Processo de inclusão dos Portadores de Síndrome de Down
Ana Patrícia Beltrão Bastos
A
aprovação da Lei de Diretrizes Educacionais - LDB
(Lei 9394/96) estabeleceu, entre outros princípios, o de
"igualdade e condições para o acesso e
permanência na escola" e adotou nova modalidade de
educação para "educandos com necessidades
especiais."
Desde então, a temática da Inclusão
vem rendendo, tanto no meio acadêmico quanto na
própria sociedade, novas e acaloradas discussões
embora, ainda, carregue consigo sentidos distorcidos.
De acordo com uma pesquisa realizada em 1999 pela
Federação das Associações
de Síndrome de Down, a única realizada no Brasil
até o momento, "quase 80% das pessoas com
Síndrome de Down freqüentavam a escola no momento
da pesquisa.
Quanto à natureza dos estabelecimentos de ensino mais
freqüentados: 30% dos estudantes freqüentam escolas
especiais públicas e 24%estão em escolas
especiais privadas. Observa-se pois, que mais da metade dessas pessoas
estão em escolas especiais, o que não coaduna com
a tendência mundial para Educação
Inclusiva."
Na efervescência das discussões a respeito da
Inclusão, tais dados são reveladores e ganham
ainda mais importância neste momento de
afirmação das práticas e teorias que a
fundamentam.
Falar desta para portadores da Síndrome de Down significa
entender que seu grau de desenvolvimento e
socialização pode ser bastante
satisfatório quando os mesmos passam a ser vistos como
indivíduos capazes de fazer parte de um mundo designado para
habilidosos e competentes.
O portador da Síndrome de Down é capaz de
compreender suas limitações e conviver com suas
dificuldades, "73% deles tem autonomia para tomar iniciativas,
não precisando que os pais digam a todo momento o que deve
ser feito."
Isso demonstra a necessidade/possibilidade desses indivíduos
de participar e interferir com certa autonomia em um mundo onde
"normais" e deficientes são semelhantes em suas
inúmeras diferenças.
Como se sabe, o referencial de pessoas que vivem segregadas acarreta o
desenvolvimento de sentimentos preconceituosos, aumentando a
visão de mundo estereotipado.
Neste contexto, a escola especial priva esses indivíduos de
expandir suas relações sociais e impede que seus
esforços intelectuais cresçam.
O portador da Síndrome de Down, e todo aquele com
necessidades especiais, precisa antes de mais nada pertencer
à sociedade, ser parte integrante e respeitado em suas
limitações e alcances.
Por outro lado, "...atualmente, no ensino regular, a criança
deve adequar-se à estrutura da escola para ser integrada com
sucesso. O correto seria mudar o sistema, mas não a
criança. No ensino inclusivo, a estrutura escolar
é que se deve ajustar às necessidades de todos os
alunos, favorecendo a integração e o
desenvolvimento de todos, tenham NEE ou não" (Schwartzman,
p253)
O
Problema
Mas como mudar o sistema sem propor uma mudança nos seus
componentes? Primeiramente, há de se entender que fatores
internos à estrutura escolar, tais como a
organização (administrativa e disciplinar), o
currículo, os métodos e os recursos humanos e
materiais da escola são determinantes para a
inclusão desses alunos com deficiência.
Contudo, a figura do professor neste contexto é ainda mais
relevante, uma vez que este é desenvolvedor das
ações mais diretas no processo de
inclusão, quais sejam, lidar com as diferenças e
preconceitos por parte de pais e alunos; com as expectativas e
possíveis frustrações dos familiares
portadores da síndrome; com as
limitações e alcances dos próprios
portadores, dentre outras.
Neste novo paradigma, onde se verifica o surgimento de novas e maiores
responsabilidades, parece clara a necessidade de uma
formação mais eclética para o
professor, que inclua conhecimentos teóricos
específicos com fundamentos médicos,
psicológicos, pedagógicos e
sociológicos.
Pois bem, exatamente com a intenção de averiguar
a qualificação do professor no tocante a esses
diversos conhecimentos, desenvolveu-se uma Pesquisa de campo, cujo
modelo está inspirado num estudo de caso - uma escola
pública do ensino regular de Brasília, pioneira
no processo de inclusão.
Metodologia
Para efetivação do estudo, foram elaborados
questionários dirigidos para professores, diretores e
especialistas que trabalham diretamente com alunos Portadores da
Síndrome de Down e que fazem parte do processo de
inclusão. Os resultados foram, então, analisados
com base em fundamentação teórica
para, mais tarde, respaldar proposições de
mudança que pudessem interferir positivamente no quadro
encontrado.
Análise
e Proposição
Os questionamentos trouxeram informações
importantes e por vezes reveladoras para compreensão de
tantas dificuldades e alguns sucessos.
O professor que trabalha no processo de inclusão,
não raro, direciona suas ações em sala
de aula por meio de uma vontade enorme de acertar, busca
soluções por meios abstratos e que transcendem
alguns limites, é um batalhador que sonha com as
transformações.
As carências no tocante a expansão de seu
conhecimentos teóricos são muitas, mas ainda sim,
consegue lidar com questões como
identificação de limites e alcances cognitivos,
motores e afetivos, ainda que para conhecer as dificuldades dos
processos de ensino/aprendizagem das pessoas com Síndrome de
Down, necessitamos da ciência médica,
psicológica, sociológica e pedagógica.
O estudo revelou haver lacunas entre os ideais propostos e a
prática existente nas escolas, é preciso que para
além dos ideais proclamados e das garantias legais, se
conheça o mais profundamente possível as
condições reais de nossa
educação escolar.
A partir daí, torna-se possível identificar e
dimensionar os principais ponto da mudança
necessária para o alcance da qualidade que se espera da
educação escolar.
Os conhecimentos teóricos trazem
contribuições importantes e permitem ao professor
fundamentar suas ações.
A ausência destes conhecimentos limita as
mudanças, restringindo também os
papéis que a criança portadora da
síndrome pode representar tanto na escola como na sociedade.
Como diria a Professora Doutora Leny Magalhães Mrech da
Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo "...é preciso fornecer aos professores
de classe comum informações apropriadas a
respeito das dificuldades da criança, dos seus processos de
aprendizagem, do seu desenvolvimento social e individual..."
O professor precisa estar consciente de sua importância e da
função que desempenha perante este momento
tão importante.
Como se vê, é na relação
concreta entre o educando e o professor que se localizam os elementos
que possibilitam decisões educacionais mais acertadas, e
não somente no aluno ou na escola.
O sentido especial da educação consiste no amor e
no respeito ao outro, que são as atitudes mediadoras da
competência ou da sua busca para melhor favorecer o
crescimento e desenvolvimento do outro.
Outro dado importante é o conhecimento de uma abordagem
holística, no sentido de integração e
revelação do contexto de vida do portador da
síndrome.
A relação com seus pais pode revelar expectativas
e/ou frustrações, com irmãos pode
determinar sentimentos positivos como grande afetividade ou negativos
como vergonha, e amigos, que pode trazer
informações sobre preconceitos e conquistas de
espaço.
Ter acesso aos outros profissionais, como fonoaudiólogos e
fisioterapeutas envolvidos no desenvolvimento deste
indivíduo, podem também trazer
contribuições significativas para as
ações do professor em sala de aula.
Em que pese os esforços da instituição
objeto da Pesquisa e, até mesmo, pessoais dos entrevistados,
a análise da Pesquisa revela, entre os profissionais
envolvidos com o processo de inclusão do portador da SD, por
vezes alguma desinformação, outras vezes a
informação distorcida.
Tal constatação aponta, necessariamente, para um
melhor planejamento da formação dos recursos
humanos, entende-se profissionais envolvidos, com vistas a criar uma
cultura de base a respeito da Síndrome e outros tipos de
deficiência e, também, dos referenciais
teóricos tocantes à inclusão, que
permita, uma vez combinada organizadamente com o conhecimento e a
experiência prática desses educadores,
alcançar novos patamares de qualidade no decorrer do
processo de inclusão.
A evolução do processo torna-se mais evidente e
significativa na medida em que o profissional toma posse dos
conhecimentos, sente-se mais seguro e confiante para compreender os
limites individuais, independente até das necessidades
especiais que os alunos possam apresentar, e consegue explorar as
potencialidades que os mesmos certamente possuem.
Outras
Proposições
Após toda a explanação feita sobre o
processo de inclusão, que se fixou numa
preocupação quanto a
formação dos profissionais ligados diretamente
com o indivíduo incluso pode-se observar necessidades de
trabalhar outros elementos que não foram contemplados na
pesquisa e que agora serão mencionados junto a uma proposta
de intervenção com sentido de agregar
sugestões que visam melhorar as
condições de adequação do
Portador da Síndrome de Down em escolas do ensino regular.
Família
do Portador da Síndrome de Down
Após a (in)formação dos professores, o
passo seguinte, é realizar uma entrevista com a
família e com o aluno para conhecer melhor a sua
convivência familiar e social, suas dificuldades,
potencialidades e quais as expectativas com
relação a Escola.
Nesse momento deve ser esclarecido sobre a necessidade do
comprometimento da família em acompanhar o aluno de forma
sistemática em reuniões individuais e coletivas
sempre que houver necessidade. Deve ser esclarecida, também,
a proposta pedagógica da Escola, desde as regras coletivas
até o processo de avaliação.
Deve-se colocar, por exemplo, que a sala onde o aluno
frequentará as aulas dependerá de
análise realizada pela equipe pedagógica em
articulação com os professores, levando em
consideração, entre outros fatores, a sua idade
cronológica. É preciso que a família
sinta-se confortável, segura, confiante e realista diante
das novas possibilidades que surgem diante da inclusão.
Família
dos Não Portadores da Síndrome de Down
Dentro das proposições, o próximo
passo sugere abordar, adicionalmente, a família dos demais
alunos como forma, inclusive, de sedimentar uma "primeira ponte" com as
crianças que serão colegas de turma do portador
da síndrome.
A idéia é que sejam promovidos encontros,
seminários e palestras que visam gerar uma
consciência crítica e cooperativa de todos
envolvidos no cotidiano escolar, criar uma nova mentalidade junto aos
alunos, educadores e pais de alunos, de modo a garantir o
desenvolvimento de todos os alunos, portadores ou não, numa
escola de qualidade.
O objetivo é lançar mão de novas (e
antigas) proposições de
conscientização das desigualdades sociais e
culturais, que auxiliem a resgatar a verdadeira
função social da escola e
democratizá-la em todos os níveis, tornando-a um
agente de reformulação dos princípios
de ação individual e competitiva para uma
articulação de ações
solidárias e cooperativas. Enfim, o sentido é
socializar os bons resultados para fortalecimento de todos envolvidos.
Colegas
de Turma
O próximo passo, não menos importante,
é preparar a turma para receber o aluno. Antes do aluno
chegar a turma deve ser esclarecida a respeito de sua
deficiência e como todos podem se ajudar mutuamente.
É de extrema importância criar um clima de
expectativas positivas com relação as
possibilidades de aprendizagem do aluno e agrupar os alunos desde o
primeiro dia de aula.
Ainda que as necessidades específicas de cada aluno possam
redundar em adaptações necessárias das
atividades realizadas em sala de aula, o mais importante é
torná-los cientes da diversidade mas, também, das
possibilidades de crescimento individual e coletivo em razão
dessas diferenças.
Portadores
da Síndrome
Finalmente, o último passo, com todo este aparato de
informações oferecido a todos os intervenientes
do processo de inclusão, cercar o portador de toda a
atenção para que lhe seja permitido, segundo suas
próprias possibilidades, desenvolver-se continuamente,
tornando-o capaz, inclusive e quando possível, de discernir
a respeito de sua condição especial sem, contudo,
associá-la a um parâmetro inferior.
Considerações
Finais
É na convivência com outros e com o meio ambiente
que as necessidades de qualquer ser humano se apresentam. Em
razão disso, é importante questionar os
critérios que têm sido utilizados para distinguir
as necessidades especiais das necessidades comuns e vice-versa, em
particular no contexto escolar. Sabemos, de há muito, que o
homem se distingue de tudo o mais no mundo pela palavra e pela
ação.
E, como nos ensina Hannah Arendt, "esta inserção
no mundo humano, por palavras e atos, é como um segundo
nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular
do nosso aparecimento físico original".
É fundamental, pois, a compreensão de que a
inclusão e integração de qualquer
cidadão, com necessidades especiais ou não,
são condicionadas pelo seu contexto de vida, ou seja,
dependem das condições sociais,
econômicas e culturais da família, da escola e da
sociedade. Dependem, pois, da ação de cada um e
de todos nós.
Referências
Bibliográficas
Federação das Associações
de Síndrome de Down
Perfil das Percepções sobre Pessoas com
Síndrome de Down e do seu Atendimento: Aspectos Qualitativos
e Quantitativos. Relatório resumido - Brasília,
1999.
Síndrome de Down, José Salomão
Schwartznan, São Paulo: Mackenzie: Memnon, 1999.
Ana
Patrícia Beltrão Bastos é
Pedagoga e Mestranda pela Universidade
Portucalense Infante D. Henrique, no Brasil. Contato:
belanap@icqmail.com