A Semana - Opiniões
Pense globalmente, viva localmente
Editorial
Gastamos mais tempo no volante de nossos carros do que com a
família!
Todas as semanas tenho uma rotina de viagens pelas estradas da região onde moro que me levam aos locais onde trabalho ou estudo. Será que tudo isso é realmente necessário? Fico me perguntando o quanto falta de lógica na determinação dos caminhos trilhados ao longo de nossas vidas já que, invariavelmente, como eu, há muitas e muitas pessoas que viajam de lá para cá, de cá para lá, gastando somas consideráveis com transporte (além de outros custos) e, mais importante ainda, contribuindo para que o efeito estufa e o aquecimento global ameacem ainda mais nossas existências...
Vou dar uma amostragem dessa falta de bom senso utilizando o meu próprio exemplo para que possamos ter uma idéia mais clara sobre o tema. Acompanhe a seguir o meu raciocínio...
As segundas e quintas-feiras subo a Serra da Mantiqueira, localizada no estado de São Paulo, rumo a estância climática de Campos do Jordão, onde sou professor e pesquisador de um Centro Universitário ali estabelecido. São 140 quilômetros que se acumulam em meu velocímetro entre a ida e a volta (estando no Campus evito sair para gastar menos combustível e, consequentemente, poluir um pouco menos o planeta). Como são dois dias por semana, podemos computar 280 quilômetros a mais para as minhas estatísticas.
O quanto de poluição produzimos ao andar
excessivamente com nossos carros?
As quartas-feiras vou a São Paulo no período da manhã (agora com menor freqüência, já que estou em processo de elaboração do meu projeto) para as aulas e reuniões relativas ao meu doutorado na PUC-SP. Considerando-se apenas a distância, são mais 280 quilômetros rodados (entre a ida e a volta). Como o trânsito na capital paulista é dos mais complicados, o gasto com combustíveis e manutenção do carro é maior do que somente a distância é capaz de nos fazer pensar.
Ao ficar parado numa das marginais (Tietê ou Pinheiros) ou ainda numa das grandes avenidas e ruas de São Paulo dispendemos enormes quantidades de poluentes na atmosfera e transformamos a vida na metrópole num caos ainda maior do que se poderia esperar.
Além disso, vai-se o tempo de nossas vidas, muito mais caro a cada um do que na maioria das vezes pensamos. Já cheguei a ficar parado ou rodando em velocidade baixíssima na Marginal Tietê por períodos de tempo equivalentes a 4 e até 5 horas... Contabilizando-se todo o tempo perdido nas ruas de qualquer grande cidade, quantos dias, semanas e meses de nossas vidas perdemos por ali, dentro de um automóvel? O que poderíamos ter feito com esse tempo adicional?
Penso que poderia ter estado junto com os familiares e amigos, ou ainda, que daria para ter lido vários livros e assistido tantos filmes que ainda não consegui ver... Se todo aquele tempo me fosse devolvido acho que jamais o perderia novamente... Preferiria andar na chuva, jogar bola, bater papo com os colegas, escrever novos textos, dar outras aulas ou simplesmente passear com meus cães...
Além de destruir o meio-ambiente, gastamos demais com
os deslocamentos excessivos que fazemos...
As terças, quartas à tarde e sextas-feiras vou a São José dos Campos, onde trabalho no Planeta Educação, como editor e articulista. Como moro numa pequena cidade vizinha, chamada Caçapava (a capital alternativa do Vale do Paraíba, se me permitem uma brincadeirinha!), rodo mais 40 ou 45 quilômetros entre minha residência e o serviço (ida e volta). Como são três dias por semana, completo aproximadamente de 130 a 150 quilômetros nessa viagem.
Se aplicarmos uma projeção matemática sobre esses dados para 1/3 das pessoas que trabalham comigo apenas no Planeta Educação, ou seja, para umas dez pessoas aproximadamente, que proporção teremos?
Somente as minhas viagens a trabalho e estudos totalizaram 700 quilômetros semanais (isso sem levar em conta os deslocamentos que realizo por motivos pessoais, como idas ao supermercado, ao shopping, aos centros de lazer, a restaurantes,...). Multiplicando-se essa quantidade por 10 pessoas que trabalham comigo teríamos um montante de 7 mil quilômetros rodados por semana (apenas a título de obrigações profissionais, repito!). Num mês teríamos aproximadamente 30 mil quilômetros rodados apenas por essas 10 pessoas...
Se nossos veículos tivessem o mesmo rendimento médio, ou seja, se o consumo desses automóveis fosse de 15 quilômetros por litro, teríamos gasto apenas entre essas 10 pessoas o equivalente a 2 mil litros de combustíveis... Se em cada cidade do porte de São José dos Campos existirem 100 empresas com perfil assemelhado ao nosso, com os mesmos 10 funcionários que consomem 2 mil litros de combustíveis por mês, seriam então 200 mil litros de gasolina ou álcool mensalmente apenas para fins profissionais nessas empresas e especificamente na localidade mencionada...
Enquanto continuarmos pensando que “O aquecimento global
é só uma teoria”,
abreviamos o tempo de existência e sobrevivência de
várias espécies, inclusive da própria
humanidade...
O problema é que esses cálculos são apenas aproximações... Há pessoas que rodam muito mais do que eu diariamente... Assim como existem tantos outros que circulam menos... Diria, para efeitos de cálculo, que o meu caso seja uma média (para baixo) do quanto de combustível se consome diariamente em nosso país para fins profissionais... E isso nos interessa de que maneira? Pelo simples fato de que quanto mais gastarmos, mais poluímos e menos chances teremos de escapar dos efeitos nocivos do aquecimento global que estão a consumir o planeta e condenar a existência de qualquer forma de vida nesse mundo...
Li uma entrevista na revista Época dessa semana (nº 466, de 23 de Abril de 2007), com o escritor e ambientalista Bill McKibben, de 46 anos (pesquisador que foi um dos primeiros a escrever sobre o aquecimento global para o público leigo), em que o entrevistado propõe que “pensemos globalmente e compremos localmente”, numa indicação de caminhos interessantes para a humanidade reverter os perigos climáticos que atormentam a vida humana e a existência dos demais seres do planeta Terra.
Ao propor tal idéia, McKibben remonta a modelos que já adotamos e que fomos progressivamente abandonando em virtude das modernidades tecnológicas que encurtaram tanto a distância entre os países (como os automóveis, trens, aviões,...). Nesses sistemas o alimento e os produtos não viajavam milhares de quilômetros para chegar aos consumidores, o direcionamento era local ou regional.
Isso significaria dar um passo para trás na história da humanidade, abandonando todos os avanços conquistados até o presente momento? Não, na verdade representaria a utilização de forma mais racional dos recursos, que fosse menos nociva ao meio-ambiente e que permitisse uma diminuição sensível e acentuada dos níveis de emissão de poluentes no ar de toda a Terra.
Ao pensar na proposição de McKibben relativamente ao consumo, procurei ir um pouco além no conceito e refleti sobre a necessidade de não apenas os produtos circularem menos, mas também as pessoas... Se nosso trabalho fosse mais localizado e regionalizado, destruiríamos menos o meio-ambiente, diminuiríamos os nossos custos, economizaríamos recursos naturais e também dinheiro... Além do mais, o dispêndio com saúde também seria reduzido já que estaríamos menos propensos as doenças da contemporaneidade como o stress e os problemas cardíacos...
Para completar, teríamos mais tempo para realizar nossas funções, projetos e trabalhos com mais competência, poderíamos ficar por mais horas com nossas famílias e amigos, teríamos condições até de praticar esportes, curtir nossos maiores hobbies ou de, simplesmente, para a alegria de muitos, dormir até um pouco mais tarde...