isso motivou patrulhamento ideológico por parte de jornalistas, intelectuais e defensores dos direitos humanos – muitos deles ligados à esquerda elitizada – que atrelaram ao BOPE a pecha de fascista. Creio que, nesse sentido, seria interessante verificar o significado da palavra fascista e do próprio termo fascismo para que, antes de qualquer pré-julgamento possamos pensar a questão de forma relativamente isenta. Para isso utilizaremos as definições que constam no Dicionário Houaiss, apresentadas a seguir:

Fascismo - 1 movimento político e filosófico ou regime (como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922), que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador; 1.1 Derivação: por extensão de sentido. Tendência para ou o exercício de forte controle autocrático ou ditatorial; 1.2 procedimento de fascista.

Fascista - 1 relativo ou pertencente ao fascismo; 2 Que ou aquele que é partidário ou simpatizante do fascismo.

Partindo das definições apresentadas pode-se argumentar que as ações do BOPE aproximam-se da idéia de “forte controle autocrático ou ditatorial” ou ainda que os soldados desse batalhão adotam “procedimentos de fascistas” – subentendido nessa afirmação que isso se referiria a atos violentos, de brutalidade e tortura, através dos quais os referidos militares combatem “cidadãos com consciência social”, excluídos que não tiveram oportunidades de estudar e trabalhar para se integrar ao tecido social brasileiro e que, por isso, foram obrigados a buscar sua sobrevivência no submundo das drogas, do jogo do bicho, da prostituição, do contrabando de armas ou ainda na pirataria de produtos nacionais e importados (entre os quais o próprio filme “Tropa de Elite”).

Mas ao assistirmos o filme, sensação compartilhada pela esmagadora maioria dos espectadores conforme pesquisa realizada pela Revista Veja, mesmo diante de um público que considera a tortura indigna e indesejável, os atos de brutalidade dos policiais do BOPE foram compreendidos como parte necessária do trabalho desses profissionais tendo em vista o contexto selvagem, de imenso stress e de nenhuma misericórdia em que suas operações ocorrem.

Subir nos morros do Rio de Janeiro é tarefa inglória, de resultados imprevisíveis e de altíssimo risco se você for um cidadão comum, desconhecido dos “donos do pedaço”, os contraventores que controlam o comércio das drogas e todas as ilicitudes que por ali proliferam. É preciso autorização para chegar lá e as autoridades policiais (e políticas) sabem bem disso, por esse motivo criaram “regras de convivência” com os marginais que lhes permitem sobreviver e ainda ganhar alguns trocados...

Foto dos soldados

Soldados do Bope, o “batalhão dos caveiras”.

A recente ida de ministros do governo federal nas imediações de uma área de risco quase terminou em tragédia, pois os mesmos estavam acompanhados de policiais militares dentro de um trem e foram alvejados por “falcões” que patrulhavam a localidade para seus senhores e que pensaram se tratar de uma blitz ou de uma emboscada dos homens da lei.

O mais triste nessa história toda é perceber que a população honesta, trabalhadora e majoritária que reside nesses conglomerados urbanos erguidos nos morros cariocas – amedrontada e coagida – se torna conivente e não encontra meios para reagir já que não tem apoio das autoridades.

Os políticos, mais preocupados com sua eleição e continuidade nos cargos e as benesses advindas desse poder perene (e nem um pouco ligados na desgraça que acomete o cotidiano de alguns de seus principais redutos eleitorais), costuram acordos com a marginalia que ocupa as favelas e controla o tráfico de drogas e armas.

Dessa forma encontraram fórmulas que lhes permitem apoio nessas comunidades ao dar continuidade a velha e desgastada política do “é dando que se recebe” da nada saudosa República Velha. Substituíram-se os coronéis de outrora e seus “currais eleitorais” pelos bandidos que comandam o tráfico e a influência nefasta dos mesmos sobre as populações que vivem nesses morros e favelas da Cidade Maravilhosa...

Agora o maior êxito de “Tropa de Elite”, injustamente acusado de fascista a meu ver, é atribuir aos membros de outra elite, aquela formada por abastados filhos de famílias ricas e influentes, consumidores dos produtos ilegais e destrutivos vendidos pelos traficantes, em principais responsáveis pela sobrevivência desse caos social que reina não apenas no Rio de Janeiro, mas em todas as cidades em que o império das drogas opera de forma consistente e contínua.

Homem fumando maconha

“Um tapinha não dói”... Mas causa mortes, violências, brutalidade, tortura,... E financia a continuidade do caos que reina em algumas metrópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro.

A ironia é que, no filme e na vida, as pessoas que consomem as drogas (sejam quais forem, da aparentemente inocente maconha ao crack e a cocaína ou ao ecstasy), não se consideram relevantes no contexto da violência gerada pelas drogas e mais, hipocritamente acreditam que seu envolvimento em projetos sociais os exime de responsabilidades e dá aos mesmos as asas e a auréola de anjos. O capitão Nascimento (personagem vivido com brilhantismo incomum por Wagner Moura, reconhecidamente um dos melhores atores brasileiros) deixa isso bem claro ao dizer para um dos “maconheiros” que prende no morro que quem promove a violência e as mortes impetradas pelos traficantes ou pelos policiais não são outros senão os próprios consumidores das drogas...

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas