Planeta Educação

Carpe Diem

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O poder democrático
Coluna Carpe Diem

Regra geral, estamos preparados para perceber o sentido da política antes na violência do que no diálogo, antes na coerção do que na liberdade. E quanto ao poder, se alguém nos pergunta o que é isso, as primeiras imagens que nos ocorrem são sobre os aparatos de poder. São sobre o poder como coisa. Seria casual na tradição política brasileira a referência tão constante nos discursos oficiais aos “poderes constituídos”? É que a tradição – conservadora e autoritária – faz de tudo para obscurecer a dimensão essencialmente constituinte da noção de poder, ou seja, o poder como algo que se cria, como associação livre de vontades. Para a tradição é mais fácil perceber, por exemplo, o poder de um burocrata que apenas implementa decisões de outros, do que o poder de uma proposta política que mobiliza enormes quantidades de pessoas para chegar a determinadas decisões. Percebe melhor o poder morto do “aparelho”, da máquina, do que o poder vivo, potencialmente transformador, das relações políticas reais. No limite, vê no poder a capacidade da repressão muito mais do que a da libertação.

Francisco C. Weffort
Cientista Político Brasileiro
(Em sua obra “Por que Democracia?”)

É mais fácil mandar calar do que pedir com educação para silenciar. Há mais cooperação para quem dá um soco na mesa e repercute o som da virulência do que para os que se direcionam aos demais com educação e gentileza. A força dos canhões conseguiu sufocar tantos e tamanhos sonhos de paz, prosperidade e felicidade, que as pessoas passaram a desacreditar a diplomacia, o diálogo e, até mesmo a democracia...

Mas há sempre os lutadores silenciosos, que “insensatos” como são, continuam a pelejar em favor da dignidade que prevalece na troca de idéias, tão própria a prática da democracia. Quem há de se esquecer das praças públicas em que os gregos da cidade-estado de Atenas discutiam as grandes questões políticas e sociais e que consolidaram para a humanidade o próprio conceito de debate aberto, franco, estimulador e, acima de tudo, engrandecedor para o espírito coletivo e fraterno?

Assim como, através das palavras proferidas e escritas por filósofos de todos os tempos, manteve-se viva a consciência das massas em relação aos seus direitos e mobilizaram-se milhões a se manifestar por questões como o sufrágio universal, o direito trabalhista, a tolerância, a livre expressão de idéias, a propriedade, a igualdade, a liberdade e o reconhecimento das particularidades inerentes a cada pessoa.

Ainda hoje ecoam pelos ventos as idéias dos renascentistas, dos iluministas, dos articuladores dos movimentos emancipacionistas que trouxeram a independência às colônias européias nas Américas, na África ou na Ásia. São mantidas vivas as chamas que alimentam o ideal libertário contido na vida e obra de personagens como Gandhi, Martin Luther King, Betinho, Madre Tereza de Calcutá, Simon Bolívar, Nelson Mandela, Chico Mendes,...

Alimentados por exemplos como esses, temos que desafiar o cotidiano e nos permitir acreditar que é possível, a despeito daquilo que parece prevalecer no cotidiano, em que impera a força, fazer valer o entendimento. Onde houver violência, que levemos a concordância. Se a brutalidade for à tônica, que possamos fazer do diálogo a nossa bandeira em favor da reversão. Se a repressão e o ódio estiverem incitando a descrença, que cada um de nós se sinta um missionário incumbido de trazer a esperança a partir da paz, da compreensão e do amor.

Weffort, notável pensador brasileiro, nos convida a repensar o cotidiano, a transformar nossa realidade, a rever conceitos e, principalmente, a acreditar que o “poder vivo”, aquele que é “potencialmente transformador” e que “mobiliza enormes quantidades de pessoas” pode ser realmente muito mais poderoso e transformador do que qualquer aparato de poder repressivo, burocrático, conservador e opressor que possamos imaginar...

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