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Matemática

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva Sou um professor de Economia, cego, aventureiro acompanhado por dois fiéis escudeiros, ambos com quatro locomotores, um com patas, outro com cascos. Já me considero do tempo dos computadores, mas, enquanto estudante, usava muito o Braille e, principalmente, a boa-vontade dos amigos. Hoje, sem ver, ensino a quem vê e a quem não enxerga também.

Sorobã ou ábaco: instrumento milenar de sabedoria
Matemática

O ábaco foi inventado pelos romanos. E é justamente das pedrinhas que os formam que vem palavras como contas, contar, cálculo e calcular. Muitos anos depois, em 1541, os portugueses aportaram no Japão e levaram consigo os jesuítas com seus ábacos que foram muito bem recebidos por lá. Enquanto isso, no ocidente, a adoção dos algarismos arábicos quase levaram esses instrumentos ao esquecimento.

Imaginem ainda que quando Jesus nasceu em Belém estava sendo feito um censo e deveriam existir formas dos romanos fazerem contas que não haveriam de ser com algarismos romanos. Nesse período eles já usavam ábacos, pois sempre foram muito organizados, inclusive, na cobrança de impostos e nas transações comerciais.

Com o advento dos algarismos arábicos, especialmente com a noção do zero, puderam-se fazer contas na ponta do lápis, ou a bico de pena, se o leitor preferir. É que, com os algarismos romanos, colocar parcelas, umas sobre as outras, não significava nada, pois os números não tinham a correspondência espacial que a noção do zero nos trouxe.

As frações decimais também não existiam, tanto que os países de língua inglesa ainda usam as ordinais para quase todas as medições, especialmente as feitas em polegadas e demais medidas imperiais. Os latinos que tiveram muito mais influência árabe, seja pela invasão da Península Ibérica, seja pelo compartilhamento de ilhas do Mediterrâneo, adotaram os seus meios de contar com grande entusiasmo, esquecendo-se rapidamente dos antigos métodos.

No Japão, porém, não havendo os mesmos recursos gráficos para registro de números, o ábaco floresceu e expandiu seu uso, muito embora a máquina de calcular de Ghaus tenha-se baseado nele. Em 1601, os europeus foram expulsos do Japão pelo Xogum Tokugawa. Houve uma matança de cristãos e somente a ilha de Fukuoka pôde continuar a receber estrangeiros, de modo que a escrita romana não se espalhou pelo restante do país, mas o ábaco sim, pois resolvia um problema sério.


Há controvérsias quanto à origem do ábaco – alguns dizem que veio do oriente para o ocidente (da China para a Europa) e outros afirmam que o caminho foi o inverso, com o ábaco saindo de Roma para o Oriente a partir do domínio imperial romano sobre a Ásia Menor.

Há alguns historiadores que contam outra história, afirmando que o ábaco é chinês e que fora trazido pelas expedições de Marco Pólo. Essa versão, porém, não explica como os romanos conseguiam fazer contas complexas com os algarismos com que contavam.

O uso de algarismos arábicos deixou o ato de contar extremamente visual, inclusive as "escadinhas" que se fazem nas operações de multiplicação e divisão, dificultando o entendimento por crianças cegas de nascença. O uso do cubaritmo é a transposição do método visual para o tátil sem a correspondência no imaginário do aluno, tornando o ato enfadonho, lento e absolutamente antinatural. O sorobã adaptado, ao contrário, aumenta a capacidade de abstração da criança, a ponto de, sem o ter nas mãos, simplesmente imaginando as bolinhas subindo e descendo, poderem fazer quaisquer contas mentalmente.

Duas são as condições para isso acontecer. A primeira é que a adaptação seja bem feita, o que é raríssimo ultimamente. A segunda é que a técnica ensinada seja a correta, o que também não é comum aqui no Brasil, especialmente porque os professores costumam aprender em instituições que desconhecem ou não se atém ao assunto. Esses profissionais, por não saberem usar o aparelho, induzem as crianças a calcular mentalmente, da direita para a esquerda como nos cálculos escritos, registrando os resultados no aparelho, ao invés de mostrar-lhes o algoritmo correto, que explicarei mais adiante.

Para poder explicar como se faz uma adaptação correta, é preciso que se entenda seu funcionamento. Trata-se de uma moldura com, em geral, vinte e uma barras verticais que servem de eixo para as contas. A dois terços da altura, há uma barra horizontal. Acima dela, há uma conta em cada eixo que, se baixadas até tocar a barra valem 5 e se tocando a parte superior da moldura nada valem. Na parte de baixo, em cada eixo, há quatro contas. As que forem empurradas para cima valem 1 cada, de sorte que se todas as de baixo forem levantadas e a de cima for baixada, temos o valor de 9. Aqui entra um conceito muito interessante, o valor binário. Se empurrada, a conta está ativa, se em repouso, não vale nada, exatamente como se faz nos computadores.

Eu tive um ábaco importado do Japão que era realmente bem adaptado. Durou vinte anos e, quando se desgastou, nunca mais encontrei um que prestasse. Ele era forrado com uma espuma de borracha siliconada que, a um só tempo, pressionava as contas contra as barras, impedindo que se desmanchassem os resultados pelo tatear, e dava agilidade igual à dos ábacos para quem enxerga.


O ábaco pode ser um ótimo recurso pedagógico para a aprendizagem da matemática.

Os adaptados aqui nunca funcionaram bem porque, ao invés de uma espuma, põe-se uma manta de borracha. Ela deixa o ábaco duro demais quando novo, a ponto de não se conseguir mover rapidamente as contas, e, quando a manta fica mais gasta, por não possuir efeito de mola, deixa de fazer pressão sobre as bolinhas, tornando-as tão soltas quanto as que se encontram nos ábacos sem adaptação. Na verdade, adotando-se a idéia de desenho universal, todos os ábacos deveriam ter forração de espuma de borracha, pois ela não atrapalha quem enxerga e queira usar um ábaco.

Este artigo não pretende esgotar o algoritmo, mas dar uma idéia do quanto o ábaco é melhor para ensinar contas a crianças cegas, assim, vou somente dar uma idéia de como se fazem as operações de somar e subtrair, deixando as demais para quem tiver interesse. Para somar parte-se, assim como nas antigas máquinas, de uma parcela e vão-se escrevendo as demais por cima das anteriores, sempre da esquerda para a direita, usando um algoritmo simplíssimo, que vale para sempre que não houver espaço para empurrarem-se as bolinhas equivalentes à parcela entrante.

Em outras palavras, se tivermos o número 8 escrito, teremos deixado a bolinha de cima, que vale 5 e levantado três das debaixo, restando apenas uma bolinha no mesmo eixo. Para adicionar - digamos 3, levantamos uma das do eixo à esquerda e baixamos sete das da direita, resultando 11, sendo uma no eixo a esquerda e uma no da direita. Se quisermos somar 7 em 8, por exemplo, levantamos 10 e baixamos 3, pois 7=10-3, o que é intuitivo, tanto que aprendi a usá-lo sozinho, brincando em casa com o do meu irmão mais novo.

Uma vez, já na faculdade, dona Isa, minha professora itinerante, que era japonesa de nascença, viu-me usando o sorobã numa prova de contabilidade e disse que eu era o primeiro "gaijin" que sabia usar corretamente o aparelho. Faço qualquer operação nele, incluindo todas as de matemática financeira.

Mesmo hoje, que empregamos tanto o computador e que até os celulares têm calculadoras embutidas, continuo usando-o para calcular mentalmente. Não sei por que ainda insistem com o cubaritmo, que não tem absolutamente nada a ver com a forma de um cego pensar, ou mesmo abstrair, deixando-o avesso à Matemática.

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