Aprender com as Diferenças
O Direito da Criança Surda de Crescer Bilíngue
Clélia Regina Ramos
Quando, no final do século XIX, as primeiras próteses para aproveitamento dos restos auditivos foram fabricadas, uma grande euforia tomou conta de todos os que vivenciavam a Surdez de alguma maneira: os Surdos, as famílias, os profissionais da área.
Afinal, estava encontrada a solução do problema! Assim como pode um par de óculos devolver a visão para aquele que vê mal (como se acreditava também na época), pode o aparelho de audição “normalizar” o deficiente de audição!
Tudo seria apenas questão de tempo e de sofisticação, científica e tecnológica, para se chegar a uma solução definitiva do problema!
Ficou famoso o Congresso de Milão de 1880, no qual professores de Surdos de todo o mundo decidiram, a partir daquela data, que todos os deficientes auditivos poderiam “ouvir e falar” com a ajuda das milagrosas próteses. E que, seguindo a lógica por eles mesmos desenvolvida, estariam condenadas ao extermínio, as Línguas de Sinais das comunidades Surdas espalhadas pelo mundo.
Por garantia, foram estas proibidas de serem usadas na educação dos Surdos. Calcula-se que 1,5% da população humana seja portadora de deficiência auditiva e as Escolas residenciais para Surdos, fruto da política educacional da época e que propiciaram um incremento nas relações culturais e sociais das comunidades Surdas, já que colocavam em contatos Surdos dispersos, passam a reforçar, então, o que denominamos “modelo médico” da Surdez. Ou seja, uma doença que deve ser “curada”.
Nosso entendimento é que Surdos, assim nascidos ou ensurdecidos no período pré-lingual, ou Surdos ditos profundos (em comparação a “severos” e “moderados”), mesmo com o auxílio de próteses auditivas, perfeitamente adequadas à sua perda auditiva e com auxílio terapêutico de excelente qualidade, apoio familiar e social, terão grandes dificuldades para aprender a falar. Quanto a ouvir, mesmo que o ganho obtido seja o maior possível, evidentemente, a “normalização” é impossível. No caso de conversas em grupo ou sem o auxílio de uma boa leitura labial, por exemplo, a prótese auditiva perde totalmente sua utilidade nos casos acima descritos.
Assim, uma grande parcela dos Surdos não pôde usufruir os avanços tecnológicos e, pior, passou a ser rotulada de “preguiçosa”, “incapaz”, “hiperativa” e outros adjetivos muito bem conhecidos daqueles que vivenciam a Surdez.
Cem anos depois, graças aos estudos profundos realizados por profissionais que seguiram outros rumos, as Línguas de Sinais deixaram de serem vistas como “mímica” e finalmente, a partir de 1960, foram reconhecidas cientificamente como línguas naturais de modalidade gestual.
Instala-se o “modelo lingüístico-cultural” da Surdez, que dá origem ao que hoje conhecemos como filosofia do bilingüismo com biculturalismo para os Surdos. Em outras palavras, a pessoa Surda passa a ser vista como um indivíduo portador de uma deficiência, mas também como o possuidor de uma riqueza cultural que não pode nem deve ser perdida, pelo contrário, pode e deve ser utilizada em benefício de toda a comunidade.
Respeitar a Língua de Sinais dos Surdos, no caso do Brasil, a LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais, é o primeiro passo para sua real integração à sociedade.
Petrópolis
– Rio de Janeiro, um espaço dedicado à
cultura e à diversidade.
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