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Sheila Cristina de Almeida e Silva Machado Graduada em Pedagogia; Especializada em Orientação Educacional; Pós-Graduada em Psicopedagogia; Atua como Orientadora Educacional no Colégio Poliedro de São José dos Campos – SP.

Indisciplina - O contraponto das escolas democráticas
Livro

O professor Júlio Groppa Aquino é, certamente, uma das mais polêmicas e celebradas personagens de vulto do atual cenário acadêmico relacionado ao pensamento pedagógico. Seus textos e artigos provocam e estimulam constantemente o debate acerca de alguns dos mais importantes temas da educação. Não só o professor joga mais “lenha na fogueira”, mas suas idéias ao mesmo tempo em que incitam e alimentam o fogo, reforçam argumentos e clamam por mudanças mais do que prementes.

Por exemplo, através de seu livro “Indisciplina – O contraponto das escolas democráticas”, Groppa traz a tona um dos assuntos que mais preocupa os educadores e a comunidade como um todo, os atos de rebeldia que caracterizam uma mais que onipresente e crescente indisciplina nas escolas brasileiras. E que méritos há nessa obra? Em especial o fato de que Aquino não apenas esmiúça detalhes ou peculiaridades de um problema vivenciado por todos os que trabalham em educação, mas especialmente pelo fato de que há a preocupação de apresentar idéias que ajudem a solucionar essas situações de indisciplina que tanto nos afligem.

O que se estipula desde o princípio é que a indisciplina é uma queixa constante tanto da escola como da família, devido à grande dificuldade de educar na atualidade. Dentro da escola esse fenômeno ultrapassa fronteiras culturais e econômicas e ocorre até mesmo em países que possuem condições infra-estruturais mais satisfatórias, como os Estados Unidos, a França ou a Espanha.

Outra constatação é que, a partir dos anos 1990, a indisciplina tornou-se um obstáculo e um complicador cada vez maior ao exercício do trabalho pedagógico. A maioria dos educadores não sabe ao certo o que fazer quanto ao ato indisciplinado. Dialogar? Punir? Encaminhar? Ignorar? Em grande parte dos casos não se é capaz de compreendê-lo em sua complexidade.


O aumento de casos de indisciplina nas escolas a partir da década de
1990 torna mais premente a discussão e o debate sobre a questão.

A manutenção da disciplina constitui, com efeito, uma preocupação de todas as épocas, como testemunham alguns textos de Platão, como O Protágoras ou As Leis. E se lemos as Confissões, de Santo Agostinho, constatamos como a sua vida de professor era amargurada pela indisciplina dos jovens que perturbavam “a ordem instituída para o seu próprio bem”.

Sabe-se, porém que nos dias atuais é difícil encontrar entre os educadores um consenso tão solidificado (e igualmente questionável) relativamente a esse tema quanto aquele em que se atribui grande parte dos problemas escolares cotidianos ao modo como estão organizadas as famílias de nossos alunos.

Há ainda, de acordo com Aquino, outra hipótese sobre os indisciplinados que se relaciona a própria instituição escolar, ou seja, a de que a própria organização do campo pedagógico é responsável pelos males que ela tenta suprimir. A gênese da indisciplina residiria nos conflitos perpetrados pelas próprias práticas escolares, incapazes de dialogar com os novos perfis discentes – uma escola de massa que, de certa forma, ainda preserva princípios pedagógicos e políticos de uma escola de elite, de outrora.

Democratizar o contexto escolar requer não apenas a oferta maciça de vagas a todos os que estejam em idade escolar, mas também a oferta de condições eficazes e acolhedoras para que eles lá permaneçam pelos anos previstos na Constituição brasileira – e que possam subtrair dessa vivência uma transformação de fato qualitativa em suas vidas.

A indisciplina traduzir-se-ia, segundo Júlio Groppa, numa espécie de inconformidade, por parte do alunado, aos padrões de comportamento nos quais as escolas ainda parecem inspirar-se. François Dubet (1997), destacado sociólogo francês, ressalta que “a disciplina é conquistada todos os dias; é preciso sempre lembrar as regras do jogo, cada vez é preciso reinteressá-los; cada vez é preciso ameaçar; cada vez é preciso recompensar”.


Boas regras de convivência e trabalho entre os estudantes e os
professores devem ser discutidas coletivamente e estipuladas
como um “contrato” pedagógico desde os primeiros dias de aula.

A obra em questão esclarece também que cabe então aos professores estabelecer, desde os contatos iniciais com as turmas sob sua tutela, as regras do jogo. Celebrar um “contrato” pedagógico em comum acordo com os alunos é um dos meios eficazes de manter a necessária e vital harmonia ao desenvolvimento do trabalho escolar, ao processo de ensino-aprendizagem. É fundamental esclarecer o que esperam um do outro, professor e alunos. Estabelecer um plano contratual significa organizar conjuntamente as rotinas de trabalho pedagógico e de convivência escolar. Não se tratam, porém, de regras fixas. Elas devem estar sempre abertas à revisão.

Importante conceito também trabalhado na obra relaciona-se a idéia de educação em valores que é entendida como dimensão propriamente atitudinal imanente ao trabalho educativo, e não apenas percebida como os conteúdos morais a serem veiculados nas disciplinas. A educação em valores não visa transmitir didaticamente juízos morais e/ou civis desejáveis, mas cultivar uma ambiência civil capaz de desencadear a reflexão e a vivência sistemáticas de valores e atitudes caras ao convívio democrático.

Entre os objetivos da educação em valores destacam-se, conforme nos ensina o professor Júlio Groppa Aquino:

• Atribuir igual importância aos âmbitos cognitivos, afetivo e moral no aprendizado escolar.

• Abordar temas curriculares contextualizados segundo os dilemas da cidadania contemporânea, relativos (por exemplo) aos direitos humanos, a questão ambiental, ao pleno exercício dos direitos políticos,...

• Propor sistematicamente a vivência de situações-problema, do ponto de vista democrático, como disparadoras da construção das competências e habilidades, ambas ancoradas em valores desejáveis, tais como eqüidade, solidariedade e justiça.

• Gerenciar os conflitos escolares numa perspectiva dialógica e de respeito mútuo.

• Desenvolver a tomada de consciência e a capacidade autônoma de escolhas.

• Vivenciar o próprio espaço escolar como espaço privilegiado de participação democrática ativa.

Avançando a discussão sobre a educação em valores, destacam-se dois mecanismos procedimentais no que se refere à consecução de seus propósitos: o já referido contrato pedagógico e as assembléias de classe.

O que se constata, ao ler a obra “Indisciplina – O contraponto das escolas democráticas”, de Júlio Groppa Aquino, é que se ampliam as possibilidades de melhor compreensão de tão presente e espinhoso tema e, ao mesmo tempo, se vislumbram no horizonte perspectivas de melhoria e superação dessa tão dificultosa situação vivida nas escolas. E é justamente aí que, tenho certeza, todos os educadores querem chegar.

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas