Filosofando
As Crianças Pensam?
Coluna Educação para o pensar
Freqüentemente nos dirigimos às crianças e exigimos que eles tenham atitudes de adulto. Não são raros os momentos que chamamos sua atenção dizendo coisas do tipo: “Pensa direito menino!”, ou “Presta atenção no que faz, parece que você está no mundo da lua!”.
Quando não fazemos isto, acabamos aceitando todo tipo comportamento que possam ter, com a desculpa que ainda são crianças, e que, portanto não é o momento de exigirmos deles atitudes maduras.
Uma terceira possibilidade tão danosa quanto as duas anteriores acontece quando dizemos: “Não faça isto”, ou ainda “Não fale isto, que é feio”, sem darmos as justificativas pertinentes.
Em todas as alternativas acima, privamos as crianças do que é mais caro aos adultos: O PENSAR.
O problema não reside em dizermos às crianças o que elas devem ou não fazer, mas em como fazemos para que elas entendam o que pode ser feito ou não, isto significa que temos que dar a elas a chance de construir suas hipóteses sobre as coisas. Assim, antes de dizermos: “Não faça isto”, devemos fazer com que ela justifique porque está fazendo aquilo, e o que significa para ela agir de determinada maneira. Nossa preocupação deve estar voltada, portanto, não exclusivamente para algo que a criança faça ou fale, mas antes para as motivações que ela julga imperiosas e para as justificativas que consegue elaborar.
Esta mudança de perspectiva obriga a nós, adultos, deixarmos de nos preocupar tanto com o que as crianças fazem, nos fixando mais nos procedimentos e nas construções mentais que elas elaboram para chegar ao que externalizam. Ou seja, é mais importante o que provoca certas atitudes e não a própria atitude em si.
Isto obriga os educadores (porque é cada vez mais raro encontrar pais preocupados em fomentar nos filhos um sólido processo reflexivo) a garantirem duas coisas fundamentais na educação infantil: primeiro, que as crianças possam refletir sobre sua ação, buscando dar significado e sentido a ela, preenchendo de conteúdos as atitudes que tem, que muitas vezes parecem não fazer muito sentido para ela, porque não conseguem pensar por si mesmas sobre tudo. Trocando em miúdos: decidir menos por elas, e acreditar que elas podem encarar certos desafios típicos de sua idade, e aprender com eles, sem que alguém precise decidir por elas.
Segundo, que as atitudes delas deixem de ter caráter meramente repetitivo, deixando de ser meras cópias do que fazem os dos adultos, passando a obedecer a um caráter auto-reflexivo, amparado nos conceitos que consiga formular. Ou melhor: nada mais aterrorizante que pais que ficam obrigando os filhos pequenos jogarem futebol e serem “machos”, as filhinhas ficarem rebolando na frente das visitas (humilhando a criança, constrangendo os amigos que se vêem obrigados a dizer: Que lindo! E expondo a pobreza de espírito dos pais).
A criança quando é freqüentemente solicitada a justificar seu comportamento, acaba percebendo que não podemos agir e dizer coisas sem sentido.
Isto não significa que a criança deve ser repreendida e acossada por conta de todo tipo de enganos que cometa, mas sim que devemos garantir que elas consigam aprendam com seus erros dentro de um processo sadio, fraterno, equilibrado e paciente; promovendo a auto-estima, o desejo de enfrentar e superar, ao invés de um espírito acuado e acovardado e culpado. A aprendizagem não significa o castigo (como sugerem as religiões cristãs), nem a permissividade, mas sim a busca do entendimento das armadilhas e enganos, das implicações, das alternativas e das conseqüências daquilo que elas fazem.
O nosso sistema educacional, e grande parte dos nossos professores, por acreditar que o pensar nas crianças não é consistente, e, portanto o que elas dizem não deve ser levado à sério, preferem ensinar tudo, como se elas não tivessem ao longo de suas vidas elaborado suas hipóteses sobre as coisas que já vivenciaram.
Os professores preferem ensinar, por exemplo, “A lei da gravidade”, aos seus alunos, e não resgatar deles suas explicações e sensações. Ensinamos, portanto conceitos acabados, histórias mortas, fórmulas áridas, coisas desinteressantes às crianças e com certeza aos adultos também.
Mas se a escola se parece mais com matadouro do que com a vitrine para o mundo, ela não faz isto porque maldosamente nos deseja com a consciência lesada, faz sim porque nós somos e preferimos ser assim. Percebam não afirmei: porque somos assim, pois isto tem caráter fatalista, disse por que PREFERIMOS SER ASSIM, fazemos a opção por não pensar, e achamos que as pessoas que nos cercam e as crianças incomodam menos quando não perguntam.
Os pais preferem ver seus filhos crescerem na frente da televisão, sem qualquer critério e sabor pela vida, os professores preferem ocupar-se dos conteúdos do ensino. O problema não está na TV (coisa do demônio, segundo os estúpidos, tal qual foi a luneta, a vacina) nem nos conteúdos, mas na maneira como pais e educadores se comportamos diante dela. Ela é fonte importante de informações, mas informação sem reflexão não faz sentido, só esclarece e doutrina.
Nossas crianças não merecem continuar a serem adestradas.
Educar implica em aprender e fazer, em fazer e pensar, em compreender e justificar, em dizer e construir, em buscar e discordar, em criar e destruir. Mas como ninguém consegue ensinar o que não aprendeu, o caminho ainda parece longo.
Nilson Santos
Professor de Filosofia e História da Educação/UNIR
E-mail: nilson@unir.br