Aprender com as Diferenças
Vida Comum
Marcela Cálamo Vaz Silva
Sempre tive uma vida bem comum, do tipo que nada de muito diferente acontece.
Quando criança brincava como qualquer outra criança. Na adolescência, ia a festas, saía com minha turma, namorava. Na escola, embora meu pai dissesse a todos que eu era a primeira da classe, era uma aluna mediana, sem grandes destaques e, confesso, colei umas poucas vezes.
Nunca me achei mais nem menos que ninguém. Nunca vivi pensando em superar obstáculos. Jamais tive medo do futuro, de não ter profissão, não casar, não ter filhos ou ter uma vida solitária e infeliz.
Ao sair da faculdade, tive que me virar pra ganhar meu dim dim, então, comecei a dar aulas em casa e, com isso, descobri o dom de ensinar.
Namorei, casei, tive dois lindos filhos. Assim, como qualquer pessoa, sempre tive (tenho) momentos de felicidade e, também, de tristeza.
Todo mundo sabe que não há como ser sempre alegre ou sempre triste. A vida está sempre em transformação. Meu casamento e os nascimentos de meus filhos foram momentos de felicidade pura.
Que pessoa não sentiria o mesmo que eu?
Encontrar um amor e ainda ter filhos com ele, acho que é o que a maioria das pessoas sonha, seja homem ou mulher.
Aprendi a dirigir, mas, com o tempo e o trânsito de São Paulo, vi que dirigir não era minha paixão. Descobri que muita gente pensa como eu e prefere ser passageiro.
Por ter uma vida assim tão comum, igual à de quase todo mundo, não entendia o porquê de algumas pessoas terem de mim uma visão diferente da minha. Algumas me vendo como exemplo de vida, outras, como perfeita.
Não entendia, mas tais opiniões sempre me incomodaram. Não me sentia exemplo de nada, afinal, tinha uma vida comum.
Claro que todo mundo gosta de ser admirado pelas qualidades que tenha, mas ser admirado é diferente de ser visto como "exemplo de vida". Ser considerada perfeita, pesa, assusta, pois qualquer errinho bobo te coloca em evidência e parece algo imenso.
Definitivamente, isso não é nada bom. Foi na Internet, através de um amigo virtual, que comecei a entender por que alguns me consideravam diferente.
Conheci esse amigo numa sala de bate-papo, um chat, e, como sempre fazia, falei de mim.
Ao final de uma semana, ele sabia que eu era casada, mãe, que adorava viajar e sonhava em ter alguém pra cuidar da casa pra mim, pois detestava lavar louça e outras tarefas domésticas.
Ele não via nada de diferente em mim. Depois que já me conhecia bem, contei a ele algo que trouxe mudanças importantes nele e em mim: - Sou paraplégica e cadeirante desde meus seis anos.
Ele achou que era mentira minha, que estava inventando, brincando com ele. Foi difícil convencê-lo de que eu falava a verdade.
Fiquei sem entender nada. Por que tinha achado minha paraplegia algo tão absurdo? Por que se espantou tanto?
Então, sua explicação iluminou-me e me fez entender tudo que os outros viam em mim e que eu jamais enxergara.
A idéia dele de uma pessoa com deficiência física era de alguém com total dependência. Não podia acreditar que alguém cuja vida era tão absolutamente igual à de muitos podia ser paraplégico.
Confessou-me que sentia muito dó ao cruzar com um cadeirante, que se sentia meio mal, meio culpado por poder fazer tudo sozinho e aquele "coitado" depender de todos pra tudo. Que vida infeliz deveria ter, pensava ele.
Após o susto, meu amigo encheu-me de perguntas. Claro que tinha muitas dúvidas, afinal, tudo que sabia era baseado em suposições, pré-conceitos, e agora queria basear-se na realidade e saber tudinho.
A partir daí, as transformações vieram: depois de ter tido acesso a informações, depois de conhecer uma pessoa paraplégica e sua vida comum, meu amigo passou a ter outra visão sobre os portadores de deficiência, encarando-os sem dó, sem culpa.
Aquela sensação ruim que sentia antes sumiu. E tudo porque, mesmo que apenas virtualmente, conviveu e teve a oportunidade de conhecer a realidade de uma pessoa comum antes de conhecer sua deficiência.
De minha parte, comecei a entender que aqueles que me viam de forma diferente, que me achavam exemplo não pelas qualidades específicas, mas por viver bem apesar de ser paraplégica, viam, antes de tudo, minha deficiência, minha cadeira de rodas e achavam que eu vivia meus dias superando dificuldades e, ainda assim, conseguia viver bem e feliz.
Aprendi que a informação é a chave certa contra preconceitos e a arma mais poderosa para transformações.
Não adianta berrar e gritar somente, é preciso informar, mostrar como as coisas são de verdade, aí sim, como aconteceu com meu amigo, as transformações acontecem e os pré conceitos se transformam em conceitos verdadeiros.
A maioria de nós acha não ser capaz de enfrentar uma situação, aparentemente muito difícil, que outro esteja vivendo.
Mas somos capazes de enfrentar quase tudo, sim. Somos totalmente adaptáveis a qualquer situação e é quando estamos nela que vemos que, nem sempre, é tão difícil assim.
Todo mundo tem dificuldades, uns mais, outros menos, umas maiores, outras menores.
Claro que cada caso é um caso e o desenvolvimento de alguém que tenha uma deficiência depende das oportunidades que este tiver, mas, não é assim com todo mundo?
Quanto mais oportunidades tivermos, mais nos desenvolveremos.
Quem tem uma deficiência física tem necessidades específicas, apenas isso.
Precisamos de rampas, locais e transportes adaptados e, às vezes, alguns cuidados diferenciados, mas, se nossas necessidades forem atendidas, podemos viver uma vida tão comum como a de qualquer outra pessoa.