Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O Sentido da Fé
Editorial

Foto do Papa Bento XVI

Rezo todos os dias. Peço saúde, paz, felicidade e prosperidade para o Brasil e o mundo. Vou à missa todas as semanas. E não fico apenas repetindo os ditames que nos são passados através das leituras da Bíblia ou dos sermões dos religiosos que celebram os rituais. Penso que temos que ir além e que devemos tentar compreender as histórias que nos são passadas para que aprendamos lições que sejam realmente válidas para nossas vidas.

A visita do Papa Bento XVI ao Brasil, que se iniciará na próxima quarta-feira, dia 09 de Maio de 2007 e que se prolongará até o domingo, 13 de Maio, dia das mães, abre espaço para que tentemos ir além das aparências no que tange a religiosidade. E que essa santa visita ilumine não apenas os católicos, mas a todos aqueles que cultivam uma fé e que lutam por um mundo mais justo, fraterno, digno e ético.

Acredito que devemos aproveitar a ocasião não apenas para elevar nossas orações aos céus, contando com a proximidade maior que teremos com o sumo pontífice dos católicos entre nós por alguns dias para que essa ponte fique reduzida e para que Deus nos escute com maior atenção...

Penso que é hora de refletir com maior atenção aos ensinamentos da religiosidade, tão ausente de nossas vidas, mesmo quando parece tão presente em alguns casos, como o dos devotos que freqüentam todas as missas, participam de procissões, acendem velas aos santos ou participam de grupos de oração mas que se mostram incapazes de demonstrar a civilidade, o amor, a misericórdia e a fraternidade pregadas por Cristo em sua peregrinação por esse mundo...

Sei que estou entrando num campo espinhoso, que pode ocasionar rupturas, dores, incompreensão e intolerância por parte de alguns... Meus pais sempre me disseram que religião, futebol e política são áreas de atuação humana onde há muita animosidade e divergência e que, como conseqüência disso, ao ingressar nesses campos, temos que estar munidos de bons argumentos, cientes dos riscos e dispostos a lutar com paixão pelos nossos pensamentos e posicionamentos...

O Cristo de São João da Cruz, de 1951, de Salvador Dali
A fé demanda elevação e isso significa, na prática, que os ensinamentos religiosos não devem apenas aprendidos, mas principalmente vivenciados (Acima: O Cristo de São João da Cruz, de 1951, de Salvador Dali)

A fé deveria ser indicativa de caminhos e não está sendo. É claro que isso não é regra e que há pessoas imbuídas do espírito de caridade e bondade apregoado e vivenciado por Jesus, Maria e os apóstolos (ou por Buda, Maomé, Davi, Abraão,...). Mas o que significa ter e viver a fé? De que forma podemos incorporar os ensinamentos da religiosidade aos nossos passos nessa Terra? Será que realmente precisamos da Igreja (ou da Mesquita, dos Mosteiros, das Abadias, dos Templos, da Sinagoga,...) para que sejamos melhores, mais justos, mais dignos e éticos em nossas vidas?

O sentido da fé ao qual me refiro no título desse editorial não reside apenas em rezar, em pedir graças e bênçãos ou ainda em participar de compromissos religiosos, mas principalmente em fazer o bem, demonstrar respeito, ser tolerante, apresentar-se ao mundo como ser solidário e irmão e lutar muito pela justiça que ainda não temos.

A fé, que se expressa na caridade e na bondade, deve começar em nossos próprios lares. E isso não está acontecendo... Sucumbimos ao cansaço, à velocidade do mundo que nos rodeia (e que vorazmente parece nos consumir), aos compromissos do cotidiano e não mais estendemos a mão, como deveríamos, nem mesmo para os nossos familiares.

Não cultivamos o diálogo com nossos filhos e cônjuges e, como resultado, temos brigas no ambiente doméstico, discussões e se semeia não a harmonia, o encantamento, a paz e o amor... Em vez disso, temos separações, filhos que acabam caindo nas drogas, rendimento abaixo do esperado nas escolas, depredações e pichações nos muros do bairro, agressões físicas e verbais entre os cônjuges ou entre pais e filhos,...

Reserve tempo para conversar com seus filhos. Demonstre carinho pelo marido ou pela esposa. Não seja agressivo ao dialogar com seus familiares. É claro que há momentos de dificuldade que nos impedem de atuar com parcimônia e tranqüilidade, mas nossos familiares não são “sacos de pancadas” que devem pagar pelos problemas do trabalho, das contas, do trânsito,...

Manter um bom ambiente em casa é apenas o primeiro passo. A seguir coloca-se como imperativo que cultivemos um bom ambiente na relação com os vizinhos, os colegas de trabalho, os amigos e com as pessoas que nem ao menos conhecemos direito. Isso significa sorrir o tempo todo, como se tudo estivesse indo muito bem? Não, em absoluto, sacrificar as suas características pessoais e ignorar a história de vida de cada um também constitui um erro grave... Afinal de contas, temos que demonstrar respeito por nós mesmos, por nossas particularidades e caminhos em primeiro lugar...

Cena do filme “Paixão de Cristo”
Diálogo, companheirismo, devoção e crença resoluta em seus ideais. A fé acontece quando corporificamos e lutamos pelos pensamentos que estão contidos em nossos livros sagrados, como a Bíblia, o Alcorão, a Cabala,... (Acima: Cena do filme “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson).

Se não nos respeitamos e nos agredimos, forçando-nos a agir de formas que violentem as nossas crenças e ideais como poderemos acreditar que o mundo pode e deve ser melhor e que temos importante papel nessa realização?

Conheça a si mesmo. Valorize sua existência. Crer em Deus e agir com fé na vida demanda que saibamos que todos somos presenças marcantes nesse mundo e que nossas participações não são secundárias. Não somos atores ou atrizes coadjuvantes no filme de nossas vidas. Temos que assumir o papel principal, de protagonistas em nossas histórias. E isso significa compromissos junto à família, aos amigos, aos vizinhos, aos companheiros de trabalho,...

Na interação com todas as outras pessoas que o circundam seja correto, honesto e digno. Estenda a mão quando precisarem de você. Peça ajuda sempre que for necessário. Do mesmo modo que você deve mostrar-se pronto e solidário nessas relações, todos os que estão próximos de você devem igualmente demonstrar boa vontade, disposição e ímpeto para auxiliar o próximo.

Demonstrar solidariedade significa estar disposto a ajudar causas sociais e engajar-se em projetos em que os mais necessitados poderão contar com suas ações e palavras? Sem dúvida que sim. Mas não é só isso. A solidariedade também acontece no cotidiano e no trabalho regular que realizamos. Somos e devemos agir de forma profissional, mas isso não deve nos impedir de sermos humanos, respeitosos, educados, corteses e agradáveis no contato que temos com clientes, pacientes, alunos, fornecedores, compradores, funcionários,...

Ao afirmar isso posso levar algumas pessoas a pensar que ter fé significa abrir mão de posições e atitudes de questionamento, de criticidade – levando-nos a sempre nos mostrarmos prostrados e submissos em relação a tudo e a todos. Não é isso que estou dizendo, a fé também pede altivez, opinião, presença e força. Temos que ser resolutos e temos que saber que a vida melhor e mais justa que queremos para todos demanda espiritualidade e combatividade.

Foto de Duas Mãos Entrelaçadas
Reze, ensine seus filhos a sua fé e, fundamentalmente, viva e realize a profundidade dos textos sagrados e dos exemplos das pessoas que construíram a sua religiosidade.

Jesus e os apóstolos não se entregaram. Seus ideais foram preservados justamente por terem se mostrado resolutos e por acreditarem naquilo que pregavam e traziam como mensagem ao mundo em construção. Perduraram suas palavras e exemplos. Não podemos deixar de olhar para suas vidas e perceber, com admiração, que há valentia, bravura e altivez inigualáveis em pessoas que como eles se colocaram frente a frente com inimigos de sua crença tão poderosos como os imperadores romanos e o paganismo... E nem mesmo a crucificação e a morte (física e material) os calaram, seus ensinamentos continuam vivos e sendo apregoados pelos quatro cantos do mundo nesse mesmo instante em que lhes escrevo...

Ir à igreja. Participar de procissões e grupos de oração. Rezar antes de se alimentar ou de dormir. Todas essas práticas são importantes e devem ser preservadas. Orientar os filhos quanto aos exemplos lidos na Bíblia, no Alcorão ou na Cabala; ensinar as novas gerações a meditar e buscar inspiração divina para viver melhor; promover ações de caridade através de sua fé e igreja; participar da visita de Bento XVI (ou dos principais representantes de outras religiões) ou ainda estar presente nas festas e eventos realizados por sua comunidade religiosa são ações respeitáveis e também merecem ser consideradas como caminhos que nos levam a Deus...

Mas, como mencionei ao longo desse artigo, o sentido da Fé (Católica, Evangélica, Judaica, Islâmica, Budista, Espírita,...) deve ser sempre o da bondade, da caridade, da compreensão, do diálogo, da paz e do amor. E que isso se consolide não apenas como discurso bonito, apregoado por todos os lados a nos colocar em elevação moral perante a comunidade em que vivemos, mas principalmente que se efetivem como práticas realizadas em nossas vidas cotidianas... E que o verbo, literalmente, se torne carne, ou seja, que sejam corporificados os ensinamentos da fé por cada um e por todos os fiéis...

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