Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Escola, para quê?
Editorial

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Estudamos durante anos e anos de nossas vidas. Teoricamente estamos nos preparando para a vida. Aprendemos (ou não) matemática, história, física, artes ou a nos comunicar em nossa própria língua. Descobrimos o mundo através da geografia, conhecemos o corpo humano pelas vias da biologia, entendemos o funcionamento do universo com ajuda da química. Fazemos educação física, lemos vários livros para disciplinas como a literatura, estudamos inglês ou espanhol para nos comunicar com o mundo...

Acreditamos que ao entrar em contato com todos esses saberes ocorre um preparo essencial que irá nos permitir ingressar na vida adulta prontos para conseguir um emprego, formar nossas famílias, prosperar, ter conta bancária, comprar a tão sonhada casa própria, adquirir um ou mais automóveis, viajar pelo mundo,...

Pensamos nesse conhecimento obtido como base para a civilidade. Respeitar e ser respeitado. Se mostrar solidário em relação às causas mais justas e nobres. Fazer o bem e proporcionar ao mundo a possibilidade da melhoria em virtude de nossa ação, de nossa existência e de nossas experiências pessoais acumuladas e também dos esforços coletivos que nos movem.

Nossos professores e pais, assim como seus antecessores, pelo menos desde que surgiu o conceito de educação e de escola que conhecemos presentemente (desde a Revolução Francesa, para tentar localizar no tempo e no espaço esse acontecimento, ou seja, a partir do século XIX), também incensam, valorizam e acreditam que não há futuro para quem quer que seja sem o auxílio e os préstimos da educação formal.

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Não basta pedir aos alunos que levantem as mãos para
escutar suas dúvidas, temos que abrir nossos corações para

ouvir o que sentem e pensam sobre a escola, o país, o mundo...

Governantes se alternam no poder e durante as disputas eleitorais apregoam aos ventos, para que todos consigam escutar, o quanto a educação é importante para o futuro da nação. Planos e mais planos para a educação são traçados (e alterados de forma aleatória e predatória para o futuro dessa nação) a cada mandato. Novos investimentos e verbas para a área são previstos nos orçamentos públicos (mas nem sempre chegam de forma integral ao destino final, as escolas).

Apesar de todo esse discurso apregoado com enorme constância por tantas pessoas e instituições, ainda existem muitos estudantes que se perguntam, a cada instante, o que estão a fazer dentro dos limites das escolas... Escola para quê? Essa é uma dúvida que persiste entre as gerações que se encontram nas salas de aula já há algum tempo. Que escola é essa que, apesar de todas as pessoas que a defendem, causa dúvidas quanto a seu valor, funcionalidade e eficiência entre seus maiores interessados, os estudantes...

Nesse sentido é importantíssimo que saibamos quem são os estudantes que formam o contingente educacional das escolas brasileiras no momento em que escrevemos essas linhas... Quais são suas bases familiares? Como é a sua relação com o mundo em que vivem? Que contexto mundial estamos vivendo e de que forma isso se relaciona ao perfil dessas crianças e jovens? Quais interesses movem sua curiosidade e os motivam a pensar e agir? O que eles pensam do Brasil e de suas instituições? Que visão têm da escola e da educação? Afinal de contas, quem são essas crianças, adolescentes e jovens com os quais convivemos enquanto pais, educadores, gestores das escolas e governantes?

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Quem são nossos alunos? O que pensam da escola? O que esperam do mundo?

São perguntas imprescindíveis para que compreendamos o universo escolar em que estamos inseridos. São também questões de difícil resposta, que demandam pesquisas complexas a serem realizadas no mínimo a médio prazo. Planos governamentais que não levem em conta a clientela final dos serviços educacionais que estamos prestando terão pouca ou nenhuma eficiência e, ao afirmar isso, não estou sendo pessimista, assumo apenas uma postura extremamente realista. Se pudéssemos apenas conjecturar ou especular algumas respostas tendo por base o que lemos ou estudamos em publicações recentes, poderíamos dizer o seguinte:

  • Opera-se na sociedade mundial, e consequentemente na brasileira também, uma grande alteração dos modelos familiares. Estamos deixando para trás as bases tradicionais, pautadas na interação mais constante e próxima entre avós, tios, irmãos, primos, pais e filhos. Em seu lugar prevalecem famílias dissociadas, nuclearizadas em torno apenas dos progenitores e de sua prole. Há novas formações familiares incorporadas ao cotidiano (mães solteiras com os filhos, pais que cuidam sozinhos de seus herdeiros, casais homossexuais). Os casamentos convencionais estão sendo substituídos em escala crescente por uniões não formalizadas e mais instáveis. Os filhos estão demorando mais tempo para sair da casa dos pais e dependem financeiramente de seus progenitores até idades mais avançadas...
  • O mundo em que vivemos está cada vez mais competitivo e em busca de resultados financeiros melhores. As empresas organizam-se para atingir o máximo de eficiência. O corte de custos ameaça os empregos e torna a disputa pelas vagas mais acirrada. A incorporação de tecnologias e o offshoring (transferência de empresas para outros países e continentes em busca de mão de obra mais barata e mais vantagens fiscais e produtivas) acentuam ainda mais a luta pela sobrevivência. É no meio de toda essa tensão que vivemos e, certamente isso repercute entre as novas gerações. Há pais preocupados com a formação profissional dos filhos antes mesmo de suas crianças ingressarem numa escola... A relação entre os estudantes de hoje e o mundo em que vivem é tensa, cheia de dúvidas, marcada por cobranças (antes do tempo) e acaba redundando em agressividade, nervosismo e até mesmo violência...
  • As tecnologias que se fazem cada vez mais onipresentes atraem enormemente a atenção das novas gerações e ofuscam todos os demais recursos e áreas do conhecimento (isso não quer dizer que as outras áreas não tenham procura, apenas que elas ficaram realmente em segundo, terceiro, quarto ou quinto planos). Os computadores e a internet estão realmente devorando as crianças e jovens. Substituíram a bola, a boneca, os jogos tradicionais, a leitura, as artes, a música, o cinema e até mesmo a televisão (ou então os incorporaram e fazem dos mesmos parte de seu incrível arsenal).

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A justiça e as demais instituições do país são ineficientes e tornam a vida
no Brasil difícil e complicada para as atuais e futuras gerações. Precisamos
de mais transparência, eficácia, honestidade e agilidade dos poderes públicos.

  • O Brasil é o país da impunidade e dos espertalhões. A justiça é lenta. Os traficantes e os bandidos estão dominando a cena. Os políticos mandam e desmandam, praticam atos ilícitos em várias oportunidades e nada acontece. A sensação de insegurança é muito grande. Balas perdidas ameaçam a vida de inocentes. Não somos mais o país do futuro. Não há grandes esperanças no horizonte. O amanhã é uma ilusão. O importante é sobreviver a toda a sensação de caos em que nos encontramos. Esse é o Brasil a partir do ponto de vista de nossos jovens...
  • A escola, por sua vez, que poderia ser uma das possibilidades reais de melhoria das condições gerais de vida no país está sucateada em muitos sentidos. Os professores são despreparados. As condições materiais inadequadas. As instalações deficientes ameaçam até mesmo a integridade física dos alunos. Os pais não participam da vida escolar de seus filhos. Os baixos salários e a falta de valorização dos profissionais que atuam nas escolas desestimulam e tornam ainda menos produtivas as ações dos professores. Essa é a escola nota 3, ou no máximo 4, que lega ao país sempre as últimas colocações nos exames internacionais... E os estudantes sabem muito bem disso, por isso não a levam a sério e, com isso, criam um ciclo vicioso que irá se repetir por tempo indefinido até que façamos uma verdadeira revolução no ensino (e no país).

Esse breve perfil de nossa clientela escolar e das condições gerais do mundo, do país e da educação no Brasil não tem a pretensão de se firmar como base sociológica de entendimento da dificílima situação pela qual passam nossas escolas e, mais importante ainda, nossas futuras gerações. Tento apenas fazer com que pensemos a partir do olhar desses estudantes para que consigamos compreender por que, para eles, a escola é (muitas vezes) apenas uma formalidade e não a instituição que pensamos, redentora, formadora, definidora das bases para o futuro.

Escutamos muito pouco as lamúrias, os sussurros e até mesmo os gritos de dor de nossos pacientes terminais. Agimos como médicos petulantes, que têm o dom da cura, o conhecimento insuperável e as respostas para todos os dilemas da saúde. Enquanto educadores, pais, gestores da educação e governantes pensamos sempre ter todas as respostas sem que nem ao menos nos preocupemos em aguçar a audição e os demais sentidos para perceber o que realmente está acontecendo ao nosso redor...

Não temos mais tempo a perder. Educação é assunto sério e primordial para a sobrevivência não só das atuais gerações ou das futuras, já integradas ao cotidiano, mas de pessoas que ainda nem nasceram e, numa escala de pensamento mais amplo, de nosso país e do mundo todo. Interligados cada vez mais no mundo plano e globalizado em que vivemos dependemos cada vez mais uns dos outros e se não agirmos em prol do conjunto iremos todos perecer junto com o planeta...

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas