A Semana - Opiniões
Tarefas escolares
Editorial
TAREFA
– 1. Qualquer
trabalho, manual ou intelectual, que se faz por
obrigação ou voluntariamente; 2. Quantidade de
trabalho realizado ou a realizar dentro de um prazo determinado;
empreitada. (Fonte: Dicionário Houaiss Online)
Ao assistir o filme “Feitiço do Tempo” acompanhamos o personagem vivido por Bill Murray vivendo um autêntico inferno astral. Ele se encontra encarcerado no tempo, a viver repetidas vezes o mesmo dia, justamente aquele que no início da produção é descrito pelo mesmo como um dos piores de sua existência. E o que leva tal protagonista a verdadeiramente detestar um dia de sua vida? A repetição de práticas que ele já executara anteriormente sem que as mesmas apresentassem qualquer traço de renovação, nenhum frescor ou possibilidade de crescimento...
Resgato novamente esse filme para trazer à tona a questão das tarefas escolares, pois é justamente dessa forma que nossos alunos, no Brasil inteiro, em escolas públicas ou privadas, percebem (na esmagadora maioria dos casos) as tarefas escolares.
Repetição, repetição e repetição. Sem fim. Sem qualquer relevância do ponto de vista do estudante já que invariavelmente está distanciada da realidade em que vive e não lhes são explicados os conceitos aprendidos como parte do mundo real, com aplicabilidade no cotidiano.
A reprodução torna-se então uma obrigatoriedade, conforme nos diz a primeira definição de tarefa apresentada no início desse artigo. E como obrigação que passa a ser distancia-se ainda mais de seus objetivos, de suas metas e, principalmente, daquele que deveria se beneficiar dessa prática, o estudante.
Resultado inevitável e imediato? Depois de algum tempo, quando o aluno amadurece e ultrapassa a cândida infância (ou mesmo durante essa etapa, como os professores já podem perceber com constância em suas salas de aula), adentrando a pré-adolescência ou a adolescência em casos mais tardios, surge a revolta, o grito de alerta que poucas vezes é escutado da forma como deveria, ou seja, os estudantes fazem as vezes de operários em greve, ativam a “operação tartaruga” e deixam de fazer os deveres escolares com a regularidade esperada.
Impregnados pelo cotidiano que emburrece e tolhe qualquer ação criativa, os professores nem se dão conta ou, se percebem que essa estratégia mais do que atingi-los pessoalmente, quer a todos fazer entender que as tarefas devem ser repensadas, recriadas e reestruturadas para que renasçam e sejam efetivas. A rebelião dos alunos que não querem fazer tarefas é, afinal, legítima e justa.
Os
pais não devem fazer as tarefas escolares no lugar de seus
filhos, no entanto devem acompanhar, orientar, trocar idéias
e estar informados sobre os deveres, sua regularidade, estilos
(padrões) e se realmente estão sendo
interessantes, instigantes e úteis para a aprendizagem de
seus filhos.
Por mais que os professores sempre tentem encontrar inúmeras explicações que justifiquem essa contrariedade dos estudantes em relação a exercícios e questionários que os fazem agir apenas como papagaios a reproduzir incessantemente idéias que os próprios educadores muitas vezes também apenas repetem... A falha é estrutural e compete aos especialistas, portanto aos próprios educadores, rever as tarefas escolares. E nessa força-tarefa (sem trocadilhos) não devem estar presentes apenas os professores, mas o corpo diretivo das escolas, as secretarias de educação, o ministério da educação e cultura e as próprias famílias dos estudantes.
O primeiro passo no processo de renovação é literalmente vestir a carapuça e reconhecer que fazer tarefas é uma obrigatoriedade muito chata em virtude dos modelos engessados e reprodutivistas que as inspiram há décadas...
Entender que os alunos têm razão em suas críticas e que as atitudes radicais que tomam são muitas vezes resultado de nossa intensa surdez, mutismo e cegueira em relação aos erros que conduzem os nossos procedimentos em sala de aula é não apenas um fundamento para a transformação, mas também um gesto que demonstra vontade de mudar a educação para melhor e uma prova sincera de humildade.
Afinal de contas pregamos todo o tempo que além de ensinar também aprendemos quando estamos em contato com nossos alunos, não é mesmo? E no que tange as tarefas? Será que aprendemos alguma coisa? Ou ainda, será que estamos dispostos a ouvir os lamentos e reclamações dos estudantes e pensar a respeito dos mesmos em busca de soluções?
Ter
todos os recursos necessários para fazer as tarefas
escolares pedidas é um quesito importante para que o
trabalho seja bem feito. Além disso, outro dado
imprescindível para que os deveres sejam feitos com
correção são as
instruções e orientações
dos professores quanto aos mesmos.
É claro que as tarefas são apenas a ponta de um iceberg de grandes dimensões (se bem que essa metáfora em tempos de aquecimento global não pareça ser das melhores). Sabemos bem que o “buraco é mais embaixo” e que, todo o procedimento educacional precisa ser revisto, sem ilusões quanto à existência de fórmulas ou materiais mágicos que possam reverter tudo da noite para o dia.
Mas como o tema desse editorial são as tarefas, vamos lá para algumas práticas que podem ser valiosas no processo de revalidação das tarefas. Antes de apresentá-las, que fique claro que não pretendemos ou ousamos acreditar que essas orientações sejam definitivas e nem tampouco que consigam solucionar os problemas relativos às tarefas.
Cada educador deve, num primeiro momento, examinar seu contexto, avaliar sua clientela, discutir possibilidades com seus colegas de trabalho, ler os livros de especialistas, buscar mais informações na internet ou em revistas de educação e, com base em toda essa jornada, daí sim ter condições de firmar um compromisso ainda mais sério e de resultados melhores com seus alunos.
Creio, no entanto, que nesse espaço devemos socializar não apenas críticas e considerações mais gerais. Por isso, como disse, apresento a seguir algumas idéias que auxiliaram (e continuam a fazê-lo) minha prática como professor:
1- As tarefas são essenciais, mas não devem ser vistas como obrigação pelos estudantes. Nesse sentido vale sempre criar a partir das aulas um envolvimento bem profundo com os temas trabalhados, estabelecendo elos entre os conceitos e idéias trabalhados com a realidade dos estudantes. Essa aproximação irá fazer com que os alunos sintam-se mais interessados e dispostos a produzir respostas aos questionamentos da aula e também àqueles que porventura sejam mandados para casa.
2- Os próprios alunos sabem que as tarefas ajudam a fixar e concretizar o conhecimento. E por que reagem tão negativamente as propostas que geralmente são feitas pelos professores? Porque querem atividades que os desafiem, que os coloquem em situação de busca e pesquisa de respostas. Transformar os estudantes em jornalistas, detetives ou pesquisadores profissionais em busca de respostas para os trabalhos propostos exige inteligência na composição das tarefas, ou seja, dá trabalho para os professores, é mais difícil do que continuar fazendo o “arroz e feijão” de todos os dias, mas compensa muito!
Utilizar
os recursos das tecnologias de informação e
comunicação é válido desde
que não se restrinja simplesmente ao tradicional
“copiar e colar” executado por alunos de todas as
idades. Nesse sentido cabem medidas como
orientações dos professores e dos pais quanto a
softwares, sites e portais onde a pesquisa possa ser realizada.
3- Associar os conteúdos a cultura em geral sempre dá bons resultados. Trabalhar com música, cinema, artes plásticas, dança, artesanato, literatura, histórias em quadrinhos, teatro ou qualquer outra forma de representação da cultura humana em paralelo aos temas da história, da biologia, do inglês, da matemática, da educação física ou de qualquer disciplina ajuda muito e serve como um grande fator de motivação para os estudantes.
4- Pedir a leitura semanal de jornais e revistas, com a seleção de artigos que possam ser trazidos para as salas de aula e comparados ou equiparados aos temas trabalhados nas disciplinas também é uma ótima forma de dar aos estudantes mais argumento, força e criatividade na composição de respostas aos deveres escolares e até mesmo as atividades de sala de aula.
5- Tarefas em que as disciplinas sejam trabalhadas conjuntamente permitem que os estudantes fujam da compartimentalização dos saberes, tão típica da educação bancária mais tradicional. Compartilhar projetos, trabalhos e tarefas com outras matérias escolares faz muito bem para todos.
6- Projetos e tarefas a serem executadas em casa devem ser sempre bem explicados para que não fiquem dúvidas quanto a sua execução pelos alunos.
7- Trabalhos em pequenos grupos devem ocorrer com certa freqüência, até mesmo para que os alunos aprendam a cooperar uns com os outros, dividir responsabilidades, trocar idéias, debater sempre que necessário e entrar em consenso quando for o caso.
8- Corrigir tarefas em sala de aula não é aconselhável. O melhor a ser feito é recolher as produções e corrigi-las com calma depois dos compromissos na escola.
Acredito que existam muitas outras boas idéias e práticas em uso por educadores de todo o Brasil. Lançamos mão de alguns expedientes com o objetivo de alimentar o debate e de ouvir outras propostas, soluções e idéias quanto ao tema. O principal é tomarmos atitudes responsáveis, sérias que demonstrem não apenas a nossa preocupação com o fato, mas principalmente a nossa grande disposição de mudança...