Cinema na Educação
Obrigado por fumar
Combatendo as drogas legalizadas
Estamos numa mesa de debate, transmitida em rede nacional por uma das maiores emissoras de televisão do país, tendo como tema central os malefícios do cigarro para a saúde humana. Entre os convidados para participar desse encontro estão presentes três representantes de ONGs (Organizações Não Governamentais) antitabagistas, um garoto de 15 anos que tem câncer no pulmão provocado pelo uso de cigarros e o representante de um instituto de estudos sobre o fumo bancado pelas empresas fabricantes de cigarros.
O último a ser apresentado para o público presente no auditório do estúdio de televisão é justamente o representante dos interesses da indústria tabagista. E mediante a clara evidência de que ele era o único ali presente que iria tentar defender ou justificar a venda de cigarros no país, ele acabou sendo alvo de uma grande vaia coletiva. Praticamente todos os espectadores externaram com a vaia a rejeição da platéia e, enquanto amostragem da população, a péssima reputação do produto perante a maioria dos habitantes do país.
É nesse momento que a câmera produz o efeito de congelamento da imagem e ao fundo ouvimos a voz desse personagem, representante dos interesses das fábricas de cigarros, a nos dizer que aparentemente ele está numa situação das mais complicadas e que provavelmente seria muito difícil sair da mesma sem arranhões ou conseqüências ainda piores...
O que se vê a partir desse momento é a reversão total das piores perspectivas do lobista da indústria do fumo. A partir do momento em que o programa se inicia ele consegue literalmente “virar o jogo” e sair da emissora de televisão como o grande vencedor de um debate onde, de antemão, já era considerado como perdedor certo...
E é também nessa seqüência inicial que o filme “Obrigado por fumar’, do diretor Jason Reitman, consegue cativar os espectadores fazendo com que os mesmos assistam com grande interesse a produção do início ao fim. Classificado como comédia, o filme de Reitman discute o consumo de tabaco nos Estados Unidos de forma séria, com senso de humor refinado, sem cair no escracho em momento algum.
Até mesmo porque o uso de cigarros no mundo todo é uma das principais causas de graves problemas de saúde e de mortes precoces. O seu uso legalizado pelos governos para maiores de idade, que deveria ser fortemente fiscalizado para evitar que crianças e adolescentes tivessem acesso a esse produto cancerígeno, acaba sendo facilmente comprado por qualquer pessoa em diversos países, inclusive o Brasil.
A adoção de medidas restritivas ao consumo como a proibição de veiculação de propagandas na TV ou no Rádio, em outdoors ou em revistas e jornais tem ajudado a diminuir os índices de consumo, mas as quedas não são expressivas; a obrigatoriedade de colocação de imagens que demonstrem as graves enfermidades associadas ao consumo do cigarro também causaram forte impacto e comoção inicialmente, mas passado algum tempo de sua aplicação, perderam a eficácia que delas se esperava.
O foco das indústrias tabagistas não é a manutenção de seus clientes já estabelecidos, mas o estímulo ao uso do produto por novas gerações de consumidores. Nesse sentido sua ação acaba sendo direcionada aos jovens e atinge, como efeito colateral, também aos adolescentes e até mesmo crianças.
Droga legalizada como o álcool, que movimenta grandes somas de dinheiro, gera empregos, produz dividendos e lucros para seus acionistas e ainda garante arrecadação fiscal substantiva para o governo (já que é sobretaxada) – dificilmente será impedida de funcionar ou terá proibida da venda de seus produtos.
O que acaba dando a sociedade civil organizada, as famílias em particular e a escola como instituição mais diretamente relacionada à formação educacional e cultural dessas novas gerações a responsabilidade de esclarecer e de orientar as nossas crianças, adolescentes e até mesmo os jovens, a não fumar...
O Filme
Em determinados momentos da produção “Obrigado por fumar”, estão reunidos ao redor de uma mesa, num restaurante qualquer, os representantes das indústrias do álcool, das armas de fogo e do tabaco. São amigos e se sentem muito próximos pelo fato de fazerem lobby por produtos que são fortemente rechaçados através da mídia ou pela pressão de ONGs. Sentem-se, em determinados momentos, ainda mais próximos pois ao encarnarem os advogados de defesa desses produtos acabam se tornando o alvo da hostilidade pública contra as indústrias que representam.
Entre as conversas que têm, acabam até com certo orgulho comparando os índices de mortalidade nos Estados Unidos auferidos para os produtos que representam. Cada qual deles munido das mais recentes estatísticas parece querer mostrar mais poder de fogo (sem ironia qualquer da minha parte nesse sentido). Até o momento em que percebem o rumo que sua discussão tomou e o quanto o que estão afirmando atenta contra os interesses que representam ou, ainda pior, contra eles mesmos...
Essa seqüência emblemática do filme de Jason Reitman, produção de baixo custo (orçado em 6,5 milhões de dólares, uma verdadeira pechincha para os padrões de Hollywood), que teve participações especiais de nomes conhecidos e importantes da indústria cinematográfica americana (como Sam Elliott, Katie Holmes, Rob Lowe, Robert Duvall e William H. Macy) é apenas uma amostra do senso de humor que permeia a produção e que, propositalmente, nos direciona a refletir sobre a indústria tabagista e os seus rumos no mundo em que vivemos.
Há várias outras oportunidades em que podemos conferir o quanto o trabalho de lobistas muito bem preparados, como o personagem principal, Nick Naylor (personificado com inspiração por Aaron Eckhart), acaba sendo decisivo para que uma droga legalizada, de sérias e graves conseqüências para a saúde pública, não apenas mantém seus já fiéis consumidores como ainda tem fôlego para conquistar novas legiões de adeptos apesar das restrições legais e batalhas jurídicas nas quais está envolvida mundialmente.
O título do filme, traduzido ao pé da letra do original em inglês, pode nos levar a pensar que se trata de uma produção que tem o propósito de defender os interesses das grandes corporações que produzem e vendem esse produto pelo mundo afora. É, na verdade, mais uma das ironias finas contidas nesse filme que surpreende a todos que o assistem e que, principalmente, enseja a uma mais do que necessária reflexão sobre a temática.
A contrapropaganda é bastante eficiente, ainda mais quando vemos seqüências como aquela em que o cowboy celebrizado numa propaganda de conhecida marca de cigarro, combalido pelo câncer que faz com que seus dias nessa terra estejam contados para breve, recebe a visita do lobista que tem a dura missão de convencê-lo a deixar de se manifestar contra seus ex-empregadores... Confira! Para que num futuro próximo possamos dizer a todos os nossos alunos, filhos, amigos, sobrinhos, colegas e conhecidos... Obrigado por não fumar!
Para Refletir
1 - Organizar grupos de pesquisa entre os estudantes da escola para realizar um levantamento sobre os malefícios do tabaco (e também do álcool) é uma das principais alternativas para esclarecer essa nova geração acerca dos riscos que todos correm ao usar tais produtos. É preciso, porém, ir além dos levantamentos elementares baseados em livros e na internet – recursos sem dúvida ricos e interessantes para esse propósito, mas insuficientes para gerar comoção e realmente sensibilizar. Nesses levantamentos o ideal é orientar a pesquisa para o contato com pessoas que tenham vivenciado e sofrido as conseqüências do uso dos cigarros. A busca pela palavra de médicos, pesquisadores, representantes de ONGs e estudiosos do assunto também é valiosa. Torna-se ainda mais eficiente tal empreitada se a realização for aberta a comunidade e contar com a participação dos pais desses alunos na apresentação de painéis, pôsteres, palestras e depoimentos.
2 - “Obrigado por fumar” é uma peça de contrapropaganda e, nesse sentido, seria muito interessante estimular os alunos a produzir também material publicitário que desestimulasse o uso do cigarro, do álcool, das armas de fogo, das drogas,... Trabalhar o conceito de contrapropaganda seria essencial num primeiro momento e, ao mesmo tempo, teriam que ser sugeridas as formas de realização dessa publicidade às avessas – como painéis, pôsteres, filmes curtos (de 30 segundos ou no máximo um minuto), jingles para rádio, canções publicitárias,...
3 - O uso do tabaco deve ser desestimulado e, em contrapartida, devem existir nas escolas projetos de cunho cultural e esportivo que motivem os estudantes a participar de atividades saudáveis. Outra preocupação que é inclusive abordada no filme refere-se à alimentação com base em alimentos que ocasionam a obesidade, o entupimento das artérias, problemas cardíacos, etc. (mencionada no filme pelos lobistas do tabaco, do álcool e das armas de fogo como sendo uma das maiores causas de mortes nos Estados Unidos) - nesse sentido as escolas deveriam se organizar para oferecer cardápios na merenda e nas cantinas que fossem voltados para uma alimentação regulada, balanceada e saudável, com frutas, verduras, cereais,...
Obs.: Apenas como curiosidade vale mencionar que em nenhuma cena da produção vemos os artistas fumando! Mais uma eficaz estratégia da contrapropaganda!
Ficha Técnica
Obrigado por fumar
(Thank you for smoking)
País/Ano de produção: Estados Unidos, 2006
Duração/Gênero: 92 min., Comédia
Direção de Jason Reitman
Roteiro de Jason Reitman, baseado em livro de Christopher Buckley
Elenco: Aaron Eckhart, Maria Bello, Katie Holmes, William H. Macy, Robert Duvall, Rob Lowe, Adam Brody, Sam Elliott, Cameron Bright, David Koechner.
Links
Site Oficial: www.foxsearchlight.com/thankyouforsmoking
http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=12136
http://www.cineclick.com.br/cinemateca/ficha_filme.php?id_cine=13455