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Matemática

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva Sou um professor de Economia, cego, aventureiro acompanhado por dois fiéis escudeiros, ambos com quatro locomotores, um com patas, outro com cascos. Já me considero do tempo dos computadores, mas, enquanto estudante, usava muito o Braille e, principalmente, a boa-vontade dos amigos. Hoje, sem ver, ensino a quem vê e a quem não enxerga também.

O que um professor de matemática precisa saber
Conhecimento

Zilton Luiz Macedo, livre docente da PUC, foi meu professor de microeconomia em 1975. Passados trinta e um anos, nos reencontramos. Num dos comentários que fez, citou que um professor só é bom de fato, quando consegue explicar toda a matéria pelo telefone, ou seja, sem usar a lousa, powerpoint, smartboard ou qualquer artifício visual.

Disse isso se referindo não somente aos alunos cegos mas a qualquer aluno. Um bom professor precisa chegar à mente de seus alunos pela palavra. Um leitor desavisado pode pensar que ele estaria discriminando os estudantes surdos, mas a palavra também se expressa em libras, ou pelos movimentos faciais e labiais. O fato é que um professor precisa fazê-lo abstrair. É justamente isso o que a Pedagogia estuda.

A Matemática é a abstração mais pura que existe, daí o professor precisar ter a capacidade de fazer os alunos entenderem por palavras. Um dia, pelo telefone, eu estava explicando para um garoto cego de nascença o porquê de uma senóide parecer uma cobra infinita. Disse-lhe:

- Imagine que você esteja com o indicador encostado na lateral do pneu do carro de seu pai.

- Imagine agora que você acompanhe com o dedo o movimento de rotação do pneu, à medida que o carro anda da sua esquerda para sua direita, consegue?

- Consigo.

- Seu dedo vai ficar subindo e descendo ao mesmo tempo que anda para a direita, certo?

- Certo.

- Pois este é o desenho de uma senóide.

- Entendi.

- Bem, se, quando seu dedo estiver no topo, dermos o valor de 1 e, quando ele estiver encostado no chão, dermos o valor de -1, quanto é que vai ser o valor quando seu dedo estiver na altura do eixo?

- Zero, é claro!

- Então, o seno varia entre -1 e +1, compreendeu?
- Sim.

- Imagine agora que o eixo dos X seja o eixo do carro, movendo-se linearmente da esquerda para a direita. A cobra vai ficar hora acima, hora abaixo dele, variando sempre entre +1 e -1 que corresponde ao raio da roda, entende?

- Sim.

Note-se que eu comecei pelo gráfico, que é pelo que todos os professores terminam, pois crêem que é imprescindível que o aluno tenha entendido que o seno é a projeção de um ponto da circunferência sobre o eixo dos Y. Uma projeção, para um cego, não significa coisa alguma. É justamente por isso que começo pelo fim. Para transmitir essa idéia uso uma vara de pesca imaginária com uma chumbada na ponta da linha.

- Imagine que você esteja com a vara na horizontal. A distância entre a linha e sua mão será igual ao comprimento da vara. Na medida em que você vai inclinando a vara, a distância vai diminuindo. A projeção corresponde à distância entre a linha e sua mão. Quando a vara estiver vertical, a linha e a vara vão coincidir, ou seja, a projeção é igual a 0. Isso é o cosseno. O seno é a mesma coisa, porém, trocando-se o vertical pelo horizontal, ou seja, a projeção sobre o eixo dos Y.

Com esses dois conceitos, fica fácil ensinar trigonometria para um cego. O problema é que o professor quer usar uma técnica visual, simulando sombras, e, quando o estudante não entende, põe-se a culpa na sua falta de visão, quando o problema é exclusivamente de método.

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