A Semana - Opiniões
Família, base da sociedade
Editorial
Quase todos os dias que almoço num restaurante ao lado da empresa na qual trabalho vejo numa das mesas próximas um casal. Não se trata de namorados, noivos ou de pessoas casadas. Não formam esse tipo mais convencional de casal. São, na verdade, irmão e irmã que juntos compartilham uma refeição. Talvez não chamasse a atenção de ninguém se os dois em questão fossem jovens ou, na pior das hipóteses, adolescentes... Mas são duas crianças, tendo idades prováveis na casa dos 10 aos 12 anos...
Sempre que os vejo fico deveras preocupado com o fato. Nem os conheço, mas creio que as duas crianças em questão são emblemáticas dos tempos que estamos vivendo. São os filhos de uma modernidade em que sobreviver a qualquer custo implode as relações familiares não permitindo as crianças o necessário e mais do que saudável contato freqüente durante o dia com os pais.
A infância está sendo sacrificada e nem estamos nos dando conta disso. Nos preocupamos tanto em ganhar a vida e o conforto que nos é prometido pela publicidade, com seus mais do que maravilhosos produtos, que estamos nos esquecendo de elementos essenciais para todos, em especial para as futuras gerações.
Empregos e saldos bancários são questões que merecem, sem dúvida alguma, nosso olhar cauto e grande dose de seriedade por parte de todos. Não há como renegar a essência do sistema em que vivemos e ao qual estamos atrelados (seja por opção, por convicção ou apenas por conveniência ou comodismo). Todos nós precisamos pagar contas, comprar produtos, movimentar o estado com o pagamento de tributos, prosperar materialmente,...
É
o dinheiro o que mais nos importa em nossas vidas?
Não podemos, no entanto, nos esquecer que ao fazermos isso estamos trabalhando não apenas pelo dinheiro ou pelo conforto material que as compras aparentemente nos trazem... Nossos empregos são apenas meios através dos quais criamos condições de subsistência para nós mesmos e também para nossas famílias. Ademais, cá entre nós, precisamos constantemente nos lembrar que a família é o cerne ou a base da sociedade e que estamos atrelados a ela não por obrigação, mas por opção.
Famílias não são pesados fardos que temos que carregar nas costas a ponto de sacrificar nossas colunas e saúdes... São, na realidade, os portos seguros onde podemos atracar nossas embarcações depois de horas e horas em mar tempestuoso ou de almirante em busca do pescado que irá alimentar a todos...
Quando paramos nossos barcos no atracadouro e levamos para casa o fruto de nosso suor estamos celebrando a humanidade em seus mais altos e nobres valores. A partilha do pão ou do peixe, acompanhada de um bom copo de vinho ou da mais límpida e cristalina água, ao lado dos familiares é o momento mais sagrado da existência humana e devemos preservá-lo a qualquer custo.
As crianças que almoçam sozinhas no restaurante e que se mostram como emblemas de uma época errática e claudicante, em que a família é mais associada a custos e encargos do que a realizações, companheirismo e amor constituem apenas a ponta do iceberg de um problema muito mais sério com o qual pouco parecemos nos preocupar.
Mesmo porque a questão não é só a presença física ou a aparente proximidade que temos que ter em relação aos nossos cônjuges ou filhos... Há muitas ocasiões em que as pessoas estão reunidas, trocando informações, demonstrando afeto ou apenas jogando conversa fora e que, sem que percebamos, alguém da família está alheio a tudo, alienado em seus problemas, preocupado com outras circunstâncias ou situações...
A
presença dos pais é essencial para a
formação e a saúde dos filhos.
Há outras ocasiões em que as pessoas estão juntas, mas algum obstáculo ou embaraço exterior a elas provoca “ruídos” que não permitem a comunicação plena, aberta e adequada. É o caso, por exemplo, de momentos em que os membros das famílias estão próximos e interagindo e que a televisão ligada, o som alto ou algum apetrecho eletrônico desvia a atenção e leva as pessoas a não atentarem para o que lhes está sendo dito.
De qualquer forma o que precisamos entender é que a família nesse 3° milênio continua sendo a estrutura elementar da sociedade e que, ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos já se incorporaram ao cotidiano e dificilmente deixarão de estar por perto, diga-se de passagem, de forma mais onipresente a cada novo dia que se inicia.
Criar formas de convivência familiar de acordo com modelos vigentes há 10, 20, 30 ou 40 anos é inviável. Deixar de viver dentro dos parâmetros tecnológicos do século XXI é, igualmente, pouco ou nada provável. O que precisamos fazer é pensar em alternativas que consigam viabilizar os elementos da modernidade em que vivemos com uma convivência familiar que seja pautada em valores como a ética, a solidariedade, a presença física e espiritual, a paz e o amor.
A alimentação fora de casa por parte das crianças, por exemplo, não auxilia no processo de criação de laços familiares ao mesmo tempo em que é, comprovadamente, causadora de problemas de saúde pela qualidade duvidosa (muitas vezes) daquilo que é consumido e também pela própria falta da orientação e da presença de adultos responsáveis por perto a direcionar as escolhas. Corre-se ainda o risco de expor os filhos ao contato com pessoas perigosas, que poderão lhes indicar caminhos tortuosos para suas existências como respostas ao vazio de suas existências, não preenchido pela convivência familiar...
O Brasil em que vivemos nesse presente momento, mergulhado num universo em constante ebulição a partir da velocidade e das exigências da globalização e de sua competição acirradíssima por mercados e possibilidades, não é tampouco um cenário que auxilie as famílias na educação de seus filhos e na própria estabilidade das relações conjugais.
Não
podemos permitir que maus exemplos, como a
corrupção,
se tornem referência para nossos filhos.
A impunidade reinante no país, que permite a personalidades e autoridades públicas se livrarem de punições por atos ilícitos e mesmo imorais acaba criando um cenário onde tudo é permitido, nada é proibido ou ainda em que todos têm muitos direitos e que a poucos cabem as responsabilidades e os deveres. Sem a devida orientação familiar a tendência é que nossas crianças e jovens passem a admitir que realmente deve imperar essa “lei da selva” e que dela devem advir os caminhos pelos quais eles podem e devem levar suas vidas...
Paralelamente a isso os meios de comunicação criam imagens nas quais as famílias não mais representam alicerces sobre os quais se devem assentar valores e práticas norteadoras da existência ou ainda criam discursos nos quais demonstram que ser lícito, honesto e justo em nosso país pode ser, ao pé da letra, prejudicial à saúde dos indivíduos. A força desses instrumentos de comunicação de idéias é tão grande que tais concepções também passam a regular a ação de nossas crianças e jovens. E o que fazemos em relação a isso? Mantemos nossas crianças e adolescentes cada vez mais tempo em frente à televisão ou navegando sem rumo pelas ondas da internet...
Temos que assumir nossos papéis de pais e mães. Não podemos nos omitir. O futuro de nossos filhos depende de posicionamentos mais firmes. Dizer “não” agora pode ser preventivo em relação a inúmeros problemas no amanhã. Tudo permitir sem se preocupar com as conseqüências pode ser, por outro lado, desastroso. Apresentar alternativas e mostrar-se presente e interessado, com fortes sentimentos a aproximar cada um de nós de nossos filhos, pode representar para os mesmos uma existência saudável, próspera e de felicidade...