Cinema na Educação
O Show de Truman
A TV e o show da vida
Muito antes dessa onda de shows televisivos que invadem a privacidade de pessoas anônimas ou de celebridades (refiro-me a Casa dos Artistas e ao Big Brother) tomarem conta da televisão foi lançado um filme nos cinemas (que fez grande sucesso) cuja temática explora, justamente essa questão tão essencial a todos nós, a privacidade.
Era "O Show de Truman", do competente diretor Peter Weir (o mesmo de "A Testemunha" e "Sociedade dos Poetas Mortos", filmes que merecem ser conferidos), estrelado pelo careteiro Jim Carrey (em seu melhor papel até aquele momento).
Truman (Jim Carrey), o sujeito do tal show, é um inocente, cuja vida tem sido transmitida ao vivo e em cores para os Estados Unidos inteiro em canal de TV paga. Desde o seu nascimento, até o momento em que a história se desenvolve, tudo o que se refere ao personagem de Carrey aparece na TV 24 horas por dia.
O problema é que ele é o único personagem dessa novela da vida real que não sabe o que está acontecendo, tudo o que ocorre ao seu redor é fictício, seu emprego é uma criação, seu casamento uma farsa (assim como foram o romance, a sedução e o namoro com sua esposa), seus amigos estão junto dele por estarem cumprindo um contrato como atores da rede que transmite o "Show de Truman".
Todos e tudo que o cerca são, literalmente, artificiais. Cenários compõe a cidade da vida de Truman, os carros são sempre os mesmos, cumprindo o ritual de rodar a cidade e dar a impressão de que a vida segue seu rumo, sua normalidade. Quando vai ao supermercado e adquire um produto, as imagens de Truman segurando e comprando determinados produtos viram marketing para as mercadorias adquiridas.
Nesse ambiente de mentiras, Truman desperta ao quase ser acertado por uma câmera que despenca do alto dos cenários. Seria Deus tentando alertá-lo ou seria apenas um acidente dos "deuses" da mídia televisiva que o colocam no ar todos os dias?
A partir desse incidente, sua relação com o mundo que o cerca muda completamente, ele passa a desconfiar de tudo e de todos, inicia uma procura incessante pelos olhos eletrônicos que estão a monitorá-lo todo o tempo, começa a duvidar da seriedade dos amigos e da esposa, percebe que o mundo ao seu redor repete-se com uma insistência irritante!
Numa época como a nossa, quando a discussão acerca dos direitos das pessoas é uma constante nos cenários nacional e internacional, a questão da privacidade sendo invadida por câmeras de televisão merece uma discussão acalorada em sala de aula. Muitos se perguntam os motivos que levam pessoas a enfrentar, conscientemente, o desafio de serem vistos diariamente por milhões de pessoas como o que ocorre com os já citados programas veiculados por canais abertos e fechados. Alguns, cedem a tentação da fama instantânea, conseguida graças a superexposição na mídia mais procurada por todas as classes sociais, a TV. É um tiro certeiro, as pessoas são reconhecidas nas ruas, tornam-se familiares a milhões de desconhecidos por invadirem seus lares através das telinhas e, com maior ou menor habilidade, conseguem ficar em evidência por mais alguns meses mesmo depois do programa terminar. Outras pessoas arriscam o espaço, a individualidade e, em muitos casos, correm o sério risco de se exporem ao ridículo movidas pelos prêmios milionários dados aos vencedores dessas verdadeiras maratonas.
Mas, e no caso de Truman, levado ao estrelato sem consulta prévia, na mais pura inocência, desconhecedor de sua própria história de vida? Não há dinheiro movendo suas ações, assim como, no seu cotidiano ele não consegue imaginar a repercussão de seus atos e o montante de popularidade por ele obtidos junto ao grande público que acompanha sua "novela da vida real".
Os direitos aos quais temos acesso não terminam quando começam os dos outros? A manipulação da rede de televisão que controlava o "Show de Truman" não consistia portando um desrespeito a um dos direitos essenciais da cidadania? Em que consiste a cidadania senão na consideração pelos outros e por suas dignidades? Não deve existir (e pelo que sei, já existe) por parte das emissoras de televisão um código de ética que não os faça lesar a integridade física e moral das pessoas que são apresentadas em seus programas? O próprio conceito de ética, foi criado para ser violado ou tem valor real e deve, por isso ser respeitado?
Discussões como essas podem nos levar a fomentar aulas interessantes em história, relacionando com o surgimento das Declarações dos Direitos Humanos em diferentes contextos, como no da Revolução Francesa ou no do final da 2ª Guerra Mundial (na época da criação da ONU); pode alimentar interessantes debates para a área de redação, com o adendo de que, o professor pode se utilizar de textos extraídos de jornais ou revistas que façam um contraponto, um termo de arguição e aprofundamento; pode servir como indicador de caminhos para aulas de filosofia e pode gerar o questionamento da questão da própria ética na sociedade em que estamos inseridos.
Por outro lado, o filme nos lança uma situação das mais interessantes ao afirmar a vida cotidiana como o maior dos espetáculos. Momentos tão desprezados de nossas existências quando realçados pelo brilho dos refletores das câmeras de TV parecem ganhar em vigor, fôlego e graça. Um abraço numa criança, a reunião com os amigos depois do expediente, ler um livro ou dar um beijo na mulher amada ganham contornos de grandes acontecimentos. Será que nós não estamos deixando essas cenas da vida real passarem sem dar a elas o verdadeiro reconhecimento e valor que elas merecem?
Ficha Técnica
O Show de Truman
(The Truman Show)
Direção:
Peter Weir Produção:
País: EUA
Ano da Produção: 1998
Duração: 102 minutos
Gênero: Drama
Elenco: Jim Carrey, Ed Harris, Laura Linney,
Noah Emmerich, Natascha McElhone.
Links
-
www.trumanshow.com
- Site oficial
- http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=1900