A Semana - Opiniões
O mais fantástico entre todos os supercomputadores
Editorial
Estamos em constante mutação. Isso é biológico e atestado pelos cientistas. Não somos, é óbvio, como os camaleões ou iguais as borboletas. Nossas mudanças têm ocorrido ao longo de milhares de anos e ainda não temos um mapeamento completo de todas elas.
Algumas são visíveis a olho nu, como por exemplo, a questão dos pelos de nossos corpos, a forma de nossos rostos, o tamanho de nossos cérebros ou ainda o posicionamento de nossas colunas (antes éramos quadrúpedes e acabamos nos tornando bípedes).
Essas são apenas algumas mudanças físicas, daquelas que conseguimos facilmente visualizar. Há também aquelas que acontecem dentro de nós, mais especificamente no interior de nossos corpos e de nossas mentes.
Há, no entanto, uma nova mutação dos seres humanos, pouco perceptível aos olhos da esmagadora maioria das pessoas, que está gerando o que os especialistas chamam de "multitaskers", ou seja, trata-se de uma alteração que ocorre em nossos cérebros e que está nos permitindo fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Por exemplo, as crianças e adolescentes nascidos na última década conseguem assistir televisão, conversar e ainda desenhar. Há pessoas que podem estar digitando seus computadores, ouvindo música e ainda encontrando tempo para trocar alguma idéia com o colega do lado. Existem homens e mulheres que dirigem, atendem o celular e ainda conseguem escutar o rádio do carro...
Atender
ao telefone, cuidar dos filhos, plugar-se ao computador, trabalhar,
manter-se em forma,... O cotidiano tem nos compelido a
inúmeras responsabilidades e compromissos
diários, vários ao mesmo tempo...
É claro que o último exemplo descrito demonstra uma situação de risco potencial para qualquer pessoa. Dirigir, atender o celular e ouvir música ou assistir algum vídeo no carro pode ser fatal e não podemos deixar de estar atentos a esse fato. Os multitaskers não são seres sobre-humanos, dotados de super-poderes, capazes de voar ou de levantar pesos muito acima do que regularmente conseguimos e, no caso dos automóveis, isso fica bastante claro.
Por outro lado, a velocidade do mundo em que estamos inseridos tem cobrado das pessoas essa agilidade mental fora do comum e compelido todos a executar algumas tarefas ao mesmo tempo. Será que conseguimos êxito em todas elas ou, por outro lado, será que alguma delas acabará ficando incompleta e imperfeita - o que poderia acarretar conseqüências nada positivas em várias situações...
O
que sabemos é que a humanidade parece caminhar para uma
realidade em que será cobrada como nunca antes e que, como
forma de adaptação a esse contexto, estamos
criando mecanismos através dos quais queremos responder a
todas as demandas ao mesmo tempo... Sem tempo real para refletir sobre
cada uma delas como deveríamos corremos o sério
risco de cometer erros graves... Não há como
evitar os deslizes já que pequenos déficits de
atenção nas atividades realizadas paralelamente
acabarão acontecendo...
O mundo parece estar nos compelindo, cada vez mais, com grande
velocidade e força, na direção dessa
realidade em que agimos e produzimos várias coisas ao mesmo
tempo. Nesse sentido, igualmente vale destacar que a tecnologia
avança num ritmo que é tão acelerado
que não conseguimos dar conta de tantos e tão bem
sucedidos inventos e aperfeiçoamentos.
Computadores, softwares, periféricos e a própria rede nos colocam em contato a cada novo dia com inúmeras novas possibilidades de uso e aperfeiçoamento para o trabalho que executamos com o auxílio dessas maravilhas da modernidade.
A
familiarização das novas
gerações no uso das tecnologias de ponta
não pode e nem deve impedi-las de ter contatos com natureza
e com as outras pessoas. O aprendizado pleno prevê
multiplicidade de experiências e contatos para que o
desenvolvimento seja integral.
As novas gerações, tendo nascido já sob a égide da tecnologia de ponta, se familiarizam rapidamente com esses recursos e os utilizam desde o seu surgimento com maestria e competência dignas de bons especialistas. Para as pessoas mais velhas, que vieram ao mundo antes que toda essa parafernália se tornasse onipresente, ainda há algumas dificuldades e dúvidas, mas mesmo essas pessoas estão aprendendo a conviver e a se relacionar bem com essas ferramentas.
O que não podemos deixar de perceber em relação à presença da tecnologia em nossas vidas nesse século XXI, ou seja, na alvorada do 3º milênio, é que a mais preciosa, impressionante e potente "máquina" que conhecemos é que gere todos esses processos e acontecimentos.
O cérebro humano é alvo de pesquisas que estão revelando sua enorme capacidade de produzir, realizar, recriar e abstrair. Estamos sendo informados dessas pesquisas e ficamos sabendo a cada novo passo desses estudos que não há tecnologia criada pelo homem que seja capaz de realizar tudo aquilo que o cérebro humano pode construir.
Apesar disso, e de sabermos que o contato com essas tecnologias e suas possibilidades alimenta o cérebro e permite que ele se reconstitua e se reconstrua a todo o momento, as novas gerações precisam urgentemente criar mecanismos, práticas e ações através das quais a revitalização e a revigoração do potencial do cérebro seja fomentada não apenas pelo contato com as ferramentas da tecnologia, mas também de forma constante pelo contato com o meio-ambiente, pela relação com outras pessoas, pela leitura de mundo preconizada por Paulo Freire, através das diversas formas de expressão cultural da humanidade,...
O cérebro, descrito a seguir por Marcelo Gleiser, físico brasileiro renomado e um dos grandes expoentes da pesquisa científica do país, é realmente uma obra fabulosa que deve ser constantemente realimentada pela informação que está ao nosso redor, mas que não deve e nem pode reduzir os seus caminhos ao contato com os computadores e com a web... É muito pouco, precisamos de muitos outros e variados meios de crescimento...
O poder de processamento de informação oferecido por tal número de conexões entre neurônios é incalculável. Em linguagem imprecisa, mas sugestiva, o cérebro é como um hiper-computador, no qual cada neurônio é uma CPU. Só que, diferentemente dos computadores modernos, nos quais a corrente elétrica flui linearmente entre uma ou duas CPUs ou é distribuída entre centenas ou milhares delas em computadores paralelos, no cérebro os trilhões de ligações entre as CPUs são infinitamente mais versáteis. O resultado é uma entidade eletrobiológica ("máquina" não parece um termo adequado) capaz de captar, por meio dos cinco sentidos, uma quantidade gigantesca de informação e, após processá-la, de recriar, integrando essa informação toda, o que chamamos de percepção da realidade. Ou seja, o que chamamos de "realidade" é uma recriação do cérebro, o mais perfeito dos simuladores virtuais. (Maestro Invisível, artigo de Marcelo Gleiser, publicado na Revista Galileu, de Junho de 2007).
* Multitaskers – Expressão contemporânea em língua inglesa criada com o intuito de denominar as pessoas que realizam e desenvolvem múltiplas ações, tarefas e projetos simultaneamente. O mundo em que vivemos tem gerado um crescimento exponencial na quantidade de pessoas que atuam como multitaskers...